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Esta quarta-feira, dia 3 de Abril, às 11.00, a frente do número 22 da Rua António Maria Cardoso pára num momento de homenagem às quatro pessoas alvejadas pela PIDE/DGS, na noite de 25 de Abril de 1974. Fernando dos Reis, Fernando Giesteira, João Arruda e José Barneto (nas fotografias acima, à excepção do último, cuja imagem não está disponível na página do Museu do Aljube) tinham entre os 18 e os 38 anos e manifestavam-se contra a polícia política do Estado Novo no dia da revolução. Seis anos depois, os seus nomes ficaram ali gravados, quando um grupo de cidadãos decidiu dispô-los numa placa feita para perpetuar a sua memória. O acto desta semana, iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa (CML), vem deixar uma nova marca na rua que foi palco de longos interrogatórios e torturas.
A placa terá um QR Code que direcciona para a página do Museu do Aljube Resistência e Liberdade, na qual será possível consultar a biografia de cada uma das vítimas. A iniciativa resulta da "interpelação de cidadãos ao município que gostariam de ver mais presente na memória dos lisboetas e de todos os portugueses os acontecimentos ocorridos em 1974", enquadra a autarquia em comunicado. Estarão, por isso, presentes na cerimónia os cidadãos que impulsionaram a homenagem, bem como a directora municipal de Cultura, Laurentina Pereira.
Quem foram João, José e os dois Fernandos?
Ao fim do dia 25 de Abril de 1974, uma multidão motivada pelas notícias do golpe militar concentrou-se em frente à sede da Direcção-Geral de Segurança (DGS), antiga Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), no número 22 da Rua António Maria Cardoso. Exigia que os elementos da polícia política se rendessem perante os acontecimentos. Mas os agentes opuseram-se às palavras de contestação e dispararam indiscriminadamente das janelas. Entre os manifestantes encontravam-se João Arruda, José Barneto, Fernando dos Reis e Fernando Giesteira.
João Guilherme Rego Arruda era de São Miguel, um de 13 irmãos que, aos 18 anos, decidiu ir para Braga estudar Filosofia na Universidade Católica com a intenção de ser padre, uma ideia que pouco terá durado. Pediu, então, transferência para Lisboa e, ao que conta o Museu do Aljube (local onde funcionou a cadeia pela qual passaram mais de 30 mil presos durante o Estado Novo), terá conhecido, em 1973, as esquerdas de Mao Tsé-Tsung e de Marx e Engels numa passagem por França. Em Setembro desse ano, foi para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Não chegou a ter uma "actividade particularmente intensa", mas "terá participado em acções do Partido Comunista Português (PCP) e do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), nomeadamente greves e boicotes às aulas ou distribuição de cartazes e panfletos". Quando, no 25 de Abril, soube do golpe, foi uma dos milhares de pessoas a dirigirem-se para o edifício do Chiado. Quando a DGS abriu fogo sobre a multidão, eram perto das 20.30. João Arruda foi atingido na cabeça e acabou por morrer no Hospital de São José, às 00h30 de 26 de Abril.
José Barneto, alentejano de Vendas Novas, cresceu nos Olivais, em Lisboa, viveu com a mulher e os quatro filhos em Benfica e foi escriturário no Grémio Nacional dos Industriais de Confeitaria. Na manhã de 25 de Abril de 1974, terá saído para trabalhar, mas foi atraído para a porta da antiga sede da PIDE/DGS quando soube das notícias. Aos 38 anos, foi alvejado e teve morte quase imediata, "apesar de o seu corpo ter sido ainda arrastado pela rua por pessoas que procuravam prestar-lhe, infrutiferamente, socorro".
Fernando Giesteira foi o mais novo dos mortos de Abril. Nascido em 1955 em Salto, Montalegre, mudou-se em 1972 para Lisboa, onde foi empregado de mesa na boîte Cova da Onça, junto ao Marquês de Pombal. Depois da noite de trabalho, ter-se-á juntado às multidões para acompanhar os desenvolvimentos do golpe militar. Foi atingido e morreu.
Sobre Fernando dos Reis também pouco se sabe, a não ser que era de Arruda dos Vinhos, que estudou na Casa Pia e que foi "soldado da 1.ª Companhia Disciplinar de Penamacor, unidade historicamente utilizada pelo Estado Novo para punir militares e elementos da oposição acusados de indisciplina". Naquele dia de Abril, celebrado como de liberdade para quase todos os outros, estaria de licença, o que o terá permitido acompanhar de perto a agitação nas ruas de Lisboa. Aos 23 anos, pai de dois filhos, "foi atingido mortalmente pelas balas da DGS, tendo morrido, ao que tudo indica, no Hospital Militar da Estrela".
Desconhece-se, até hoje, a identidade dos assassinos destes quatro homens.
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