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Este guia turístico é uma homenagem às vítimas de crimes contra a humanidade

Um colectivo que combate a gentrificação lançou um guia turístico. Parece uma contradição, mas esclarecemos tudo com os Left Hand Rotation.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
Left Hand Rotation
©Left Hand RotationA Volta ao Mundo em 80 Catástrofes
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A Volta ao Mundo em 80 Catástrofes é um guia de turismo internacional que reúne um catálogo de monumentos por todo o mundo em homenagem à memória de mortes colectivas – sejam vítimas de crimes contra a humanidade, como genocídios, ou causadas por catástrofes naturais, como epidemias. O objectivo da publicação, para já apenas disponível online em versão PDF, não é que vá laurear a pevide. Pode fazê-lo, claro, mas este guia apresenta-se como um “processo aberto de reflexão”, explica o colectivo internacional Left Hand Rotation, que nasceu em Espanha e chegou a Lisboa em 2011, composto por activistas urbanos que têm vindo a alertar para os perigos de um “terramoto turístico” que resulta da gentrificação. As suas acções incluem documentários como Terramotourism (2016), Alfama é Marcha (2017) e O que vai acontecer aqui? (2019), este último sobre os movimentos sociais que defendem o direito a habitar na cidade de Lisboa, feito em colaboração com a Habita! e a Stop Despejos. Foi exibido em vários bairros de Lisboa (e no Doclisboa) e recentemente disponibilizado na página de Vimeo do colectivo.

Foi durante uma viagem em 2010 que um monumento lhes chamou particular atenção: o Ground Zero, na ilha de Bali, Indonésia, uma homenagem às mais de 200 vítimas de um atentado em 2002, “um dos pontos quentes da tendência selfie em Bali”, dizem no guia. Assim como os campos de concentração nazis, alguns dos sítios mais visitados na Alemanha e Polónia. “Não se trata exatamente de resgatar o significado desses monumentos, mas de colectivizá-los, ou seja, permitir o questionamento colectivo dos seus significados e questionar as razões finais pelas quais foram construídos, avaliando como sociedade se são úteis para a memória das vítimas”, explica o colectivo, que clama a necessidade de contestar a memória perpetuada no espaço público.

Apesar de considerarem que o monumento público à catástrofe é muitas vezes visto como um elemento decorativo, acreditam estar "carregado de ideologia e valores funcionais, sendo mais útil para a legitimação do poder instituído do que para a recuperação das comunidades afectadas pelo desastre."

No guia, o monumento em destaque em Portugal é o Memorial às Vítimas do Massacre Judaico de 1506, no Largo de São Domingos, em Lisboa. Lembra os quatro mil cristãos novos que foram assassinados em 1506 pela população católica da cidade numa estrutura semiesférica inaugurada em 2008 e desenhada pela arquitecta Graça Bachmann, sob proposta da Comunidade Judaica. Na entrada do livro catastrófico lê-se, além da informação histórica, que “hoje é um ponto de encontro regular para pessoas de origem africana e turistas, muitos turistas que procuram a popular ginjinha”, num texto que ironiza com a placa que diz "Lisboa, cidade da tolerância".

Mas há mais em que pensar na capital portuguesa – e decidiram fazer um apêndice com outros monumentos de homenagem a mortes colectivas espalhados pela cidade: a placa em memória dos mortos no tiroteio da PIDE no Chiado, as Ruínas do Carmo, a escultura em homenagem aos bombeiros no Cemitério do Alto de São João, o Monumento em Homenagem às Vítimas do 11 de Setembro na Avenida dos Estados Unidos da América ou o Obelisco do Beco do Chão Salgado, sobre o massacre dos Távoras.

Em vídeo (ver acima) registaram a colocação de pequenos autocolantes que representam os "carimbos de qualidade" dos guias turísticos, com dados como a categoria e o número de vítimas. O próximo passo é imprimir o guia em papel e acrescentar um capítulo sobre Portugal, com mais monumentos. Entre eles o Tragédia do Mar, em Matosinhos, que faz alusão ao naufrágio de 1947; o Monumento às Vítimas do Incêndio do Teatro Baquet, no Cemitério de Agramonte, no Porto; ou o mais recente Memorial às Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande.

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