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Ele resgata o lixo que o mar devolve, ela as madeiras que vai encontrando desperdiçadas pelas ruas de Lisboa. Renata Lima Lobo também aproveitou, mas para falar com dois ambientalistas que dão nova vida ao lixo.
Xico Gaivota
Ricardo Ramos conhece bem o mar. Foi pescador e marisqueiro profissional, mas na natureza que o provia nem tudo o que vinha à rede era peixe ou crustáceo. Há pouco menos de dois anos começou a criar esculturas de temática marítima feitas com o lixo que recolhe praias da nossa costa. Na verdade sempre esteve ligado às artes. Filho de artistas, passou pelo curso de marcenaria da Fundação Ricardo Espírito Santo e sabe trabalhar todo o tipo de materiais. “Mas nunca nenhum material me tinha dado o gosto e o desafio que o plástico me dá”, diz.
Esta nova profissão, a de artista plástico, foi impulsionada não só pelo talento, mas também por uma preocupação muito séria pelo ambiente que o move, arriba acima, arriba abaixo, numa missão que pede força de corpo e força de espírito. É sob o pseudónimo Xico Gaivota que apresenta as suas peças, uma aventura que começou em 2017, quando foi com os filhos recolher plásticos para fazerem os presentes de Natal desse ano. O bichinho ficou, mas demorou até começar a divulgar as suas peças, uma fauna feita essencialmente de plástico errante encontrado, na sua maioria, pela Costa Vicentina, o seu “supermercado”, ou mais para norte, do Cabo da Roca à Ericeira. “Preciso muito de andar nas arribas, deste contacto com o mar. Vou a praias com acessos muito maus”, explica. E tudo tem um objectivo maior: o lixo não voltar nunca mais para o mar. “Posso ir recolher o lixo e o plástico e pôr no ecoponto certo. Mas a probabilidade desse lixo voltar ao mar é altíssima. A minha ideia é retirá-lo desse ciclo vicioso”. Não é por acaso que uma peça de Xico Gaivota possa chegar a pesar cerca de 20 kg, porque as entranhas destas obras têm muito material lá dentro. E a pegada ecológica de cada uma é a mínima possível, sem recurso, por exemplo, a colas, o que significa que o artista tem literalmente muito poder de encaixe.
Se quiser apreciar a técnica mais de perto ou mesmo comprar uma peça, o Reservatório da Mãe d’Água recebe uma exposição de Xico Gaivota entre 3 de Julho e 7 de Outubro, composta por empréstimos e novas obras que, no final de contas, contribuem para a missão global que é salvar este terceiro calhau a contar do Sol.
lixo.lx
Lixo: aquilo que se deita fora por não ter utilidade ou por ser velho. Metella Senni discorda. Italiana, é estudante de Mestrado em Antropologia na Universidade Nova e prepara a sua dissertação final em Antropologia do Ambiente, focada no desperdício alimentar e o que chama de “fenómeno da respiga”, ou seja, pessoas que recolhem comida desperdiçada nos caixotes do lixo dos supermercados, um estilo de vida que muitas vezes não nasce necessariamente de carências económicas.
Mas foi no Instagram que tropeçámos no seu projecto, que acaba por se cruzar com o seu objecto de estudo. Chama-se Lixo.lx, passa pela recolha de madeiras nas ruas da cidade para lhes dar uma nova vida, e tudo começou no dia em que Metella se mudou para um apartamento vazio. “Quando, exactamente há um ano atrás, me mudei para a nova casa que não estava mobilada, surgiu a ideia de recolher os objectos aproveitáveis da rua. O que encontrei foi muito interessante. As pessoas deitam fora muitas coisas em perfeitas condições, outras com imperfeições facilmente reparáveis. E também se podem encontrar materiais brutos que com um pouco de criatividade são transformáveis em estantes, mesinhas e prateleiras”, explica. Motivação mais do que suficiente para aprender carpintaria e continuar na senda da recolha do desperdício que encontra pelas zonas do Intendente e dos Anjos, onde reside. “O lixo é normalmente visto como uma categoria uniforme, não interessante e julgada negativamente. Através do meu trabalho tento desconstruir essa ideia e criar novos significados para os materiais e os objectos que pertenciam à categoria lixo”, defende. Mas enquanto constrói novas peças do desperdício quer desconstruir um preconceito: a ideia que o trabalho manual é coisa de homens. “Sei que há mulheres a tomar esses espaços e acho fundamental contribuir para fazer que sempre mais mulheres experimentem esse tipo de trabalho”.
Desde Abril que apresenta as suas criações em pequenos mercados de Lisboa e já anda à procura de um atelier que substitua o seu actual local de trabalho, a varanda. No futuro quer também incluir oficinas de carpintaria no projecto Lixo.lx, incentivando a participação feminina, enquanto torna as pessoas mais independentes “do sistema consumista, onde a única opção é comprar”.
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