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Não há texto, não há chats, não há imagens, não há vídeos, não há nada do que é convencional haver numa rede social – há, apenas e só, voz. A voz de todos os que querem ser ouvidos. O Clubhouse é o fenómeno do momento e uma nova rede social diferente de todas as que conhecemos até aqui. Combina conceitos da rádio, dos podcasts e dos debates. Tudo em áudio ao vivo, para ouvir e intervir.
Nasceu em Abril de 2020, pelas mãos dos empreendedores de Silicon Valley Paul Davidson e Rohan Seth, mas só há poucas semanas começou o sururu em torno da app que viu os seus utilizadores aumentar exponencialmente em todo o mundo – Portugal incluído –, ganhando o estatuto de unicórnio, a valer mais de mil milhões de dólares. O boom deveu-se, por exemplo, a Elon Musk, o fundador da Tesla, que entrou numa sala e acabou a juntar milhares de utilizadores em simultâneo. Já passaram por lá Oprah Winfrey, Drake, Jack Dorsey e até Mark Zuckerberg, nomes que fizeram disparar a popularidade da app. Mas afinal, o que é isto de fazer parte do clube? E de entrar em salas de conversação?
Numa primeira incursão desta que vos escreve à aplicação, é fácil perceber que não estamos sozinhos na descoberta e as perguntas multiplicam-se. “Onde é que se liga o microfone?”, gritava alguém numa sala; “Como é que isto é diferente de uma chamada de grupo?”, diziam noutra; “Temos mesmo de ter aqui estranhos a ouvir?”, questionava um utilizador à minha entrada na sua room; e ainda se apanhou um “estou com aquela tendência estúpida de vir cá abaixo à procura de uma barra para começar a escrever”. Pois, não estamos mesmo sozinhos, mas o ritmo apanha-se facilmente.
Talvez o FOMO (fear of missing out) leve muito boa gente a querer entrar no Clubhouse, é verdade, mas que há razão para querer estar ali, lá isso há. É fácil passar duas, três, quatro horas a ouvir uma conversa sobre cultura, sobre música, sobre racismo, clima ou comédia, seja uma conversa moderada por pessoas conhecidas ou por completos anónimos – aí é que está a magia e a humanidade da coisa.
O actor, apresentador e locutor de rádio Rui Maria Pêgo faz parte já das boas centenas de portugueses que aderiu à rede social, que passou a ser das apps mais descarregadas da App Store em Portugal – sim, o Clubhouse ainda só está disponível para iOS. “Estamos num tempo em que é difícil nos ouvirmos a nós e aos outros, e uma app que põe o lugar da escuta em primeiro revela mais intimidade, até porque vais ser muito mais ponderado no que estás a dizer, é diferente de uma caixa de comentários”, conta-nos. “Acho fascinante que qualquer pessoa possa ser um líder de opinião”.
Apesar de ser conhecido e de já ter uma voz presente na rádio, defende que aqui a voz é de todos e para todos. “Acho que este é o momento para não serem as figuras públicas a falar ou a dar voz ao que quer que seja, mas sim toda a gente que quer falar e tem uma opinião”, diz. “Há este perigo de pessoas que são conhecidas poderem sugar o palco, mas sinto que ali acaba por haver um nivelamento de influência, porque nada impede que uma sala seja liderada por alguém completamente anónimo. O que é fundamental na app é o encontro”.
Fugir da ditadura da imagem e passar o microfone ao próximo
O Clubhouse, por usar apenas áudio, faz-nos olhar para outras coisas. O estímulo visual não está presente e isso quase que obriga os utilizadores a virarem o foco da sua atenção para o que estão a ouvir – até porque quando há imagem ou vídeo, o áudio acaba a passar para segundo ou terceiro plano.
“Distrai-te menos, há uma mística diferente por só estares a ouvir”, considera Rui. “Quando conheces alguém e sabes qual é a imagem da pessoa, e tem esse estímulo visual, vais estar sempre mais focado nas pessoas, no que estão a vestir, no cabelo, tudo acaba por ser à volta da imagem, como é no Instagram, por exemplo”.
E o sucesso da app advirá também do afastamento social que nos foi imposto pela pandemia. No fundo, a voz aqui acaba por aproximar as pessoas, por ser um canal para todos os que precisam de falar e para os que precisam de ouvir. “O facto de não conheceres a pessoa que está a falar vai-te obrigar a estar muito mais atento à voz e ao que ela está a dizer”, explica. “E a grande vontade de todos nós é ser ouvidos, como iguais, e o Clubhouse dá essa oportunidade, de colocar as pessoas em relação com o outro”.
E nesta tentativa de dar voz a todos, como é que se encontra um equilíbrio que não parta o brinquedo? Que não o torne semelhante a todas as outras redes? Para já, as respostas são incertas, até porque a exclusividade da aplicação permite que ninguém queira monopolizar o microfone e que o respeito impere nas salas de conversação.
“A lógica da voz faz com que as pessoas não se atropelem tanto e noto que isso tem acontecido, que há um respeito mútuo entre as pessoas, mesmo que não tenham a mesma opinião sobre algum tema”, afirma. “Não dá tanto espaço ao discurso de ódio, por ser numa lógica de conversa”.
Ao fim e ao cabo, o Clubhouse acaba por dar poder a cada um dos utilizadores, por igual. “Todas as maneiras que arranjarmos para nos ouvirmos são mais benéficas do que todas as outras que nos afastam, por mais difícil que seja aceitar discursos xenófobos ou neonazis”, explica o radialista. “Acho que é importante sentarmo-nos à mesa e partirmos pão com o inimigo, nunca com o objectivo de calar ideologias, sejam elas quais forem, e esta rede social pode ser uma oportunidade para isso”.
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