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Estreou-se mesmo antes de a restauração em Portugal ter parado, o que é um azar desgraçado. E ainda por cima estamos a falar de um conceito virado para a noite. Palavras de Manuel Lino, chef executivo, grafadas nesta mesma revista, em Fevereiro: “Tem um grande foco no bar e um ambiente mais nocturno, mas não é um bar nem uma discoteca. É uma espécie de restaurante onde a coisa se pode prolongar.”
Podia prolongar. É um azar terrível que, no momento em que alguém pensa que o que está a dar (de novo) são restaurantes com DJs e cocktails, em menos de um fósforo um vírus feio herdado de um pangolim transforme esse conceito em algo obsoleto.
Ainda assim, isso não fez os responsáveis baixar os braços. O Audaz reabriu em Campo de Ourique e passou a servir também almoços todos os dias.
A sala tem muito pouca luz natural, prolongando-se para o interior do edifício. O ambiente é mais virado para a noite. Decoração com pintarola, carregando-se nos tons escuros, ao fundo um mural de Tamara Alves com tigres, ao lado vinis antigos de grandes figuras da música popular portuguesa.
A comida pode ser boa ou assim-assim ou fraquinha. Em duas visitas apanhei de tudo.
O almoço, curiosamente, pareceu melhor, até porque havia um menu executivo de 15 euros, que incluía entrada, prato e sobremesa. Carapaus alimados saborosos, cura forte, mais sal que citrinos. Endívias assadas crocantes
e gulosas. Bulgur com couve-flor olvidável e curto para prato principal. Cachaço de porco cozinhado lentamente, correcto. Duas pessoas pagaram 45 euros, aceitável.
O mesmo não se poderá dizer do jantar. O tártaro de beterraba assada com iogurte fumado estava tão fumado que parecia que estava a comer chouriço transmontano. De resto, dos quatro pratos pedidos, dois vinham com crocante de sames: os pezinhos de porco de coentrada e o bacalhau confitado com batata rosti (mal feitinha). Repetir sames, a bexiga natatória do bacalhau, em dois pratos díspares revela ou uma paixão louca por sames ou falta de imaginação. O mesmo vale para uma bolacha de grande efeito cénico, que se repetiu na beterraba e também no cremoso de beringela com tomate seco. Acresce que um dos sames, supostamente frito e estaladiço, estava mole e borrachoso.
No final, a conta rondou os 75 euros para duas pessoas, o que é demasiado dinheiro para a fraca audácia deste Audaz.
É a terceira vez que faço crítica de um restaurante em que Manuel Lino foi chef. Comi a sua cozinha no Tabik e, depois, no Trio, este um projecto pessoal e gastronomicamente ambicioso. No final, tenho concluído mais
ou menos o mesmo. Há vontade de brincar com comida, há paixão por comida, mas falta consistência e rigor. Alguns erros são mesmo falta de atenção e de cuidado.
Saúde-se a noite de fado, às terças-feiras, a que não pude ir por a sala já estar esgotada.
De notar, ainda, que era objectivo, antes da pandemia, replicar o conceito do Audaz por Lisboa, segundo o grupo que detém o restaurante, o recém-formado Osande. E o que é o Osande? No site, pode ler-se este parágrafo muito empreendedor e autoconfiante: “Criada em 2019, somos uma SGPS (sociedade gestora de participações sociais) com investimentos em vários setores em Portugal. Contamos, para já, com um ramo de hotelaria e restauração – a Okosu – e outro dedicado a soluções business voltadas para o lifestyle – a Ossosi. Com uma abordagem holística ao mercado, somos, igualmente, um grupo incubador e acelerador de empresas, e não vamos ficar por aqui.”
Holisticamente falando, se calhar, deviam.
Rua do 4 de Infantaria, 3 A (Campo de Ourique). 21 134 9094. Seg-Dom 12.00-22.00. Preço médio: 20-35€.