Houve um tempo em que as Docas eram um local nocturno. Foi há mais de 20 anos. Todos os dias havia enchentes com rapaziada renegada do Bairro Alto e da 24 de Julho. Lentamente, contudo, a moda foi acabando e, em menos de nada, proliferaram restaurantes decrépitos e bares para pessoas de meia idade praticarem salsa e beijos na boca.
Nos últimos tempos, as coisas voltaram a mexer, porque o turismo ressuscitou tudo. A família Arié comprou o Grupo Doca de Santo, que detinha ali alguns armazéns (incluindo a Capricciosa e este Doca Peixe), José Avillez entrou no negócio e houve um pequeno buzz. Nada de especial, mas o suficiente para levar lá jornalistas e meter uns press releases em revistas.
Foi assim, aliás, que regressei lá. A agência de comunicação que trabalha para a Arié, dona do Grupo Doca de Santo (dono da Doca Peixe), enviou nas últimas semanas emails para as redacções dando conta de uma remodelação do espaço e da carta deste Doca Peixe.
Tinha feito uma visita há talvez um ano. Não achei magnífico, mas fiquei com a sensação de que com mais um bocadinho podia tornar-se numa boa opção à beira-rio. Regressei e a primeira impressão foi a de que tudo continuava parecido. O mesmo avançado sobre a marina, a mesma ilha de gelo à entrada com o peixe fresco, uma sala no primeiro andar onde ninguém se senta. As cadeiras, sim, claramente diferentes.
Também a carta estava longe de soar a novidade. O couvert continuava a ter umas bolinhas trigueiras torradas, muito gulosas; boas azeitonas galegas temperadas; e a clássica pasta de atum. Os pastéis de bacalhau também se mantêm quentinhos e estaladiços, como antigamente; e a salada de polvo fresca e equilibrada.
Onde é que a coisa mudou mesmo, para melhor? Vamos falar de ostras. As ostras fazem bem. Para além de conterem muito zinco, substância importante na produção de outra substância vital (porventura a mais vital de todas, no homem), as ostras fazem bem à cabeça. Ostras são felicidade. Uma ostra custar 2,50€ parece bastante se olharmos para a ostra como uma amêijoa jurássica e feiosa, mas o prazer que dá torna-a numa pechincha. Se comermos cinco ostras estamos a falar de 12,50€. Já comi mau lombo de porco por esse preço. Se comermos cinco ostras ao jantar mais um copo de vinho e uma salada ou uma sopa, ficamos completos, prontos para ir para a cama (trocar substâncias, eventualmente).
As ostras que comi na Doca Peixe, de um calibre pequeno-médio e “da Ria Formosa”, com os rebordos perfeitos, podiam ser servidas num Michelin. Estavam muito frescas, sem terem sido encharcadas de água e sal, como fazem em algumas cervejarias e marisqueiras. A acompanhar, gomos de limão apenas, mas nem lhes tocámos, tão gostoso era o seu suco e tão doce e refinada a sua carne. Isto e uma garrafa de Murganheira Super Reserva de 2014 chegaria para nos deixar com vontade de voltar. E ainda bem.
A partir daqui foi tudo a mais. Havia peixes de mar com preços upa upa ou então sem a frescura que se exige a uma doca de peixe. Já o arroz de lavagante vinha rotulado como sendo para “2 pax”, mas não satisfazia duas pessoas – e custava quase 50 euros. Estava fornecido q.b. de lavagante e camarões de bom tamanho; e aceitou-se o facto de o marisco não vir misturado no arroz, o que por vezes seca a carne delicada. Mas por baixo havia um arroz agulha (grrrr!!!!) puxado de tomate pelado e cebola grosseira – sem complexidade, sem molho, sem mar.
A minha suspeita é que o lavagante era desses comprados já descascados e cozidos, em vácuo. Devo dizer que era saboroso e estava cozinhado no ponto, tenha sido o chef a fazê-lo ou a fábrica; mas faltava o resto, sobretudo para uma versão arrozeira.
Nas sobremesas, há uma mousse e um crumble capazes de nos adoçar o final da refeição. E, no geral, o serviço foi atencioso e soube responder.
Não sei se é um renascimento. Mas considerem as ostras.
Doca Santo Amaro, Armazém 14. Seg-Dom 12.30-16.30/ 18.30-23.00. Preço: 35€-60€