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Experiências pós-confinamento: o Nunes Real Marisqueira é um poiso seguro

A cervejaria de Belém é um poiso seguro de bom marisco, mas o crítico da Time Out engasgou-se com um certo bago de arroz.

Alfredo Lacerda
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Alfredo Lacerda
Restaurante, Nunes Real Marisqueira, Gambas
©Arlindo CamachoRestaurante Nunes Real Marisqueira - Gambas
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Em cinco minutos passou-se do melhor do mundo para um desgosto muito grande.

O melhor do mundo foram as gambas brancas do Algarve. Por mais anos que viva, acho que não as esquecerei. Eram dessas de 10 centímetros, compridas, esguias, brancas.

Tenho a minha dose de desconfiança quando o marisco vem com apelido de sítio. Bruxas de Peniche, lagosta de Cascais, sapateira da Ericeira (cof, cof, cof ). O marisco selvagem é danado para se fixar. E rareia. Por isso, quando não há gamba no Algarve tem de se ir à Galiza. Não é nada má a gamba da Galiza. Mas não é do Algarve. Dizer “do Algarve” no menu quando é da Galiza é mentir. Mentir é feio.

Ora, esta gamba era de um paraíso qualquer, senão mesmo do Algarve. Tinha a casca rija, a cabeça um mimo para mascar (é lá que estão o pâncreas e outros órgãos cheios de sabor) e a carne levemente elástica. Não era aquele elástico firme e resistente, de polvo. Era um elástico que se rasgava mal o pré-molar lhe tocava, uma capinha flexível que só lá estava para segurar a humidade do miolo. Ainda consigo ver os sucos marinhos a soltarem-se, enchendo a boca, como num mergulho ao fim do dia na praia do Castelão.

Deve ter merecido uma vigilância de cientista na cozedura, um calor muito pouco, segundos certamente.

Depois, o sal. Pôr sal numa ternura destas deve ser um acto de amor. Às vezes, vejo pessoas a cobrirem de sal camarão da costa ou de Espinho. Ou pior: a tirarem-nos da montra, já cozidos, a lavarem-nos e, por fim, a atirarem-lhes com uma mãozada de cloreto de sódio. Quando lhes mordemos a cabeça, já não estamos no Castelão, mas numa salina da Vatel. O sal numa maravilha destas deve ser colocado pedrinha a pedrinha.

Resumindo esta poesia gastronómica de chacha: estavam do caraças as gambas do Algarve. Muito obrigado, grande prato, pode haver igual a isto noutras partes do planeta, em Espanha talvez, mas melhor não existe, sou gajo para voltar e pagar 20 euros por um pires deles.

Estava eu e o meu amigo ainda a trocar gemidos e a louvar o Nunes e o chef Costa, outorgando-lhes um Céu cheio de ninfas de largos seios, quando chega à mesa um tachinho do célebre arroz de garoupa com gambas. O empregado trouxe um trolley para o servir nos pratos e era como um camião a transportar um vasinho. Era mesmo um tachinho, mesmo para uma pessoa. E custava mais de duas notas de dez.

Lombinhos da garoupa fresquíssimos e lascados, nada de reaproveitamentos manhosos de há cinco dias. Gamba perfeita e boa, embora não do Algarve, naturalmente.

E depois o arroz. Oh, Deus, o arroz. Vaporizado.

Foi para isto que se inventou o “foda-se”. Vi-o ainda ele estava na colher do solícito empregado. Eram bagos perfeitinhos, redondinhos, brilhantes. Pareciam ter sido produzidos numa fábrica de moldes. “Arroz vaporizado. Foda-se”, pensei. Sou uma pessoa com uma cabeça relativamente aberta. Gosto de algumas imposturas culinárias, admito até um arroz agulha, muito excepcionalmente, em vez do carolino. Mas não me dêem arroz vaporizado. Arroz vaporizado não sabe a arroz, sabe a celofane. E não cumpre a sua função no tacho, que é ensopar-se de molho. Acabe-se com este flagelo. Legisle-se. Condene-se.

Uma pena. Até estava a ser bonito. Mesmo antes das gambas, houve uma boa casca de santola, boas tostas de pão de Mafra manteigosas, ostras frescas e carnudas (de Setúbal). Estava tudo muito bem. Não haverá muitas marisqueiras em Lisboa com produto tão bom e tão bem trabalhado. E também o pudim do Nunes é extraordinário, clássico e extraordinário. Só houve esta coisa do arroz e outra, também dolorosa: a conta. Foram mais de 50 euros por cabeça, num almoço relativamente frugal, sem lagosta nem percebes, nem outro marisco de luxo.

Bem sei que é preciso pagar ao senhor porteiro com o seu fato e gravata. Mas mesmo assim é demasiado.

Rua Bartolomeu Dias, 112 (Belém). 21 301 9899. Ter-Dom 12.00-00.00.

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