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Sentamo-nos num quiosque lisboeta no dia em que Paula Rego nos deixa e há uma frase sua a surgir mal a conversa começa: “Quando alguém compreende o nosso trabalho, então essa pessoa compreende-nos a nós.” Atiramo-la para a mesa. “O nosso trabalho incide muito nas questões que nos preocupam e nos animam, num olhar político sobre as coisas através de uma perspectiva queer e de dissidência e fala de quem somos e da posição que tentamos ter na vida”, começa Lila. "Mas talvez só quando tiver 80 anos e o nosso trabalho já tenha atingido expressão tal de temas e perspectivas é que possa pensar assim." João completa: "O nosso 'eu' é uma coisa mutável e a arte é estanque" – e se há coisa que não estão é parados. Lançado há uns dias e apresentado este sábado, 25 de Junho, na Praça - Hub Criativo do Beato, Ocupação ancora o sucesso de Fado Bicha, falando de uma urgência queer de viver um presente. “Quanto maior a necessidade mais bruta é a ocupação.”
Ocupação: ocupar-se, apoderar-se, invadir. Há desde o início do projecto uma resinificação empoderadora das palavras, como o Bicha que também está tatuado nos dedos de Lila. Que termos ainda faltam? "Os que sirvam para definir a nossa identidade que não sejam insultos", começa João. "Falta vocabulário emocional", diz Lila. "E isso denota uma tendência geral de relegar para um plano inferior as experiências emocionais e a sua importância na tomada de decisões, pessoais e macro." Essa falha, sente-a na pele, quando compõe as canções de Fado Bicha. "É mais difícil escrever de um lugar mais para dentro." É também por isso que Ocupação chega com um gangue que ajuda na tomada de posse, com nomes como Labaq, Trypas Corassão e Symone de lá Dragma e, na produção executiva, Luís Clara Gomes/Moullinex. Mas não só: “É importante quebrar as lógicas de mercado que nos deixam sempre de fora e trazer pessoas queer. Um acto político requer romper”, afirma João.
Ocupação é também lugar de renovação, um GPS que aponta para o amanhã enquanto nos relaciona com o ontem e que guia todas as faixas. "Lila Fadista" fala de uma bicha fadista em Lisboa há 100 anos. "Fogo na Casa" é uma narrativa poética sobre ser penetrada e o lugar dos corpos no tempo. "1997" relembra uma experiência gatilho, e tem tido um feedback comovente. "Às vezes é uma fantasia, mas isso cria, em pessoas que estão vivas agora e nos ouvem, uma espécie de apaziguamento", explica Lila. Além de uma ligação de comunidade muito potente. A união faz a força, o conceito nunca será datado. "E eu acho isso muito poderoso. Mas nós estamos vivas agora, não é?"
A apresentação do álbum conta com uma conversa aberta com o jornalista Pedro Miguel Santos e a poeta e dramaturga Inês Marto e actuação de vários temas. A entrada é livre.
Praça - Hub Criativo do Beato. Sáb a partir das 18.00. Grátis
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