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'Falha Minha': “Não estou em personagem, estou a ser eu, Ricardo Maria, a falar dos problemas do Ricardo Maria”

A Time Out falou com o humorista das Colmeias que vai apresentar o seu primeiro solo de stand-up a 2 de Dezembro, no Tivoli.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Ricardo Maria vai apresentar "Falha Minha" no Tivoli
Belmiro RibeiroRicardo Maria vai apresentar "Falha Minha" no Tivoli
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Apesar de estar prestes a estrear o seu primeiro solo de comédia, Falha Minha, em Lisboa, no Teatro Tivoli BBVA, a 2 de Dezembro – e de já ter uma segunda data agendada para 16 de Janeiro –, Ricardo Maria não esconde qual é o seu grande sonho. “A comédia é uma paixão desmedida, mas, se pudesse escolher, tinha sido jogador da NBA”, diz à Time Out o humorista de 1,95 metros, natural da aldeia das Colmeias, no município de Leiria, acrescentando que, recentemente, voltou a jogar a um nível federado nos Lobos da Malveira. “Cresci nos anos 90, lembro-me de ver como o Space Jam romantizava o jogo e isso apaixonou-me. Infelizmente, nunca tive a técnica, nem a aptidão física para vingar.”

Aos 29 anos, pode estar numa idade que complica o sucesso dentro de campo (ainda que o recordemos que Steve Nash foi MVP, pela primeira vez, com 31 anos). No entanto, mesmo sabendo que está a gozar (mais ou menos), podemos afirmar que o humorista de 29 anos se está a safar na área que acabou por escolher. 

Ricardo Maria é um dos membros do podcast Cubinho, a par dos humoristas Vítor Sá, António Azevedo Coutinho e de Gonçalo Nunes, vulgo “Bolinha”, criador da produtora Freakshow. Embora este projecto tenha sido marcado, inicialmente, por uma dívida (e por uma mordidela de um cão, como Ricardo descreveu, dolorosamente, no primeiro episódio), hoje é um dos mais queridos e populares podcasts de comédia em Portugal. Este ano inclusive, durante o mês de Março, foi adaptado para um espectáculo ao vivo com datas esgotadas em Lisboa e no Porto. 

A ligação do ex-apresentador do Curto Circuito ao humor é bastante profunda e já o influenciava – mesmo sem se aperceber – quando apenas sonhava com a bola laranja. “Todos gostamos de atenção. Como sou filho único e o meu pai não me dava muita atenção usei muito esta muleta”, confessa. Mas o pai não foi o único familiar a despertar-lhe o interesse pela comédia. “A minha mãe é uma das minhas maiores inspirações. Ela também gosta muito de atenção e tem uma grande capacidade para cativar as pessoas através da oralidade, a contar histórias. Ela tem timings e noções de comédia que sempre me impressionaram.”

Para quem acompanha o trabalho de Ricardo, isto fará sentido. Uma das principais imagens de marca do humorista são as histórias pessoais inusitadas que partilha sobre a sua vida e a sua aldeia. Recordamos, por exemplo, quando este contou um episódio em que a família o levou a um exorcista porque tinha medo de dormir sozinho. 

“Eu não percebo a quantidade de histórias que tu nunca contaste”, chegou a exclamar António Azevedo Coutinho, no podcast, admirado por ainda ficar surpreendido com o rol de histórias que desconhece do colega. Ricardo sossega-nos. Sim, ainda tem muito mais histórias para contar no seu solo. 

A primeira vez que o humorista contou uma piada em cima de um palco foi em 2017, em Coimbra, cidade onde vivia quando se encontrava a estudar Engenharia e Gestão Industrial. Apesar de não ser nada muito sério, a emoção de actuar perante uma multidão e o contacto com um dos seus grandes ídolos, João Moreira, um dos criadores da personagem Bruno Aleixo, que programava noites de comédia no Aqui Base Tango, onde Ricardo costumava actuar, foram alimentando o bichinho por esta arte. 

Ainda chegou a licenciar-se e a estagiar na área em que estudou, mas, cada vez mais, o seu foco estava na comédia. Quando a pandemia rebentou, percebeu que estava num mundo em mudança e com novas oportunidades. Aproveitou para produzir algum conteúdo – que agora considera “parolo” – para as redes sociais e foi aumentando a sua plataforma e seguidores. 

De forma inesperada, recebeu um convite para ser apresentador do Curto Circuito. Tudo mudaria depois desse dia. "Este programa fez-me perceber que era possível ter um ganha-pão fixo com a comédia. Podia sustentar o meu estilo de vida com esta carreira”, afirma. Ricardo atirou-se de cabeça e nunca mais olhou para trás. Depois de experiências a fazer sandes na Pans and Company e no mundo da engenharia, tinha finalmente descoberto o seu chamamento.

A compostagem do erro 

O nome Falha Minha é emprestado de um podcast que o comediante criou em 2020. Nesse espaço falava sobre as suas falhas e de confissões partilhadas pelos seus ouvintes. Em 2022, quando se começou a focar mais no Cubinho, abandonaria este projecto. No entanto, o charme do nome fazia demasiado sentido para continuar adormecido. “Gosto da ideia de estar a partilhar momentos que não são propriamente lisonjeiros e de estar a rentabilizá-los, como se fosse compostagem do erro”, diz entre risos. 

Uma das razões que levaram o humorista a demorar tanto a apresentar o seu primeiro espectáculo a solo foi sentir que ainda não tinha a experiência nem a confiança para avançar com esta missão tão ambiciosa. “Só quando comecei a actuar com mais frequência é que consegui aprimorar o meu texto e perceber o que é que o público achava piada em mim. Além disso, vais conseguindo conquistar o teu público e construir a tua personagem. Queria construir um espectáculo que fosse fiel a mim e coerente com aquilo que quero dizer. Há quem consiga fazer isto de uma forma natural, mas, para mim, foi um processo demorado. É como um músico que tem de experimentar diferentes estilos até encontrar a sua voz”, compara. 

Para alguém que construiu um reportório de piadas em torno de histórias pessoais e de uma extrema honestidade, ficámos surpreendidos com esta resposta. Então, em cima de palco, ele entra em “personagem”? Ricardo Maria explica que, apesar de continuar a ser o mesmo jovem das Colmeias, é inevitável que se amplifiquem certos aspectos. “Tento ser o mais fiel, mas é impossível ser completamente natural durante uma hora em palco. As minhas histórias surgem de uma base verdadeira, mas às vezes existe um certo exagero em alguns aspectos”, reconhece. 

Ainda assim, o humorista confessa que a sua postura pode surpreender várias pessoas. Se em Cubinho muitas vezes ele se apresenta mais submisso e é alvo de chacota dos seus colegas, em Falha Minha estará muito mais confiante. “Antes de subir para palco, lembro-me de alguns dos meus ídolos da NBA. Eles entram em campo a pensar que são os melhores do mundo e que são capazes de afundar em cima de qualquer jogador. Tento fazer o mesmo. Sei quais são as minhas limitações, mas, quando estou em palco, tenho de acreditar que sou o melhor e que sou a pessoa mais engraçada da sala”. 

A confiança passa também pela capacidade de enfrentar o “erro”. O humorista partilha que, após um espectáculo menos conseguido no Lisbon Comedy Club, regressou a casa de um amigo para chorar durante o resto da noite. Agora, depois de começar a fazer terapia e de ter mais maturidade, aceita melhor este seu lado. “Costumava ficar desesperado. Pensava que uma má actuação poderia significar o fim da minha carreira. Neste momento, gravo os meus espectáculos e analiso os momentos bons e maus e procuro melhorar e corrigir. Isso ajudou-me a melhorar”, descreve, traçando assim mais uma semelhança com os atletas que admira e que desenvolvem as suas capacidades depois de passar horas a ver gravações dos seus jogos.  

Um diamante em bruto 

Outro elemento que marca o humor de Ricardo Maria é a regionalidade. Um dos momentos mais cómicos de Cubinho foi a história do corvo Mantorras (que Ricardo, na altura, não sabia tratar-se de um “tributo” ao ex-ponta-de-lança angolano do Benfica). Esta ave vivia numa bomba de gasolina da aldeia de Chã, em Leiria, e foi preso por matar uma galinha. Parece surreal, mas uma notícia do Correio da Manhã ajuda a comprovar a veracidade da história do humorista. 

“Eu morei nas Colmeias, Aveiro, Coimbra, Torres Vedras, Leiria, passei uns tempos em Braga e, graças aos escuteiros, conheci muitas cidades de Portugal”, enumera. “Não me considero um nacionalista, mas amo a portugalidade”, admite. 

Ricardo confessa ser admirador do humor de Bruno Aleixo, focado nas peculiaridades das vivências da zona central de Portugal, mas também de artistas como David Bruno ou Chico da Tina, que abordam o dia-a-dia dos nortenhos nas suas canções. O seu humor também acompanha esta tradição. “Ter vivido em tantos sítios diferentes permitiu-me ter uma perspectiva diferente quando visito um local novo. Agora, estou muito mais atento ao que me rodeia e tento sempre recolher histórias. Gosto de pensar que consigo identificar pessoas talentosas e trazer para a minha vida histórias engraçadas”, explica. “Todas estas vivências deram-me muita matéria-prima para trabalhar”. 

O trabalho de Ricardo é desconstruir todos estes diamantes em bruto. É certo que vamos ouvir muitas destas histórias, a 2 de Dezembro, mas o comediante promete muito mais. “Vou apresentar uma canção, não resisti”, confessa, dando assim boas notícias a fãs que gostam dos momentos musicais do Cubinho, como Ricardo, o Goleador. “Adoro fazer comédia, mas gosto muito da sensação de estar a tocar em palco. Por isso, lá consegui inserir um elemento de forma natural e que não fosse forçado”. Ricardo Maria diz que isto pode ser apenas o princípio de algo mais ambicioso. “No futuro, gostava de fazer um espectáculo só musical. Até podia ser só uma data, mas queria fazer algo que fosse uma mistura de música e comédia”. 

Mas foquemo-nos, agora, no presente. Esquecendo a NBA e a música, estamos prontos para assistir ao espetáculo e confirmar a evolução do comediante que começou a fazer espetáculos com cinco membros na audiência (e um cão) ou em sítios onde o único lugar para sentar eram fardos de palha. Agora, os fãs podem sentar-se confortavelmente nas cadeiras do Tivoli e aprender com (ou, simplesmente, rirem-se de) os erros de Ricardo.  

Todos erramos, mas alguns sabem aproveitar melhor que os outros. 

Teatro Tivoli BBVA. 2 Dez (Seg) e 16 Jan (Qui). 21.00, 15€-20€

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