Notícias

Festival de Almada eleva João Mota a “monumento nacional”

O Festival de Almada, a decorrer de 4 a 18 de Julho, volta a apostar na programação internacional, com nomes como os de Peter Stein, Declan Donnellan e Ohad Naharin. Em 2023, só há duas estreias portuguesas.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
João Mota
Fotografia: Mariana Valle LimaJoão Mota, co-fundador e director de A Comuna
Publicidade

No ano em que assinala a sua 40.ª edição, o Festival Almada apresenta em cartaz 20 espectáculos de teatro, dança e novo circo (oito portugueses, 12 estrangeiros), que vão ser apresentados de 4 a 18 de Julho, em nove palcos distintos. Com um orçamento de mais de 600 mil euros, a programação inclui um Harold Pinter por Peter Stein, um Calderón de la Barca por Declan Donnellan e a companhia Batsheva a dançar Laurie Anderson com coreografia de Ohad Naharin. Já a personalidade homenageada este ano é João Mota. Director e co-fundador d’A Comuna – Teatro de Pesquisa desde 1972, o actor e encenador – que deu os primeiros passos aos 14 anos, ao lado da irmã Teresa Mota – conta com mais de 65 anos de carreira.

As honras do espectáculo de abertura ficam para a divertida Valha-nos Aristófanes! (4 Jul, Palco Grande da Escola D. António da Costa), criação da mais antiga companhia privada do teatro europeu, a catalã Els Joglars, que coloca em palco uma farsa cáustica sobre o cancelamento e a cultura, com um ex-professor de cultura clássica como protagonista. Também do país vizinho chegará Enciclopédia da Dor, tomo 1: Que Isto Não Saia Daqui, do autor e encenador galego Pablo Fidalgo (15-17 Jul, Fórum Romeu Correia). Para o encerramento, o Festival de Almada conta com Uma cerimónia, pelos belgas Le Raoul Collectif, que nos perguntam: “O que é que havemos de celebrar, neste mundo em que só a urgência importa?”. Antes disso, há, claro, ainda muito para ver.

Dos regressos às estreias

Além do regresso ao festival do alemão Peter Stein (com O Aniversário, de Harold Pinter), do inglês Declan Donnellan (com A vida é sonho, de Calderón de la Barca), da Schaubühne de Berlim (com uma criação assinada pelo suíço Milo Rau) e não só, esta edição também conta com várias estreias. Entre as internacionais, destaca-se desde logo a da Batsheva Dance Company, com uma peça do seu coreógrafo residente, o israelita Ohad Naharin, inspirada no álbum Landfall, que Laurie Anderson gravou com o Kronos Quartet (Centro Cultural de Belém: 13-14 Jul, Qui 21.00, Sex 18.30/ 21.00). O colectivo francês Galactik Ensemble (Palco Grande da Escola D. António da Costa: 14 Jul, Sex 22.00) e os coreógrafos Martin Zimmermann (Teatro Municipal Joaquim Benite: 9-10 Jul, Dom 21.30, Seg 19.00) e Yoann Bourgeois (TMJB: 13-14 Jul, Qui 21.30, Sex 19.00), da Suíça e de França, respectivamente, também vão estar presentes em Almada pela primeira vez, com apresentações que cruzam o novo-circo com a dança, a música e até a filosofia.

Festival de Almada
© Teatro Menotti (Itália)O Aniversário, de Harold Pinter, com encenação de Peter Stein

É ainda de referir que, a 7 de Julho, às 21.30, o Incrível Almadense é palco de Jogging, por Hanane Hajj Ali, que aborda a condição feminina no seu país, o Líbano. Trata-se da primeira peça libanesa acolhida pelo festival. Jogging teve a sua estreia no Festival de Teatro de Avignon e foi criada a partir da figura de Medeia. Digna de nota é também a criação do franco-argelino Abdelwaheb Sefsaf, que nos conta, em Ulisses de Taourirt, a história do seu pai, que emigrou para França aos 16 anos. A apresentação está marcada para 16 de Julho, às 22.00, no Palco Grande da Escola D. António da Costa.

Criação contemporânea portuguesa

Por outro lado, olhando para as criações portuguesas, que se focam na dramaturgia nacional contemporânea, temos apenas duas estreias: a Companhia de Teatro de Almada apresenta Calvário, com texto e encenação de Rodrigo Francisco (Teatro Municipal Joaquim Benite: 5, 7, 11 e 15 Jul, 21.30/ 8 e 16 Jul, 19.00); e o Teatro Griot, em co-produção com os Artistas Unidos, leva à cena uma adaptação de Ventos do Apocalipse, de Noé João, a partir do romance da moçambicana Paulina Chiziane (Cine-Teatro da Academia Almadense: 7-9 Jul, Sex 21.30, Sáb-Dom 15.00).

Estão ainda previstas apresentações de textos originais de Pedro Mexia (Suécia, com encenação de Nuno Cardoso, do Teatro Nacional São João), no Teatro Municipal Joaquim Benite (5-6 Jul, Qua 21.30, Qui 19.00); de Joana Craveiro (Aquilo Que Ouvíamos, com encenação da própria directora do Teatro do Vestido), no Palco Grande da Escola D. António da Costa (6 Jul, Qui 22.00); da dupla Miguel Fragata/ Inês Barahona (Montanha-russa, com música ao vivo dos Clã), no Palco Grande da Escola D. António da Costa (10 Jul, Seg 22.00); e Afonso Cruz (A Equipa, interpretada a solo pelo actor Rui M. Silva), no Incrível Almadense (15-17 Jul, Sáb 17.00/ 21.30, Dom 16.00 e Seg 21.30).

Um espectáculo e uma personalidade de honra

Quanto ao espectáculo de honra, no ano passado, no último dia do festival, o público votou na sua criação favorita, para que regressasse em 2023, e foi escolhida a peça Eu sou a minha própria mulher, de Doug Wright, na encenação que Carlos Avilez dirigiu para o Teatro Experimental de Cascais. A interpretação de Marco D’Almeida neste espectáculo valeu-lhe, ainda em 2022, uma nomeação para o Globo de Ouro na categoria de Melhor Actor. Poderá revê-lo (ou ver pela primeira vez) a 7, 9 ou 11 de Julho, no Fórum Romeu Correia (Ter e Sex 21.30, Dom 18.00). Pelo meio, a 8 de Julho, no Palco Grande da Escola D. António da Costa, poderá ver Não Andes Nua Pela Casa, de Georges Feydeau, com encenação de João Mota, a personalidade do mundo teatral homenageada este ano pelo Festival de Almada.

João Mota
© Pedro SoaresEnsaio de Não Andes Nua Pela Casa, de Georges Feydeau, com encenação de João Mota

“O João Mota que todos conhecemos é um monumento nacional! Rebelde, humilde, inflamado ou violento, o Joãozinho da Dona Amélia Rey-Colaço (e meu) marca, como ninguém, o teatro português seu contemporâneo. E porquê?, perguntarão os desconhecidos. Por várias ordens de razões: pela sua personalidade compassiva e comunitária – ele, um lobo solitário! –, pela sua capacidade de entrega e dedicação – a pessoas e a causas – e pelo seu amor desmedido pelo Teatro da Palavra e do Jogo, que ele sempre acreditou que pode mudar a Vida, ainda que “não faça revoluções”, escreve a professora e investigadora Eugénia Vasques numa nota que integra o programa do festival de Almada.

Pedagogo, professor na Escola Superior de Teatro e Cinema durante três décadas – a cujo Conselho Directivo chegou a presidir –, e director artístico do Teatro Nacional D. Maria II entre 2011 e 2015, João Mota estreou-se como actor nos programas da Emissora Nacional, ingressando em 1957 no Teatro Nacional D. Maria II, onde permaneceu durante dez anos. Tendo sido membro do Centre International de Recherches Théâtrales, de Peter Brook, fundou A Comuna – Teatro de Pesquisa, que fez 50 anos em 2022 e do qual ainda é director. Como actor e como encenador, apresentou-se em mais de 20 países e foi agraciado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, a Medalha de Mérito Municipal – Grau de Ouro e a Medalha de Mérito do Ministério da Cultura. O ano passado, a propósito da encenação de Hugo Franco de A Casa de Bernarda Alba, João Mota – que não desempenhava mais do que pequenos papéis ou contribuições em palco desde 2002 – voltou a um trabalho de fundo como actor, para interpretar a protagonista, Bernarda Alba.

À margem, exposições para descansar o olhar

O arquitecto e cenógrafo José Manuel Castanheira é o autor de uma exposição documental sobre a relação do Festival (que celebra a sua 40.ª edição) com a cidade de Almada (que festeja o seu cinquentenário). “A grande festa das ideias” será inaugurada a 4 de Julho, na Sala Polivalente da Escola D. António da Costa. No mesmo local, também estará patente uma instalação de José Manuel Castanheira dedicada a João Mota, “A escola do círculo repetido sem fim”. Já o artista plástico Noé Sendas, autor do cartaz desta edição, apresenta uma exposição bipartida entre a Galeria do TMJB — “Vol. I: Staged bodies” — e o Salão das Carochas — “Vol. II: Mar vertical”.

Almada (vários espaços) e Lisboa (Centro Cultural de Belém). 4-18 Jul, vários horários. Vários preços

+ Marco Martins e as mulheres que a imigração tornou invisíveis

+ Edição especial Time Out Madeira: o guia da ilha bonita está nas bancas

Últimas notícias

    Publicidade