[title]
O projecto para a primeira habitação cooperativa do mandato de Carlos Moedas, no Lumiar, está pronto a avançar. Apresentado a 6 de Fevereiro aos vereadores, será discutido em reunião de Câmara uma semana depois, marcando o arranque deste modelo em desuso desde os anos 90, como uma resposta à crise da habitação. Outros quatro projectos do género, em que a autarquia cede terrenos para construção por parte das cooperativas, estão previstos para Arroios, Benfica e São Vicente. "É difícil de perceber" por que há tantos terrenos públicos inutilizados por toda a cidade, contextualiza a vereadora da Habitação, Filipa Roseta. Em entrevista à Time Out, faz um balanço das operações em curso, destacando o apoio às rendas como uma solução para a classe média. Em conjunto com a construção de casas de renda acessível, este é "o maior investimento desde os anos 90 em habitação", sublinha a vereadora.
As cooperativas são consideradas prioritárias pela Câmara, mas, até ao momento, apenas se conhecem cinco projectos, com até 20 fogos cada. Dada esta pequena escala, porque falam em “prioridade”?
Esses são os que estão a sair. O que queremos lançar de cooperativas são terrenos com projectos aprovados, portanto, este é o tempo de fazer os projectos. Estes cinco são os que já estão a andar, mas na Carta Municipal de Habitação [que define as políticas públicas de habitação até 2033] temos identificadas 500 habitações em terrenos municipais para este efeito. É esta a escala. E é prioritário porque desde os anos 90 que não se tem feito nada neste sentido. Agora, os modelos que existem são do século passado e nós estamos a tentar, aos olhos e à legislação de hoje, que eles saiam do chão.
Que dificuldades encontraram?
As próprias cooperativas acabavam por perder muito tempo e por vezes [os projectos] até desapareciam no urbanismo. Estas primeiras [no Lumiar, em Arroios, Benfica e São Vicente] vão já com os projectos aprovados. A que queremos levar agora a reunião de Câmara [Rua António do Couto, Lumiar] já tem o projecto aprovado. Esperamos que as próximas sejam mais rápidas.
A Câmara mapeou o património municipal vazio e identificou 9000 potencialidades de habitação, 7000 das quais são terrenos para construir. A ideia é alargar as cooperativas a esses terrenos?
A nossa primeira prioridade de sempre é pôr a propriedade pública ao serviço das pessoas. Não faz sentido que a Câmara tenha propriedade que não esteja a ser usada. Temos de fazer projectos e temos de construir. As cooperativas são um lado. Depois, temos 800 milhões em investimento público para habitação, previsto até 2028. É um valor enorme, que não se compara aos do século passado, para fazer habitação pública com rendas controladas. Temos, ainda, o apoio à renda, para permitir às famílias manterem-se nas casas onde estão. Com estes três eixos, vamos chegar a muito mais famílias do que se conseguia chegar antigamente. Já contámos cerca de 1000 apoios à renda e 1600 casas entregues, de construção municipal [estão actualmente em obra 1015 habitações, 747 em construção e 268 em reabilitação, informou posteriormente à entrevista o gabinete da vereadora].
Quando pensamos em cooperativas, não faz sentido reabilitar, só construir?
Faz. Mas o que fizemos foi: o que era muito rápido reabilitar, reabilitamos e já está cá fora, no mercado. Dos tais 9000, 2000 eram para reabilitação e já reabilitámos 1000. Eram casas vazias da Gebalis, espalhadas por aí… Estamos a reabilitar o património disperso e a colocar no mercado das rendas controladas, com uma mediana de 307 euros. Agora, a Câmara tem uma série de pequeninos lotes onde é muito difícil para nós construir. Mas são terrenos esquecidos há décadas. E isto parece-nos interessante porque é bom para as cooperativas mas também para as câmaras. Por outro lado, a escala pequena, de 20 fogos, é boa para as cooperativas se organizarem. Uma dimensão maior faria com que se perdesse o laço comunitário.
Porque está também em jogo uma nova forma de viver. Não se trata apenas de construir habitação.
Não é bem novo, foi é esquecido. Houve um hiato de três décadas. Mas todo o bairro de Telheiras foi construído desta forma, com um direito de superfície cedido às famílias. 13 mil casas foram feitas em Lisboa com este modelo de cooperativa.
Mas as propostas de desenho são novas. Incluem espaços comunitários, áreas sociais... É outro conceito.
Sim, isso é novo. Todos os edifícios têm uma loja e o que dizemos às pessoas é para criarem um espaço social que dinamize aquele rés-do-chão, seja um supermercado ecológico ou um jardim de infância, o que for, promovendo a relação com a rua. Queremos que as pessoas falem entre si. Depois, por que quisemos estes projectos já feitos da parte da SRU [Sociedade de Reabilitação Urbana]? Porque vimos que as cooperativas estavam a perder a capacidade de levar os projectos até ao fim. Eram tantos anos que acabavam por desaparecer. Portanto, quisemos eliminar esse risco, assumir esse custo e a acelerar o processo. Há várias cooperativas que já vieram dizer que queriam fazer os projectos e eu já lhes respondi que, se estas primeiras funcionarem, mais para a frente vamos lançar umas em que as próprias cooperativas podem fazer isso. Estes cinco primeiros vão estar prontos a construir dentro de meses.
E os projectos sociais das cooperativas sujeitam-se à aprovação da Câmara?
Não. A cooperativa é que, para ser elegível, tem de ter um projecto social [também é necessário cumprir os mesmos requisitos que os da renda acessível, ou seja, não ultrapassar o rendimento líquido máximo de 30 mil euros ou de 40 mil euros no caso dos agregados de duas pessoas, sendo que acrescem 5000 euros por filho. Além disso, os membros da cooperativa vêem o seu perfil avaliado pela banca, para a concessão de crédito, já que é a cooperativa a custear a construção do edifício]. A Câmara fica proprietária da loja mas cede o seu uso à cooperativa.
A Câmara é proprietária da loja e, na verdade, do resto do edifício. Apenas cede o direito de superfície a 90 anos…
Sim. É o conceito de uma casa para a vida.
Mas que não assegura a vida de possíveis descendentes. O que é suposto acontecer ao fim desses 90 anos?
O conceito dos 90 anos é o máximo que podemos fazer por lei. Mas uma coisa interessante que podemos ver em Telheiras é que [as cooperativas] estão agora a chegar aos 40 anos do direito de superfície, de um total de 80. Já disse aos moradores que [o futuro] depende de quem estiver no executivo. No nosso caso, se nos aparecerem cá os moradores de Telheiras, organizados, a pedir para esticar o direito de superfície, estaríamos disponíveis para fazê-lo.
Será em Marvila o primeiro projecto desenhado de raiz por uma cooperativa, certo?
Sim, porque o loteamento está já aprovado, é só por isso.
Quanto ao modelo de financiamento, foi recentemente a Bruxelas pedir que a construção de habitação cooperativa seja financiada com créditos de longo prazo e taxas de juro acessíveis…
Temos falado com vários bancos para tentar perceber o que é possível. Estamos a falar de casas à volta de 150 mil euros para um T1, 220 mil para um T2 e 290 mil para um T3, portanto, mais ou menos metade dos valores do mercado. Estes valores dariam para as famílias pedirem empréstimos. Agora, isto é um formato com que os bancos não estão tão familiarizados, portanto, estamos a trabalhar nisso. A luta que tentámos em Bruxelas é a ideia de que, para este tipo de projectos, devia haver um apoio específico do BEI [Banco Europeu de Investimento], para tentar manter as taxas de juro mais baixas e fixas. Mas parece-nos, pelo que estamos a ver, que isto também dá para os bancos comerciais, porque o empréstimo que a pessoa está a pedir é para um direito de superfície a 90 anos.
Quando fala de um T2 a 220 mil euros, poderá ser metade do valor de uma construção nova, mas não do preço médio do mercado em Lisboa. Portanto, está-se a nivelar por cima.
Estamos a falar de T2 com estacionamento, sim. E nós pensámos nisso, que se tirássemos o estacionamento era mais barato. Mas estamos a pensar nestas casas para famílias e parece-nos que estar a tirar estacionamento numa zona [Lumiar] que não tem estacionamento não seria a solução mais eficiente. Mas há outras que não vão ter estacionamento. Em cada uma das cooperativas há coisas diferentes, para sermos inclusivos.
Mas, com estes valores, não se está a deixar uma grande franja da sociedade de fora?
Aí, volto a dizer que há outros programas. São 800 milhões em construção pública. As cooperativas são muito para aquela franja que está a trabalhar há dez anos, tem alguma poupança e não consegue entrar no mercado da habitação. Os outros têm outros programas e têm-nos hoje. Ainda hoje fechou um sorteio [o número 21] de 59 casas [que recebeu 6032 candidaturas] de renda acessível. De dois em dois meses, vão dezenas de casas a sorteio, e vamos fazer o maior investimento desde os anos 90 em habitação. E ainda há o apoio à renda, que é universal, para todas as famílias [é dado se o valor da renda ultrapassar um terço dos rendimentos do agregado, com a autarquia a assumir a diferença]. Neste momento, estamos a apoiar mais de 1000 famílias, numa mediana de 200 euros por cada uma. Isto significa que cada casa em Lisboa pode ser uma casa de renda acessível.
O prazo estipulado pelo PRR é apertado para a construção pública de habitação. Este programa das cooperativas será, então, para continuar além de 2026...
Enquanto aqui estiver, sim. Estes [500] pequenos terrenos estão há dezenas de anos aqui, são para habitação e não têm uso. É muito difícil de perceber. Portanto, enquanto existirem famílias para isto, nós não vamos parar. A dúvida é se há e é isso que queremos ver com estes primeiros projectos. Mas gostaria que isto fosse uma mudança estrutural.
Em termos de habitação para renda acessível, o que está agora em projecto e em execução? Qual é o balanço?
Temos mais ou menos 100 milhões de euros em obra, seja para arrendamento acessível ou apoiado. Genericamente, é metade-metade. E depois são 200 milhões de euros em candidaturas ao IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana], para eles aprovarem e conseguirmos dar os passos sequenciais. A partir de 2025, acredito que começará a sair uma maior quantidade de edifícios. Mas nunca vai chegar [para todos] e vamos ter de ter sempre o apoio à renda, no nosso pensamento. Mesmo que se lancem os 3000 edifícios novos, além dos reabilitados, já sabemos que vai ficar gente de fora.
100 milhões representam quantas casas?
Devemos estar perto dos 1000 fogos [são 1015].
Sente que estão a fazer o desejável ou o possível quanto à habitação?
Estamos a fazer o impossível, tudo e mais alguma coisa. Dêem-nos mais ideias e hipóteses que nós fazemos também. Estamos a puxar o limite da Câmara ao máximo para produzir habitação em todo o lado, mas ainda sobra e por isso é que temos de ir buscar outros que nos ajudem a construir. Se conseguíssemos fazer tudo, era óptimo, mas a Câmara está a produzir muito mais do que produziu nas últimas duas décadas. É ofensivo termos potencial habitacional vazio, portanto, temos de ir buscar todos os que nos puderem ajudar.
E o património vazio que não pertence à Câmara, como o edificado da Santa Casa da Misericórdia, um dos maiores proprietários da cidade? Têm tentado negociar com eles?
Temos andado a fazer essas negociações com organizações sem fins lucrativos. Ainda não temos grande resposta para dar, mas vamos continuar a fazer essa ponte. Temos de tentar tudo. Esta coisa de empurrar as pessoas para fora do mercado está a subir cada vez mais e, portanto, temos de ter programas para todos os níveis. Não vamos chegar a todo o lado, mas temos de garantir que a cidade fica inclusiva.
Chegou a dizer que o maior investimento em habitação seria nos bairros mais carenciados…
Dos 800 milhões, cerca de 117 milhões são para reabilitar os bairros, retirar amianto das coberturas, reabilitar fachadas... Depois há construção nova nos bairros da Boavista [Benfica] e Padre Cruz [Carnide], onde ainda há pessoas a viver em casas com amianto e, portanto, queremos acabar com isso até 2026.
As juntas de freguesia também têm a hipótese de construir habitação para arrendamento acessível. Que papel podem ter aqui?
Estão livres para fazê-lo. Nós mudámos a nossa estratégia em 2023 para permitir que as juntas também pudessem participar neste esforço. Benfica mostrou esse interesse…
Mas foi a única…
Foi a única, até agora.
Estamos muito longe de pensar em soluções intermunicipais para a habitação, já que a escalada de preços não é só um problema de Lisboa?
Podemos começar a trabalhar noutros programas quando esta prioridade estiver resolvida. Na Carta Municipal da Habitação, uma das medidas é termos os vereadores da Habitação dos diferentes concelhos da área metropolitana em conselhos consultivos, para se poderem tomar algumas decisões relacionadas com transportes e habitação, a questão dos migrantes… Mas para já estamos no programa municipal.
Quanto às parcerias público-privadas para a construção de habitação acessível, mudou o ónus sobre o rendimento das famílias para passar a incidir sobre o valor de mercado. Vai manter essa posição, perante o desacordo dos restantes vereadores?
Não são parcerias público-privadas, formalmente. Estamos a falar da venda do direito de superfície a alguém que iria construir. Um pouco como o conceito das cooperativas, mas numa escala maior. Isso está em cima da mesa e eu já disse, desde sempre, que queria uma proposta que fosse consensual. Mas continuo a querer construir.
Mesmo que sejam casas de valores 20% abaixo dos do mercado?
Se não houver capacidade para as famílias pagarem, aí entramos com o apoio à renda, para fazer face à diferença. Acho que isto é mais uma coisa mediática do que outra coisa. O que dissemos foi que íamos “dar” o terreno a quem desse menos [um valor mais baixo para construir], sempre abaixo dos 20% do mercado.
Não há um limite para o apoio à renda?
Eu não tenho de dar o máximo do apoio à renda a todas as famílias. Depende dos rendimentos. Mas como estamos agora é que nem sequer posso perguntar aos promotores. O que sabemos é que se dermos um terreno aos promotores com as rendas medianas de 307 euros, eles não vão fazer. Eles não vão pagar para fazer isto, não é? Não vale a pena insistir numa opção que não funciona desde 2016. Eu só quero que funcione. Estamos a falar de investimentos brutais, acima dos 25 milhões de euros para Benfica e Parque das Nações. São valores que a Câmara não tem. Se eu tiver um promotor que me garanta os 25 milhões agora e depois eu apoio as famílias na diferença entre aquilo que elas podem pagar e a renda, qual é o drama, sinceramente? Se eles [oposição] vêem um drama, então, temos de encontrar outra solução.
Mas há um limite orçamental, da Câmara, para o apoio à renda?
O nosso presidente afirma que, enquanto puder, vai continuar a esticar o apoio à renda a quem precisar. Até à data, não pôs limite nenhum. Quando abrimos um concurso, não sabemos quantos se candidatam e, até à data, temos apoiado todos. É este o nosso objectivo, até porque o apoio à renda representa um peso muito menor no orçamento da Câmara do que construir um edifício. Mas estou sempre disponível, repito, para criar consensos, para encontrar soluções. Não estou aqui para fazer casas de papel, estou aqui para construir.
+ “Parabéns!” Novo projecto para o Martim Moniz recolhe unanimidade
+ Será desta? Já saíram os resultados do programa de renda acessível