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A 2 de Março de 1996, um avião que transportava os cinco elementos dos Mamonas Assassinas despenhou-se na Serra da Cantareira, a norte da cidade de São Paulo, matando todos os que seguiam a bordo. O trágico acidente não só chocou o Brasil, como também os fãs que a banda, em poucos meses, conquistou em Portugal, país que planeavam visitar nesse mesmo mês para várias rondas de entrevistas. Décadas depois, Mamonas Assassinas: O Filme recorda a ascensão meteórica do grupo que juntou o humor ao rock, uma história agridoce que chega às salas portuguesas a 20 de Junho, após ter estreado no Brasil em Dezembro do ano passado. A 22 de Junho, a banda Mamonas Assassinas – O Legado, composta pelos actores e músicos que interpretam os membros da banda no filme, sobe ao Digital Stage do Rock in Rio, uma homenagem que sai das telas para o mundo real, para relembrar a irreverência, excentricidade e sentido de humor dos cinco rapazes que lançaram um único álbum de estúdio, composto por temas como "Vira-Vira", "Pelados em Santos" ou "Chopis Centis", cujas letras ainda estão na ponta da língua de todos os que se cruzaram com o fenómeno.
Os Mamonas Assassinas, que tentaram primeiro levar o rock a sério com a banda Utopia, eram compostos pelo guitarrista Bento Hinoto (interpretado no filme pelo sobrinho Beto Hinito); pelo baixista Samuel Reoli (Adriano Tunes) e o irmão e baterista Sérgio Reoli (Rhener Freitas); por Júlio Rasec nas teclas (Robson Lima) e por Dinho, o vocalista e alma do negócio, interpretado por Ruy Brissac. Actor e cantor que integrou O Musical Mamonas, espectáculo que esteve em digressão no Brasil entre 2016 e 2018. Estivemos à conversa com Brissac por videochamada, um artista multifacetado que aos 35 anos ainda convence no papel de Dinho, que morreu com apenas 25 anos.
Eras muito novo quando os Mamonas Assassinas atingiram o seu sucesso. Que memórias tens desse tempo?
Eu tinha tinha seis anos na época e não tinha como não me apaixonar pelos Mamonas. Foi um movimento, com uma energia muito grande de irreverência, alegria e inspiração. Eu me lembro muito dos Mamonas nos programas de televisão, das músicas icónicas, de brincar com os meus amiguinhos, de poder cantar alegremente às vezes uma palavra que eu achava meio proibidinha... Lembro muito dos figurinos também, que eram muito marcantes, porque eu amava super-heróis e eles eram super-heróis para mim. Eu lembro que todo mundo era muito apaixonado, foi um movimento muito forte e muito intenso.
Muitos anos depois, acabas por fazer parte desta história, primeiro com O Musical Mamonas, que teve muito sucesso no Brasil. Como é que te escolhem para o papel de Dinho, nesta primeira vez?
Aquela criança jamais iria imaginar fazer parte desta história e é uma honra para mim fazer parte. Eu fiz uma audição para o musical, eram mais de 1500 pessoas [...] Eu lembro de subir para a sala de audição e eram um total de dez jurados, mais ou menos, te avaliando ali. E quando eu saí da sala, eu vi muita gente parecida comigo, era meio que um multiverso ali, todo mundo muito parecido. Eu não imaginava que tinha tanta gente parecida no mundo! Foi uma loucura. Graças a Deus peguei esse papel, então eu o abracei com unhas e dentes, porque foi o papel da minha vida.
E esteve em cena dois anos, ainda rodou bastante no Brasil esse espectáculo.
Isso, rodou em torno de dois anos. O teatro musical aqui no Brasil geralmente fica em torno de três, quatro meses em cartaz. Foi um sucesso.
E, anos mais tarde, passas para o elenco deste filme. Tu e também o Adriano Tunes, mas noutro papel. Porque voltam a apostar em ti? As pessoas já te associavam ao Dinho, no Brasil, teve peso esse factor?
Ah, sim, isso com certeza, tem um pezinho ali. Durante o musical eu tinha recebido o convite de fazer um teste para televisão [inicialmente seria uma série], para ver como seria nas câmeras. E em 2017/2018 eu passei nesse teste. É muito raro isso, de você interpretar o mesmo personagem de várias formas. O projecto foi acontecendo aos poucos, só que o tempo foi passando e eu pensei: “Ah, estou ficando mais velho, e agora, como vai ser? Será que eu vou continuar no papel?”. Mas aí, graças a Deus, deu tudo certo, eles até falaram: “Meu, você não muda. O que acontece que você não muda?”. E eu falei: “Ah, que bom, é o destino mesmo, né? Era para fazer esse personagem”. Os anos foram-se passando e em 2023 a gente começou a gravar o filme, que também vai virar série. Talvez no final desse ano, ou começo do ano que vem, vai para a Record aqui no Brasil.
Vão gravar cenas novas ou já as gravaram?
Já gravamos todas. Tem cenas que não foram para o filme e que são exclusivas da série. As pessoas só vão conseguir ver essas cenas na série.
Replicas muito bem os maneirismos e a forma do Dinho cantar. É difícil descolar um bocado desse personagem quando queres voltar ao Ruy?
É difícil, até porque a gente é um pouco parecido. Não apenas fisicamente, mas também na forma de agir. Eu me identifiquei muito com o Dinho, é muito doido. Às vezes eu estou com os meus amigos e estou meio Dinho. Ainda mais para o cinema, porque é um estudo muito intenso, você realmente mergulha no personagem e vive aquele personagem. Como a gente teve pouco tempo de preparação, eu tive que mergulhar, realmente, naquele período. Eu comia como o personagem, eu andava como o personagem, eu falava para as pessoas me chamarem como o personagem. Foi bem intenso e é um pouco difícil de separar. Mas sempre dá um jeitinho. Como tenho a minha carreira autoral como cantor e compositor, então acabo tendo esse lado de Ruy. Mas a gente é muito parecido na forma de acreditar no sonho, na forma de batalhar, na forma como a minha carreira vem crescendo. Foi muito parecido também com a carreira do Dinho.
Como és cantor, no filme acabas por interpretar vários temas como Dinho. Mas como aconteceu esta decisão de ser mesmo a tua voz a dar esse corpo às canções?
Foi aos poucos. Na verdade, a gente não tinha certeza. Eu não sabia se ia ser a minha voz ou se ia ser a do Dinho, acho que nem a produção sabia. Foi algo que foi conquistado durante as gravações, porque todas as cenas de show que aconteciam, eu cantava ali ao vivo. E as pessoas falavam: “Vai ser a voz dele”. É uma honra ter a minha voz ali no filme, nessa obra. É maravilhoso demais. E são músicas difíceis, porque em cada música o Dinho cantava de um jeito, com uma colocação vocal de um jeito, interpretando um personagem diferente em cada canção. Foi um grande desafio para mim. E fiquei extremamente feliz e honrado de poder dar voz a essas músicas.
E também deste voz a um tema que ninguém conhecia. Em 2018, lançaste o “Vai Aê”. Uma composição perdida que a família encontrou. É verdade que ajudaste a completar a letra?
Sim. O Dinho era apaixonado por futebol. Então, o primo do Dinho me mostrou esses rascunhos. Então, como eu sempre mostro nas minhas músicas a liberdade, o acreditar no sonho, o acreditar em você, eu me identifiquei muito com essa letra e trouxe para o meu universo. De uns trechos, eu acabei compondo o resto da música. É uma composição minha e do Dinho, que foi muito especial. É uma música que mostra essa parte da superação e o futebol tem isso. É um esporte muito de superação, de batalha.
O filme vai estrear em Portugal a 20 de Junho. E vocês vão dar um concerto no dia 22, aqui no Rock in Rio. Portugal nunca recebeu os Mamonas Assassinas, portanto, isto é o mais próximo que vamos conseguir ver. O que é que podemos esperar deste concerto? Que temas têm preparados? Têm roupa especial planeada para este momento?
Vai ser uma honra. Eu ainda não estou a acreditar que vou a um festival como o Rock in Rio, o sonho da minha vida. Os Mamonas estão-me colocando em lugares que eu jamais iria imaginar, são realmente os meus padrinhos artísticos. E o show está incrível, a gente preparou um show muito especial, com todas as músicas dos Mamonas e todos os figurinos icónicos. Tem trocas de roupa durante o show, é um show muito alegre, vai ser muito especial mesmo, a gente preparou tudo com muito carinho. E eu espero que vocês gostem.
Como é que o Brasil tem sido recebido este legado ao vivo?
Ah, é incrível. Eles permanecem muito vivos no coração do brasileiro. As pessoas tratam a gente com muito carinho, muito respeito. Agradecem por trazer essa energia, por resgatar aquela nostalgia, porque Mamonas trouxe aquela alegria muito grande e também uma tristeza muito grande. Quando a gente está fazendo show, as pessoas dão risada e se emocionam ao mesmo tempo. Eu olho para as pessoas, elas estão rindo e do outro lado estão chorando e depois estão rindo de novo, é uma mistura de sentimentos. Aqui o carinho está sendo imenso. A gente ficou até preocupado por ser uma outra era, as letras seriam um pouquinho mais ácida e tal, e de ter aquele preconceito. Ou ter aqueles haters que picam em cima. Mas o amor e a alegria dos Mamonas mais uma vez sobressaiu. E o mais legal de tudo é que a gente está trazendo uma galera mais nova: as crianças e os adolescentes estão conhecendo o Mamonas através da gente, o nosso maior público hoje em dia são as crianças e os adolescentes. E isso é uma honra para a gente.
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