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Flores, caveiras e cores: há arte urbana dentro do Panteão

Criados pelo artista espanhol Aryz, os dois painéis quebram a frieza monumental da Igreja de Santa Engrácia. 'Vanitas' fala de vida e morte e dialoga o género pictórico dos séculos XVI e XVII.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Vanitas, Aryz, Panteão Nacional
© Francisco Romão Pereira
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É a prova de que até o mais imperturbável dos cenários pode experienciar o maior dos sobressaltos – de cor, escala ou expressão artística. É mais ou menos essa a sensação de entrar no Panteão Nacional por estes dias, onde o interior frio, monumental e monocromático é retemperado por dois painéis de alumínio, com oito metros de altura, criados pelo artista espanhol Aryz – e eles próprios possíveis empenas de edifícios.

Aqui, compõem Vanitas, uma instalação feita a pensar neste lugar e no que ele representa. E se a morte é omnipresente, porque não abrir espaço a novas e diferentes representações? No caso, foi a arte urbana a entrar dentro do Panteão. "Trabalhei esqueletos durante muitos anos, mas já há algum tempo que não lhes pegava. Ultimamente, tenho mantido sempre estes diálogos com períodos da pintura. Pego num quadro do Velázquez ou de Van Dyck e pinto a partir de pequenas referências. Aqui, isso não acontece com um quadro, mas sim com um género – vanitas, um formato de quadro que toda a gente já viu nos museus", começa por explicar Aryz, autor da instalação, à Time Out.

Vanitas, Aryz, Panteão Nacional
© Francisco Romão PereiraAryz, junto a um dos painéis de 'Vanitas'

O género em questão está associado à pintura dos séculos XVI e XVII e teve a sua origem entre os mestres flamengos. Dentro do próprio Panteão, estará um quadro do Museu Nacional de Arte Antiga, de autor anónimo, para acentuar a ideia de diálogo entre as artes do passado e do presente. Caveiras, ampulhetas, livros, flores ou velas apagadas – elementos eternizados nas telas e usados como símbolos da transitoriedade da vida e da inevitabilidade da morte – serviram de ponto de partida para a criação dos dois painéis, além de eles próprios se relacionarem com a estética do autor.

"Quando surgiu a possibilidade de fazer algo no Panteão, o Aryz surgiu logo como a combinação perfeita. Ele adora este tipo de espaço – monumental, quase sagrado – e, mesmo na rua, o trabalho dele interpela as pessoas com ossos e corpos abertos, desafiando-as a pensar no que é a vida, mas também no que é a morte", contextualiza Pauline Foessel, fundadora da galeria Underdogs, que trabalhou em conjunto com a Galeria de Arte Urbana (da Câmara Municipal de Lisboa).

Vanitas, Aryz, Panteão Nacional
© Francisco Romão Pereira

O primeiro contacto da galeria com o artista espanhol foi em França, precisamente com uma instalação numa igreja de grandes dimensões. "Trabalhamos com mais de 200 artistas, mas fazia todo o sentido que fosse ele. Há mesmo muito tempo que queríamos trazer o Aryz e ele próprio tem este fascínio por trabalhos de grande escala", acrescenta Foessel.

Esta não é a primeira vez de Aryz em Lisboa. Depois de uma primeira intervenção no espaço público na zona do Seixal, em 2007, o artista regressou em 2010 para produzir "a primeira obra monumental na cidade", nas palavras de Hugo Cardoso, da Galeria de Arte Urbana. A empena foi entretanto tapada. Desde então, o autor – na altura designado como graffiter – desenvolveu novas técnicas e uma nova linguagem, ao mesmo tempo que penetrou no circuito internacional de museus e galerias.

Vanitas, Aryz, Panteão Nacional
© Francisco Romão Pereira

"Faço parte de um grupo de artistas que, durante muito tempo, usaram a rua para desenvolver o seu trabalho. Sobretudo porque, durante anos, não encaixámos nos museus e nas galerias. Éramos outsiders. Mas esse é um caminho que tem vindo a ser percorrido e iniciativas como esta abrem portas. Acho que, para nos levarem a sério e sermos vistos como qualquer outro artista, é importante dialogar com instituições e espaços como este. Isto podia perfeitamente estar na rua, mas está dentro do Panteão Nacional", refere ainda o artista.

Dentro de dois meses, Aryz inaugura uma exposição em Praga. Reconhecido internacionalmente e com território conquistado na cena artística, não esquece o início de carreira no graffiti – género marginal e transgressor que quis, subtilmente, evocar nos painéis, a começar pelas cores garridas, algures entre o mural a céu aberto e o vitral de inspiração bíblica. Além disso, haverá sempre algo de estranho nesta instalação – "como o graffiti, está onde não devia estar."

Campo de Santa Clara. 21 885 4820. Ter-Dom 10.00-17.00 (10.00-18.00 a partir de Abril). Até 23 de Junho. 4€

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