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Não conheço Johnny Depp – como a maioria das pessoas neste planeta, nunca me cruzei com ele – mas uma visita à sua nova exposição em Chelsea, Nova Iorque, parece uma conversa de sentido único com o actor. Ou seja, ele a falar comigo.
Instalada no edifício Starrett-Lehigh, na 27th Street, no extremo ocidental de Manhattan, “A Bunch of Stuff”, como se chama a exposição, parece e é exactamente como a personalidade que o premiado actor de 61 anos tem transmitido ao público desde que entrou em cena pela primeira vez em Pesadelo em Elm Street, há quatro décadas.
A atmosfera é temperamental e o espaço está repleto de peças de cores escuras e apresenta uma mistura eclética de elementos góticos (incluindo imensas caveiras) que parecem revelar, em simultâneo, ousadia e criatividade artística.
Também é impossível desligar a arte – criada inteiramente por Depp e exposta ao público pela primeira vez – do espetáculo mediático de que o actor fez parte há dois anos, quando processou por difamação a ex-mulher Amber Heard, na sequência de um artigo que esta escreveu, no qual afirmava que Depp tinha abusado fisicamente dela.
De certa forma, a exposição parece uma forma de Depp voltar ao banco dos réus, mas desta vez tendo toda a liberdade para dizer o que pensa sem ser interrompido por Heard, por paparazzi ou por qualquer outra pessoa.
Disposta num padrão circular, com uma caixa preta no meio (já voltaremos aqui), “A Bunch of Stuff” quer ser reconhecida como uma experiência imersiva e não como uma exposição tradicional. Para além da variedade de pinturas nas paredes – incluindo muitas que habitualmente residem na propriedade de Depp na Provença, no Sul de França – o espaço está cheio de objectos dos ateliers do actor: sofás, secretárias, parafernália de pintura e muito mais.
Talvez a obra mais impressionante seja a da mãe de Depp, Betty Sue Palmer: um belo retrato produzido em 2006. A pintura está coberta com as mortalhas preferidas de Depp, da Rizla (parece tudo muito Depp, embora eu não conheça Depp, claro).
O actor também presta homenagem ao seu falecido cão, Mooh, com uma peça enorme no final da exposição, que conduz a uma loja de merchandising repleta do tipo de objectos que os visitantes poderão sentir-se inclinados a comprar depois de passearem pelo espaço: incluindo versões em peluche de Mooh, fósforos com a cara de Depp impressa, camisolas e versões mais pequenas de algumas das obras expostas.
Mas é o pontapé de saída da exposição que provavelmente ficará na memória muito depois de os visitantes terem saído do espaço. Ao entrar, estes dão de caras com uma série de quadros emoldurados com frases e pensamentos aparentemente simples.
“Her beauty a spectacle”, lê-se num deles.
“It’s hard to speak when you’re frozen in scream”, lê-se noutro.
Se estas frases soam a comentários sobre os problemas legais que o actor enfrentou, talvez pensamentos que Depp possa ter relatado à família e aos amigos, é porque provavelmente o são.
“O objetivo da exposição é levar os visitantes numa viagem emocional através do mundo criativo de Johnny Depp”, disse Anne-Sophie Villemin, uma consultora de arte que trabalhou de perto com o actor para montar a exposição. “Graças ao conceito que combina o físico e o digital, as obras de arte, os artefactos pessoais e a animação, Depp pode partilhar a sua história pessoal e mostrar o alcance da sua mente criativa, resultando numa experiência totalmente imersiva. O objectivo é inspirar os outros a criar e a não se limitarem pelas fronteiras tradicionais.”
Dado o drama que envolveu o caso de difamação, em que Heard acabou por ser considerada culpada, e a dúvida que muitas pessoas lançam agora sobre o actor, parece quase errado olhar através das pinturas, como se tomássemos posição numa discussão que não nos diz directamente respeito.
Mas será mesmo errado? Se a razão de ser do espectáculo é catapultar os espectadores para o cérebro de Depp, pelo menos através da parte artística do seu cerebelo, então a decisão de iniciar a produção com afirmações tão claras faz todo o sentido.
Esse mergulho profundo é complementado pela proposta central da exposição (encontra-se literalmente, no meio do espaço): um vídeo de 14 minutos exibido dentro de uma secção fechada da exposição, no qual Depp fala das suas inspirações, das suas relações com uma tela em branco e das suas reflexões sobre a vida em geral.
“Já fui mais pessoas do que a maioria das pessoas”, diz ele no vídeo. “Há alguma coisa que eu possa oferecer? Há alguma coisa exclusivamente minha que possa acrescentar?"
É evidente que Depp está a dar o melhor de si para se destacar da multidão de pessoas – de personagens – a que deu vida ao longo da sua carreira. Talvez, aceitar-se de coração aberto e apresentar-se como Johnny Depp, e não como Johnny Depp a interpretar outra pessoa, possa acabar por se tornar o papel mais importante e difícil da sua vida. Resta saber se o público vai acreditar nele e aceitá-lo.
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