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Para começar, António comprou um porco 100 por cento alentejano, criado a bolota, em duas metades, pronto a desmanchar. “É muita banha”, resume para justificar a presença desta gordura em boa parte da carta. Comprou também meia vaca barrosã em Esposende: foi lá conversou com o produtor das Carnes Jacinto e pediu-lhe ajuda para traduzir os cortes da carne que até há pouco tempo só conhecia em inglês. António Galapito voltou de Londres, onde passou seis anos a trabalhar com Nuno Mendes, para chefiar a sua própria cozinha e estar aí como quem está no meio do campo. Chamou-lhe Prado e usa os ingredientes que os produtores portugueses lhe dizem que estão bons. O remédio é a carta mudar ligeiramente todos os dias e sem grandes exotismos, mas “estou bem com isso”, diz António, descansadíssimo.
Na sala de uma antiga fábrica de enlatados perto da Sé, plantas e ervas estão a trepar pelas vigas de ferro. Parece que em breve absorverão uma grande roldana que estava por aqui antes de António Galapito, Inês Pereira, a chefe de sala, e as donas do aparthotel The Lisboans começaram a trabalhar juntos. Inês e António viram o espaço pela primeira vez há um ano – depois da insistência das donas do Lisboans. Chegaram a casa e perceberam que estava na altura de regressar a Lisboa. “Consegui perceber o que é que podia ser aqui. Foi o espaço que ditou o que nós queríamos vir fazer. Vi logo que aqui ao fundo ia ser a cave dos vinhos”, diz apontando para a divisão de tecto baixo (sobretudo se comparado com o pé direito gigante da sala).
O que o espaço ditou foi uma cozinha orgânica não só pelo facto de serem assim todos os ingredientes que aqui se usam, mas também pela maneira como se mostram os pratos – “sem linhas direitas, cheios de linhas tortas”, descreve – e como a carta se construiu, sem divisões entre entradas e pratos principais . “Queremos partir um bocado estas ideias de que o restaurante tem de ditar como é que vais ter de comer. Se olharem para o menu comem o que quiserem primeiro. Sentimos falta desta descomplicação. Quando vais ao Ramiro toda a gente chupa camarões e mete as mãos na comida e quando vais a outro restaurante qualquer (sem falar das tascas) parece que não podes comer assim. As coisas não têm de ser complicadas, são simples, são directas.”
Antes de abrir as portas, António e Inês andaram numa viagem pelo país a conhecer vinhos – o resultado é uma carta de 20 referências de orgânicos, biodinâmicos ou naturais – e produtores. “Não é quilómetro zero, o limite é Portugal. Não fazia sentido querer ter comida orgânica e depois as coisas virem da Nova Zelândia”, resume o chef sobre a necessidade de reduzir o impacto ambiental. Foi conhecer os produtores para se apresentar a si e ao restaurante, perceber como é que as se produzem algas, por exemplo. Agora telefona-lhes frequentemente para perguntar o que é que em cada semana está bom. “Não vou para casa pensar no que vão ser os pratos. Começamos a ver que vai chegar isto, isto e isto e pensamos ‘o que é que vamos fazer?’ Não é assim tão difícil: quando chegámos aqui criámos as bases do que vai ser a nossa cozinha e a partir daí é uma coisa mais matemática”, explica.
As bases são fermentados para temperar – feitas com as aparas dos legumes, porque o horizonte é o do desperdício zero –, óleos de sabores e o grelhador, onde se fumam ossos para os caldos ganharem camadas de sabor. No prato as coisas parecem muito simples, e António diz que não tem de se fazer nada de especial: “a ideia é intervir o mínimo para elevar”.
Isso será muito claro no pão que fez juntamente com a Gleba de Diogo Amorim. Serve o 100 por cento trigo barbela com mais umas horas de fermentação e com menos 250 gramas (para ter mais crosta e menos miolo) com manteiga de cabra com alface do mar e sal fumado e banha de porco (aquela que envolve o rim do bicho) infusionada com pimenta branca, louro e alho (4,20€). A banha é batida depois de arrefecida para ficar mais leve na boca e o pão é servido quente. A banha derrete-se e já se está a ver o filme todo.
Depois deste prato fundamental, os que se seguem vão crescendo em robustez: há berbigão da Foz do Arelho com os espinafres muito carnudos do hortelão e pão frito em manteiga e alho (5,50€) ou um tártaro de barrosã que todas as semanas é feito com um corte diferente, com gordura da barrosã frita, shitake fermentados, tudo envolvido com uma gema confitada a 70 graus. É servido numa couve galega grelhada e dobrada como um taco (6,50€).
A sobremesa que previsivelmente se manterá mais tempo na carta é o gelado de bolota tostada com cevada e com uma espécie de caramelo salgado feito com gordura de porco e coberto por dulse em pó (5,80€).
À mesa, por volta das 15.00, o chef mostra-nos a carta: um cartão com elástico onde se prendem folhas de papel finas. Logo à noite, o menu muda, saem uns quantos pratos, entram outros e dá jeito que o papel seja fácil de reimprimir e mudar. Embora este desperdício não esteja a agradar muito ao chef.