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Gonçalo Braga tornou-se recentemente mais conhecido por integrar o elenco das novas temporadas de Morangos Com Açúcar, onde interpreta Bruno. Mas, enquanto vestia esse papel, o actor tornou-se produtor e também realizador, uma área que tinha brevemente explorado em âmbito escolar, numa série de curtas-metragens. Agora é a valer. DOLO é um filme-campanha sobre abuso sexual, que mereceu uma antestreia em Cascais, município que apoiou esta primeira aventura de Braga atrás das câmaras, com apenas 23 anos. O filme irá agora concorrer ao circuito dos festivais, mas aproveitámos para nos sentar a conversar sobre o tema que está em cima da mesa nesta história e também sobre arriscar, não desistir e aprender coisas novas.
Numa noite regada a techno, álcool e drogas, Inês junta-se à amiga Francisca, num espaço noctívago onde acaba por conhecer Guilherme, um simpático rebelde munido de estupefacientes, assim como a Afonso e Joana, que aparentam viver uma relação complicada. Mas o que podia ser uma noite de festa acaba em tragédia: Inês é abusada sexualmente enquanto está inconsciente. DOLO foca o tema da violência no namoro e do abuso sexual de mulheres, num drama policial que alerta para o comportamento daqueles que são próximos do agressor e que muitas vezes preferem não falar. Um enredo onde quase todos são culpados e que nasce para dar voz ao tema. Gonçalo Braga é o criador da história, o produtor, realizador e também um dos personagens do filme, que no elenco conta também com Miguel Amorim (Nunca Nada Aconteceu), Inês Faria (Rui), Maria Gomes Andrade (Soares é Fixe!), Carolina Faria e Flávia Gusmão (A Vida Invisível), no papel da inspectora da Polícia Judiciária. O argumento é de Hugo Branco (Till I Met You).
Esta ideia nasce de uma conversa entre ti e amigos, como a Carolina Faria e a Maria Gomes Andrade, que entram no filme, o Francisco Monteiro Lopes [Motel Valkirias] e a Maria Freire. O que é que te fez não a deixar cair?
Isto começou em 2021 numa conversa de café, provavelmente uma crise dos 20 anos, quando queremos trabalhar e precisamos trabalhar e queremos contar uma história em que acreditássemos e que fizesse sentido para nós. Mas fiquei a matutar nessa ideia, porque eu já tinha a necessidade de criar e de abrir uma produtora. Há um dia que estou a ir para casa, da Escola Profissional de Teatro de Cascais, e vejo um mupi na paragem de autocarro que anunciava uma bolsa de talentos em Cascais. Inscrevo-me nessa bolsa de talentos com um projecto que na altura não se chamava DOLO, chamava-se Eu Conheço um Violador. Ganhei a bolsa, falei com eles e disse ‘isto agora vai ser a sério’. Tínhamos 3000 euros…
[Risos de todos] Não é muito.
Não é muito, mas nós, na nossa inocência dos 21 anos, pensámos: ‘Vamos fazer acontecer’. A Maria [Freire] conhecia um realizador, o João Pereira, nós éramos os cinco actores – ou seja, não são só os três que ficaram, o Francisco e a Maria também faziam parte do elenco nesta altura. Fizemos um crowdfunding, fomos à TVI falar sobre o projecto e sobre o crowdfunding, fizemos um teaser e conseguimos 2500 euros.
Com esse dinheiro também havia boa vontade de muita gente, não?
De muita gente, e tínhamos uma equipa que tinha vontade de fazer isso. Chegámos à altura de filmar e estávamos com dificuldades em arranjar espaço. Porque as cenas da festa passam-se num espaço e depois numa sala da Polícia Judiciária. E se íamos fazer esta história queria fazer bem. Então contacto a APAV [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima] e a Polícia Judiciária, explico o projecto e eles fazem parceria connosco. Depois não conseguimos fazer o projecto, nessa altura, e o projecto morre.
[Durante três anos, o projecto andou para a frente e para trás, com trocas de actores e realizadores, mas Gonçalo Braga conseguiu fundar a produtora, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, da Junta Freguesia de Alcabideche e da Junta de Cascais e Estoril. E acabou por acreditar que conseguia assumir as rédeas da realização.]
Nunca tinhas olhado para ti como realizador, para seres tu a solução de DOLO?
Achava que não seria capaz, porque ainda não tinha também grandes projectos enquanto actor, a nível de cinema e televisão. Então, não achava que estaria preparado. Mas sabia aquilo que queria, tinha a noção completa do que era o projecto. A partir desse momento decido que vou ter que começar a estudar, porque também não ia falar com o director de fotografia [João Carneiro] sem saber do que estou a falar. Tinha também a Andrea Paz [Knock Knock – Perigosas Tentações], que é uma óptima directora de arte, que veio do Chile para trabalhar em Portugal, e a equipa de imagem do João tinha trabalhado em todas as produções estrangeiras aqui em Portugal, Velocidades Furiosa, House of the Dragon, etc. De repente, olho para estas pessoas e pergunto, mas como é que vocês vão acreditar em mim? Estava cheio de medo.
[Gonçalo Braga elogia também o apoio do director de produção, Gonçalo Lory Costa, e do assistente de realização Hugo Branco.]
Essa insegurança que também vem com o sentido de responsabilidade?
Sim, muito. Eu sabia que não lhes podia falhar, porque eles acreditaram em mim. E pronto, em dois meses fizemos acontecer. Ainda tivemos um problema que foi o argumento. Eu não gostava do argumento, tivemos que mudar. E às tantas o director de produção disse-me: o Hugo, o assistente de produção, é argumentista. Fizemos o argumento em duas semanas. Eu tinha uma linha cronológica daquilo que eu queria que acontecesse, a explicar todos os eventos do filme e passo para o Hugo. Ele é um óptimo argumentista, sei que o argumento é brutal.
Mas isso acaba por tocar um pouco na missão da produtora, que não é só fazer filmes. É divulgar jovens talentos.
Talentos escondidos que estejam aí e existem tantos…
Há uma mensagem muito importante para quem vê o filme. Que trata sobre o abuso sexual, mas também sobre as pessoas que estão à volta e que não fazem nada. O filme também fala sobre a responsabilidade que está em todos nós?
E que compactuamos com certas coisas. Às vezes, sem querer. O meu objectivo não é educar as pessoas, não tenho esse papel. Mas funciona como um abre-olhos. Há uma mensagem aberta para cada espectador. Às vezes acontecem coisas muito graves e achamos que está tudo bem e não está. Principalmente na noite, que é um ambiente muito propício para coisas más acontecerem. A noite também tem coisas muito boas e também nos divertimos muito, não quero de todo com este filme dizer que sair à noite é mau e que isto vai acontecer. Não. É mais esta a mensagem de que devemos estar realmente atentos.
E como ajudam a APAV e a PJ na construção do argumento?
Com a APAV tivemos reuniões para saber como é que seria a vítima – apesar de existirem diversos tipos de vítimas. Mas mais ou menos como é que uma pessoa reage após o abuso. Como é óbvio não nos deram nenhuma pessoa específica, porque todos somos diferentes e reagimos de formas diferentes. E depois os amigos também, porque a APAV também trata não só da vítima mas também das pessoas que estavam à volta, dos amigos, dos familiares, etc. Depois a Polícia Judiciária funcionou para nós percebermos como é que funcionava: a polícia, a inspectora e o abusador. Também todas as pessoas são totalmente diferentes, mas dessas reuniões tirámos aquilo que nós necessitávamos.
Houve uma antestreia em Cascais [no passado mês de Abril], e o filme para já vai concorrer ao circuito dos festivais. E pelas escolas também, não é?
Sim, é o nosso propósito mais para a frente, apresentá-lo em escolas depois dos festivais e do circuito comercial. Pessoas que estiveram lá na antestreia da parte da Câmara e das juntas de freguesia vieram falar comigo a dizer que gostavam muito de apresentar isto nas escolas, porque acham que é um tema importante de ser falado. Para as pessoas estarem mais atentas, verem com olhos de ver.
Há aqui a possibilidade de transformar esta história numa série?
Sim, estamos a tratar desta situação, mas não posso falar grande coisa agora.
Isto foi uma espécie de curso intensivo sobre como ser produtor.
Sim e continua. Este projecto foi só o início de um caminho.
Porque já há outro projecto no site da Centaurea, sobre dois amigos que estão a conversar ao pé do mar.
O Que as Ondas Trazem é o próximo projecto da Centaurea. Serão dois actores e fala sobre a sexualidade. Mas não tanto sobre a sexualidade, é mais sobre uma amizade. E como às vezes as coisas podem confundir numa tenra idade em que nos estamos a descobrir.
Serás só o produtor?
Vou ser o produtor executivo, o realizador e um dos protagonistas. Porque essa é a minha intenção: gosto muito de contar histórias, mas gosto também de as contar lá à frente, porque é o que me dá mais pica. Eu sou apaixonado pelas três áreas. Adoro contar histórias, sou um storyteller, gosto de contar histórias à frente, atrás, nos dois lados, por mim está tudo bem. E gosto de contar histórias que para mim façam sentido. É para isso que eu estou a lutar e abrir outros caminhos e ver até onde é que isto vai dar.
Em Portugal não é fácil, temos um mercado pequenino, embora no mundo globalizado comece a haver mais oportunidades. Essa luta toda que me contaste para fazer nascer o DOLO é para continuar?
Sim, vêm muitas mais lutas, porque eu quero crescer e quero abrir horizontes. Haverá mais lutas e ainda bem, porque é sinal de aprendizagem.
A Centaurea está aberta a receber ideias de fora?
Esse também é o nosso objectivo e vou abrir um concurso para novos argumentistas. É um dos projectos que eu quero fazer. Agora conheço pessoas maravilhosas e muito talentosas, mas há mais pessoas, há vários talentos. Só assim é que crescemos, com as novas gerações, os novos talentos. Trazem sempre coisas novas, coisas diferentes, originais. E não só: trazem outras formas de fazer as coisas. Aprendemos muito com as pessoas mais velhas, mas à medida que for envelhecendo há uma coisa que eu quero fazer: continuar a trabalhar também com as pessoas mais novas.
É gira essa ideia de te projectares num homem mais velho.
Sim. Porque eu acho que só assim é que nós crescemos. A geração nova vai ser sempre melhor do que a antiga. É o que é, faz parte da vida, senão estávamos estagnados. E temos que dar novas oportunidades. Eu ainda sou o novo, sou a pessoa que precisa das oportunidades, das pessoas que acreditem. Um dia serei essa pessoa que dará as oportunidades.
Agora as pessoas ficaram-te a conhecer melhor com os Morangos com Açúcar. Vais continuar a ter tempo para te dedicar a personagens de outros projectos?
Obviamente. Acho que uma coisa não invalida a outra. Estive a fazer os Morangos e a trabalhar na pós-produção do DOLO. Agora vai haver outro projecto, mas ainda não posso contar.
Há muitos actores portugueses que estão a fazer participações lá fora. Estás também a tentar encontrar esse teu lugar fora de fronteiras?
Obviamente. É aquele sonho. Eu sei que vai acontecer, porque eu trabalho para isso. E eu acredito nisso. Se eu digo que vai acontecer... Eu vou trabalhar para isso. E isso vai acontecer. Acho que nada é impossível. É um dos objectivos, é ir para fora, para o estrangeiro, mesmo também enquanto produtor.
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