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Greta, uma livraria feminista para dar voz a mulheres trans e cis

A Greta nasceu como livraria feminista em 2022, mas só no online. Agora, está prestes a abrir portas nos Anjos.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Livraria Greta
© Francisco Romão Pereira / Time OutLorena Travassos na Livraria Greta, nos Anjos
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Foi em Barcelona, durante a pandemia, que Lorena Travassos começou a amadurecer a ideia de um sonho antigo: o de abrir uma livraria feminista. O ser feminista é importante, assegura-nos a luso-brasileira, à conversa no espaço que está prestes a abrir, no número 66 da Rua Palmira, nos Anjos. A inauguração está marcada para 7 de Setembro, a partir das 13.00, mas a verdade é que a Greta, assim se chama, já tem um ano e meio: nasceu primeiro no online, em 2022, e desde então tem reunido, inclusive em debates literários, uma comunidade de mulheres trans e cis, feministas e activistas, interessadas em ler e promover a literatura no feminino.

Livraria Greta
© Francisco Romão Pereira / Time OutLivraria Greta, na Rua Palmira, 66, nos Anjos

“Naquela altura, todo o mundo estava reflectindo mais sobre o futuro e o que fazer, eu pensei ‘olha, se calhar, agora é a hora de fazer uma livraria feminista’, que era o que eu queria e já visitara muito em Barcelona”, recorda Lorena, que vive há oito anos em Portugal, onde dá aulas de comunicação e cultura visual, na Universidade Nova de Lisboa. “Sempre quis ter uma, mas estava sempre deixando isso para a frente. Dizia ‘quando tiver dinheiro’, porque uma livraria não dá muito rendimento, é mesmo só para quem gosta, e eu não estava muito certa se haveria interesse, porque até então [a cidade] não tinha nenhuma [livraria feminista].”

O primeiro passo, relembra, foi lançar uma campanha de crowdfunding, para angariar 1500€, que usou para pagar a criação de uma livraria online, e serviu como “uma espécie de termómetro”. “Se ninguém apoiasse, eu saberia que não valeria a pena. Mas correu muito bem”, diz-nos a luso-brasileira, que também recebeu algum dinheiro da Nestlé, depois de ter feito um pitch para um concurso. “Comecei assim, e desde o início que [a livraria] é gerenciada só por mim e, ao mesmo tempo, com apoio de todo o mundo – tanto que, agora, já vieram várias amigas ajudar a furar a parede, trazer posters para colocar.”

Livraria Greta
© Francisco Romão Pereira / Time OutNa Livraria Greta, só há livros escritos por mulheres

Na livraria física, cujas portas Lorena mal pode esperar para abrir, há duas modestas estantes de madeira, à esquerda e à direita, e uma mesa ao centro, com cerca de dois mil títulos (nem todos expostos), de vários géneros diferentes, tudo escolhido a dedo. A decorar o espaço, há fotografias, ilustrações e posters feitos por mulheres. “Eu moro na Penha de França e, como sempre passo por esta rua para apanhar o metro, andava à procura de uma morada, porque queria ficar perto, e encontrei esta loja, que é super velhinha. O prédio é dos anos 50 e não pude mexer muito, porque é histórico, tudo original. Mas tentei deixar bonito.” Bonito como o recheio, que é mesmo o mais bonito.

A curadoria é toda feita por Lorena, que só vende livros escritos por mulheres, trans ou cis, de diferentes géneros literários, de não-ficção a ficção, poesia e até literatura infanto-juvenil. A prioridade são os títulos publicados em pequenas editoras ou edição de autor, que por norma não estão disponíveis nas grandes livrarias, como Inimigas Naturais dos Livros, de várias tipógrafas dos EUA e de Inglaterra que, em 1937, se reuniram para fazer um livro com ensaios, poemas, manifestos e experimentações. Mas oferta – em espanhol, inglês e português, de Portugal e do Brasil – não falta. Além disso, o acervo também conta com artes gráficas, zines e revistas produzidas por mulheres.

Livraria Greta
© Francisco Romão Pereira / Time Out

“Greta significa fenda, fresta, e desde o início que pensei que [o projecto] seria como uma abertura para livros de mulheres, que têm uma venda muito menor que a dos homens, não só porque são menos publicadas, mas porque não aparecem muito nas vitrines das livrarias. Se não são visíveis, fica mais difícil a venda”, lamenta Lorena. “É preciso mostrar às pessoas que existe muita publicação e há muito tempo. São livros fantásticos, com diferentes perspectivas sobre o que é ser mulher, que devem ser lidos. É lógico que ainda não li tudo o que tenho [em stock], mas estamos a falar de autoras que já sei como pensam em relação ao feminismo e que têm um pensamento mais progressista, interseccional, o que é importante, porque não tenho intenção de vender uma visão retrógrada, não.”

Quando lhe pedimos sugestões, Lorena não hesita. Começa logo por As Malditas, editada pela BCF e escrito pela travesti Camila Sosa Villada, que fala precisamente sobre a vivência que tem das “duas facetas do mundo trans que mais repelem e assustam a boa sociedade: a fúria travesti e a festa de ser travesti”. “Geralmente uma travesti, quando ela é expulsa de casa pelos pais, a única forma de sobrevivência é a prostituição, porque ninguém a vai contratar”, denuncia, sugerindo ainda a leitura de Um Feminismo Decolonial, de Françoise Vergès, editado pela Orfeu Negro, e Limpa, de Alia Trabucco Zéran, editado pela Elsinore. Para os mais novos, também há recomendações, desde O Jaime no Casamento e O Jaime É Uma Sereia, de Jessica Love, até Menino, MeninaPardalita, de Joana Estrela. “Quem tem preconceitos são os adultos. As crianças aprendem com os adultos. Então é fixe eles começarem [a ler livros feministas] bem cedo.”

Livraria Greta
© Francisco Romão Pereira / Time OutNa Livraria Greta, também há livros para os mais novos

No dia de inauguração, 7 de Setembro, a livraria vai estar aberta entre as 13.00 e as 20.00, com uma leitura de textos às 17.00, pela actriz e produtora Marlene Barreto, que seleccionou vários trechos de livros escritos por mulheres. Este será apenas o primeiro de muitos futuros programas culturais. A propósito do centenário do nascimento de Natália Correia, já está marcada uma leitura de poemas da autora a 12 de Setembro e, no dia seguinte, 13, a apresentação do livro Natália Correia. A Irreverente, de Maria Amélia Clemente Campo. Depois disso, haverá mais debates, workshops e lançamentos de livros. A longo prazo, nascerá também uma editora. “É esse o meu desejo.”

Livraria Greta, Rua Palmira, 66 (Anjos). Seg-Sex 13.00-20.00, Sáb 10.00-14.00.

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