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É preciso alguma resistência física para chegar lá. As ruas onde não param de despontar galerias em Marvila? Não tem nada a ver. Se estiver na Capitão Leitão precisa de subir um lanço de escadas desafiante e passar sobre a linha do comboio para descobrir a Marvila que muitos ainda desconhecem: residencial, com campos e até cabras.
Foi ali, no número 119 da Rua de Marvila, que, há mais de um ano, Sandra Pires, arquitecta, e Roland Vajs, sound designer, se instalaram. Conheceram-se do outro lado do mundo, em Nova Iorque, ela trabalhava em arquitectura e ele em cinema. “Entretanto fartámo-nos um bocado da cidade depois de ter miúdos e decidimos que queríamos ir para Paris ou para Lisboa. Mas foi na altura do [atentado ao] Bataclan e achámos Paris uma péssima ideia”, lembra Sandra. Na época, Roland estava a trabalhar num filme em Lisboa.
O desafio foi encontrar um espaço que permitisse ter o silêncio necessário para um estúdio de pós-produção de cinema e, ao mesmo tempo, ser numa localização estratégica para instalar uma galeria – a área da curadoria foi algo que Sandra foi explorando paralelamente ao seu trabalho em gabinetes de arquitectura. “Quando vimos o edifício dissemos: ok, é aqui”, diz, admitindo que, por ter estudado urbanismo, Marvila rapidamente ficou no seu radar. “A história repete-se por todo o mundo. Quando tens artistas esse espaço eventualmente vai tornar-se um sítio óptimo.”
O edifício do 119 Marvila Studios era uma antiga tanoaria, onde se faziam pipas de vinhos. “Na época de Salazar foi legislado que não queriam fazer o transporte de vinhos e outros bens em recipientes de madeira. Nessa altura o negócio da tanoaria acabou”, conta a arquitecta. O espaço ainda chegou a ser uma transportadora, por isso quando chegaram já só existiam paredes e “nada com grande valor arquitectónico”. A ideia era ambiciosa: criar o projecto de som sem que este tocasse em nenhuma das paredes, por causa da acústica. “Quisemos que a arquitetura também definisse isso”, diz.
Quem entra na galeria depara-se com o espaço mais público, uma zona de exposições e eventos onde é possível ver (até ao final do ano) Marquise de Sá, da pintora Rita Sá. A brancura do espaço contrasta com o que se descobre atrás das escadas em caracol: um corredor com paredes negras e três portas. Há uma sala de mistura de som, uma casa das máquinas e uma sala de edição de som. “Quem está lá fora não precisa sequer de saber que isto existe”, dizem. Ainda há uma sala dedicada à coloração, na mezzanine. Paulo Américo, colorista de filmes como Ramiro, de Manuel Mozos ou, mais recentemente, Amor Fati, de Cláudia Varejão, e que também andava à procura de um espaço, juntou-se à dupla.
Ali a sensação é a de estar dentro de um casulo. O isolamento acústico faz com que nem a linha de comboio ali tão perto interrompa o processo criativo de Roland Vajs. O sérvio tem no currículo projectos como Free Solo, Manchester by the sea, Boardwalk Empire e é detentor de três Emmys na categoria de melhor edição de som. Para já, “a única coisa de que sinto falta [em Lisboa] é a energia”, diz, habituado a cidades mais fervilhantes. A pandemia ajudou a dar o empurrão que faltava para que o trabalho remoto no mundo audiovisual fosse cada vez mais a prática e não a excepção. A partir de Marvila colabora em projectos de todos os cantos do mundo.
Enquanto a todo o gás se finalizam filmes e séries de Hollywood – aquando da nossa visita edita-se mais um episódio da quarta temporada de The Sinner –, há mais projectos na manga para dinamizar o espaço. Na calha estão workshops, exibições de filmes, seminários e mais exposições.
Rua de Marvila, 119 (Marvila). Por marcação através do e-mail production@119marvilastudios.com