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Pedro Gil escreve e dirige um Don Juan – com estreia esta quarta no São Luiz – cujo destino acaba em 2018, na Avenida da Liberdade. Entre isso e a Idade Média venha o diabo e escolha.
Ai de quem se atravesse com Don Juan. Que o diga Paco, o seu fiel servo, que até já desenvolveu uma técnica especial de sentinela para dormir em pé, não vá um noivo passar por uma moita e vir a sua amada com Don Juan. Que o diga o jovem fidalgo Otávio e a sua ex-noiva Ana. Que o diga Don Diogo. Que o diga Elvira. Que o diga Marianita. Que o diga o comendador. Que o digam todos. Quando Don Juan passa uma (pelo menos uma) mulher vai cair a seus pés, alguém vai morrer, alguém vai ter medo. E neste Don Juan Esfaqueado na Avenida da Liberdade, escrito e encenado por Pedro Gil, – para ver a partir desta quarta-feira, no São Luiz – todos têm medo, pelo menos até o marginal ir à bruxa, numa estadia em Lisboa, e acabar no século XXI. Aí já os medos são paus de selfie e lengalengas para turistas.
Mas antes que chegue à Avenida da Liberdade contemos o que Don Juan andou para aqui chegar. Ele e Pedro Gil, claro, que sempre se sentiu atraído por este mito. “Como pessoa, homem, filho, pai, namorado, e até antes disto isto, como cidadão, como animal que sou, acho que o Don Juan sempre me provocou. Coloca-me questões à minha forma de viver com a graça de que comportando-se como vilão não tem aquele lado moralista, é um vilão a colocar as perguntas certas, deixa é um rasto de destruição atrás de si. Não é como o Robin dos Bosques, faz um crime mas com uma intenção, aqui ele não só faz sem intenção, como no final não faz o bem”, explica o encenador.
Em palco, há terra e há o céu, uma paisagem composta também pelo elenco, que sempre vai habitando a cena, que sempre vai criando relevo. Isto numa encenação onde os adereços são braços e pernas, as espadas são cotovelos, tudo é meio propositadamente trapalhão, figurativo, caricato. Afinal, isto é uma comédia que galga entre a idade média e 2018, há sempre efeitos secundários, há sempre danos colaterais.
Ainda que Don Juan seja de todo o lado ou de lugar nenhum, Don Juan é de Sevilha. Mas por lá todos lhe conhecem as manhas. A coisa entorna-se, e o conquistador lá decide ir cravar a mãe uma última vez, para partir para Lisboa. Também lá tudo se precipita, cruza-se com uma bruxa e um macaco-vidente e vai parar a 2018, apenas porque por razões de segurança é mais seguro viajar para o futuro. E aí, Don Juan deixa de ser Don Juan. As suas moedas são pertences de coleccionador e as suas vestes de fidalgo só lhe servem para (não) fingir que o é na baixa de Lisboa, contando histórias das suas conquistas, amealhando uns euros diários para trocar por frango do Pingo Doce, como comprova Pedro Gil: “A ideia foi brincar com a convenção de fazer um clássico hoje, diz-se que é trazê-lo até nós. Peguei nisso literalmente e trouxe-o para Lisboa e para o presente, para brincar com o ridículo dessa situação. Além disso, trazê-lo para o presente permite-nos colocá-lo em novas situações, causar-lhe dificuldades”.
E o desespero ainda leva Don Juan a ser líder de uma seita digital, que defende, através do YouTube, o assumir da mentira como ideologia principal. Como sempre, é preso, desta vez por evasão fiscal. Como sempre lá se safará. Até chegar à Avenida.
Texto e encenação Pedro Gil. Com Filipa Matta, Miguel Loureiro, Pedro Gil, Raquel Castro, Rita Calçada Bastos e Tónan Quito
São Luiz Teatro Municipal (Sala Mário Viegas). Qua-Sáb 21.00. Dom 17.30. 3-12€.