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Rosa, uma profissional de topo, leva uma vida inteiramente dedicada ao trabalho. Mas a morte do avô, de quem se tinha progressivamente afastado, provoca-lhe um súbito ataque de ansiedade e uma inesperada reflexão sobre o que, afinal, quer para si. Partindo ao encontro do lugar e das memórias da sua infância, é no imaginário Vale de Sarronco que, sempre acompanhada, encontrará um novo rumo. Com data de estreia ainda por anunciar, Os Demónios do meu avô acompanha o regresso às origens da jovem protagonista e o seu confronto com a realidade, nostalgia e imaginação que habita em todos nós. De 11 de Fevereiro a 27 de Março, poderá ver no Museu da Marioneta parte da aldeia transmontana onde tudo acontece, bem como várias personagens e adereços utilizados no filme, que é a primeira longa-metragem de animação de Nuno Beato.
“Gostava de começar por chamar a atenção para uma questão, que é a do tempo de construção, no qual as pessoas hoje em dia não pensam muito, porque vêem uma hora de cinema e não compreendem imediatamente que, por trás, está quase o trabalho de um iluminador medieval”, diz a directora do Museu da Marioneta, Ana Rebelo Correia, em visita à nova exposição temporária “Do outro lado da câmara, os demónios do meu avô”, realizada em parceria com a MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa. “Foi feito um estudo muito aprofundado da topografia, da geografia, dos personagens, das personalidades, dos movimentos, dos gestos. Para estarmos perante o resultado final, aquela tal hora de cinema, houve vários anos de bastidores. Esta questão do tempo é fundamental, é o tempo que nos permite construir coisas que tenham sentido.”
O projecto começou em 2014 como tudo começa: com uma ideia. O realizador Nuno Beato, que assina o argumento com Possidónio Cachapa, imaginou uma história sobre alguém que, em confronto com um momento de particular desassossego, decide mudar de vida. Entre a pesquisa e algumas visitas a Trás-os-Montes, passaram-se três anos. A pré-produção teve início em 2017, com a produção a arrancar apenas em 2021. Ainda em fase de conclusão, a longa-metragem, que cruza realidade e lenda, fala-nos, por um lado, da vontade e importância de não perder raízes e, por outro, das relações que cultivamos com os outros mas também connosco próprios. A acção decorre na tal aldeia transmontana, o imaginário Vale de Sarronco, povoado por humanos, animais e até assombrosos seres fantásticos, criados à imagem da tradição da arte naïf de barro do norte de Portugal, em particular do universo singular da ceramista Rosa Ramalho (1888-1997).
Foram precisos mais de 400 quilos de massa modelar DAS, semelhante à argila, para o revestimento principal dos cenários do filme, inclusive da aldeia em miniatura, que agora encontramos no Museu da Marioneta. Das micro-árvores de diferentes espécies, passando pelos caminhos, telhados, alpendres e hortas, até à carrinha da padaria O Galego, o nível de detalhe é impressionante. “Durante a fase de pesquisa, estudámos quer os ambientes quer a relação de toda a paisagem com a história. Esta cor de barro [predominante em todos os cenários] é muito importante, porque evoca as figuras de cerâmica inspiradas nas de Rosa Ramalho, os tais demónios do avô, que também constrói criaturas de argila para mistificar quem o rodeia. Tentei trazer isso para o filme, até porque em português temos a palavra ‘terra’ e a expressão ‘vou à terra’, e houve depois um trabalho de desenvolvimento neste sentido, de texturas”, desvenda Nuno Beato.
Além da construção dos vários cenários, construídos em três escalas diferentes, também foi preciso fazer cerca de 120 moldes e impressas cerca de 56 cabeças e 701 caras. Em exposição, é possível ver desde protótipos até várias versões de diferentes personagens e respectivos adereços, como a protagonista Rosa, que muda de roupa e deixa crescer o cabelo ao longo da narrativa; João, amigo de Rosa, para quem foi construído um segundo par de pernas por causa de uma determinada cena; e dois habitantes do Vale de Sarronco, Laura e o seu filho Chico, cujas expressões podemos observar em diferentes caras impressas em resina 3D. “As vozes foram gravadas antes das filmagens, para os animadores terem como referência o áudio das falas. Assim é mais fácil criar os movimentos e dar-lhes personalidade”, partilha o realizador e produtor, que começou a carreira como animador e é co-fundador do estúdio Sardinha em Lata.
Com fundos europeus e o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual, Os Demónios do meu avô é uma co-produção internacional com Espanha e França, conta com um investimento a rondar os três milhões de euros e inclui cerca de 15% de animação digital, para retratar a vida na cidade, em contraste com a ambiência artesanal da técnica de stop motion. Apesar de ainda não ter data de estreia, já é possível ter um vislumbre do resultado final: a exposição inclui um vídeo, uma espécie de aperitivo, e está prevista a exibição de cerca de 15 minutos da longa-metragem na 21ª edição da MONSTRA, que se realiza de 16 a 27 de Março. “Quando estrear em Portugal, estreará também em Espanha e França, mas gostávamos de chegar a várias partes do mundo. Queremos alcançar um patamar europeu capaz de nos colocar dentro daquilo que é o cinema de animação para o público geral, razão porque também tentámos sair do nicho. Criámos um filme que tem uma componente autoral forte, mas que tenta quebrar o estigma do cinema português”, remata Nuno Beato.
Museu da Marioneta, Rua da Esperança 146. Ter-Dom 10.00-18.00. 2,50€-5€. Grátis nas manhãs de domingo e feriados, mediante comprovativo de residência em Lisboa.
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