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“Trazer a ética e a escola do punk para o mundo editorial” – desde a primeira hora que é esta a meta e a razão de ser da editora Traça, de acordo com o seu fundador, o poeta e homem dos sete ofícios conhecido como cobramor. Há uns meses, isso materializou-se na tradução para português dos Primeiros trabalhos: 1970-1979, de Patti Smith – que vai ter uma segunda edição limitada ainda este ano, uma vez que a primeira já se encontra esgotada. Agora, chegou a altura de concretizar outro objectivo: a publicação de uma fanzine, a que chamou apenas Poesia de Resistência – Palestiniana.
Ao longo de 17 páginas, este caderno compila maioritariamente poemas de escritores palestinianos, mas também de uns quantos judeus israelitas – cuja obra questiona e problematiza o sionismo. Tawfiq Zayyad, Mahmoud Darwish, Salem Jubran, Fadwa Tuqan, Sameeh Al Qassem, Mosab Abu Toha, Yehuda Amichai, Elana Bell, Naomi Shihab Nye e Mois Benarroch são os autores escolhidos. Cada um contribui um texto – traduzido por cobramor – e é apresentado numa breve nota biográfica.
Poesia de Resistência – Palestiniana encontra-se disponível online, podendo ser descarregado em formato PDF, a custo zero e facilmente. Mas também tem aparecido fisicamente nalguns locais de Lisboa e não só, incluindo livrarias. “Falei com várias pessoas, a que podemos chamar uma rede de amigos conspiradores, e muitas delas têm imprimido em vários pontos do país, colocando a publicação disponível para as pessoas a levarem”, explica o editor. “Agradeço muito a esse círculo alargado, porque acredito que apenas colectivamente conseguimos fazer algum tipo de diferença e nem sempre é fácil agir de forma comunitária.”
A ideia de celebrar a poesia de resistência palestiniana começou a ganhar forma no ano passado, quando o editor visitou a Lusíada, que descreve como “uma das duas livrarias que ainda resistem no Algarve”. Foi lá que encontrou um pequeno livro vermelho de 1979, com a chancela dos Livros Horizonte. “Era a tradução de meia dúzia de poemas de Tawfiq Zyyad, um político e poeta palestiniano. Sempre tive uma enorme obsessão pela poesia não ocidental e em particular pela árabe”, explica. “Desde então fiquei com a ideia de fazer qualquer coisa com poesia palestiniana.”
Uma edição urgente
A primeira fanzine da Traça não devia ter sido esta – “a Poezine, para a qual fizemos uma open call iria ser a primeira”. Originalmente, não ia sequer ser a primeira colecção de Poesia de Resistência – “o primeiro número era suposto ser das antigas colónias, mas por razões óbvias foi sobre a Palestina”, detalha o editor. “É uma causa que me é querida há muitos anos. Sempre acompanhei o assunto de perto e é doloroso saber o que se passa sem conseguir ajudar”, continua. “Obviamente que um caderno de poesia não fará uma diferença enorme para aquelas pessoas, mas eu acredito que devemos contribuir da forma que faz sentido para nós. Não sou milionário nem mercenário, decidi por isso oferecer o que acredito ser o que faço melhor.”
“Comecei a trabalhar na [sexta-feira passada] à noite, enquanto jantava. Passei o fim-de-semana todo a trabalhar na publicação. Tive ajuda na revisão, como sempre e também no design. Gostaria de ter tido mais tempo, e até o poderia ter tido, mas a minha intuição indicava que era urgente. E acho que é urgente”, sublinha. “O que me levou mais tempo foi mesmo a tradução. Traduzi a partir de fontes diferentes do inglês e havia versões bastante díspares, pelo que foi um trabalho minucioso tentar corresponder ao espírito do original.”
Cobramor não foi, contudo, o único responsável pela escolha dos autores a traduzir. “Três deles foram sugeridos pelo Luís Raposo, um amigo de Loulé; e um outro, o Mois Benarroch, pelo Carlos Ramos, das Edições Fantasma de Peniche, que o editaram em português”, conta. “Tanto o Luís como o Carlos tiveram a ideia de apresentar também a perspectiva israelita de resistência à ocupação, o que foi óptimo. E a editora-sombra da Traça, Ana Guimil, mencionou o que para mim devia ter sido óbvio mas que tinha deixado escapar: o Mosab Abu Toha.”
A ideia é continuar a desenvolver este tipo de trabalho no futuro, “embora não saiba bem em que moldes”, admite cobramor. “O meu interesse sempre foi procurar uma abordagem politizada e conscienciosa [da poesia]. Não uma escrita divorciada da realidade, mas uma que a trabalhe sem a ela ficar circunscrita”, justifica. “Seja [a dos] beatniks e o anticapitalismo, seja a poesia do PREC, a da consciência negra, a LGBT ou qualquer uma que afronte o poder vigente no sentido libertário.”
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