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O protesto aconteceu no fim-de-semana e talvez tenha sido só o início. "Depois de várias exposições à Câmara Municipal de Sintra e à Assembleia Municipal, face à incapacidade da Câmara de gerir os fluxos turísticos e os constantes congestionamentos de trânsito que afectam a qualidade de vida dos que aqui moram e trabalham e a experiência dos que visitam Sintra e à degradação da zona inscrita como Património Mundial, decidimos iniciar um protesto de rua a que estão a aderir residentes e comerciantes", enquadra a QSintra, a associação que lidera a iniciativa.
Nos cartazes espalhados pela zona histórica, lêem-se frases como "Trânsito caótico a todos prejudica, residentes e visitantes", "Queremos Sintra viva e habitada/ Não ao turismo de massas" ou "Património Mundial sim, parque de diversões não!", num esforço da associação pela "defesa do património que é de todos".
O grupo lançou, ainda, um manifesto – que é também uma carta endereçada à autarquia –, no qual detalha as razões do protesto e apresenta sugestões de acção. As propostas vão desde o investimento numa política de habitação "que incentive o arrendamento permanente e não permita a dedicação exclusiva de edifícios a alojamento turístico" à melhoria da gestão do trânsito ou do sistema de recolha de lixo.
Another "traffic jam in paradise"
O trânsito na chegada a Sintra, a partir do IC19, tornou-se uma imagem comum há vários anos, agravando-se sobretudo no período de Verão. Mas também as ruas do centro histórico e na direcção de Colares, rumo à costa, enchem-se de automóveis com frequência, dificultando a circulação de quem vive e trabalha na zona. Um cenário que a QSintra descreve como a habitual "traffic jam in paradise", paradoxo dos dias que vivemos.
Mas como travar o "caos no trânsito"? A associação propõe a criação de parques de estacionamento dissuasores na periferia, ligados aos pontos turísticos por "um sistema de transportes públicos amigos do ambiente". Por outro lado, sublinha a necessidade de se "proibir estacionamento selvagem e a circulação de autocarros desproporcionados e de todos os veículos poluentes e limitar drasticamente o número de tuk tuks, carrinhas, jeeps e autocarros de turismo", lembrando que "o ecossistema não conseguirá suportar uma pressão turística ilimitada e descontrolada".
A cada ano, os parques e monumentos administrados pela Parques de Sintra, que incluem o Palácio da Pena ou o Castelo dos Mouros, recebem mais de 3,5 milhões de visitantes. No boletim de 2022 do Instituto Nacional de Estatística dedicado à cultura, o Palácio Nacional da Pena voltou a estar no top 5 dos museus mais visitados do país. "Relativamente aos visitantes estrangeiros", pode ler-se, "mais de 5/6 concentraram-se nos museus localizados na Área Metropolitana de Lisboa".
Pressão imobiliária e acesso a habitação
A associação cívica pede também um olhar mais ponderado sobre os licenciamentos que possam agravar o desequilíbrio gerado pelo turismo. "Os projectos de novos hotéis, de empreendimentos imobiliários e de superfícies comerciais não podem ser bem-vindos quando vêm agudizar os problemas, já de si graves, no plano da mobilidade e da gestão do espaço urbano, degradando a qualidade de vida dos residentes e comprometendo a oferta de um turismo de qualidade, sustentável, atraente para quem visita e quem acolhe. Há que fazer um levantamento sistemático de todos os grandes projectos em perspectiva e avaliar o seu impacto sobre a paisagem, o ecossistema, a mobilidade e a vida das pessoas", defendem. Para os que consideram a reabilitação de edifícios positiva só por si, a associação refere que a reabilitação, existindo, não pode "pôr em causa a harmonia arquitectónica e os elementos construtivos" e que os seus fins devem ser "habitacionais, sociais ou culturais".
Além de uma visão integrada do planeamento urbanístico e da mobilidade, bem como da protecção exigente das áreas verdes, a associação defende a aposta na cultura e no comércio de pequena escala. Sintra deve munir-se, afirma a QSintra, de "uma oferta cultural mais forte e permanente", bem como revitalizar as "infra-estruturas já existentes, tais como o Centro Olga Cadaval e o MUSA, ambos desaproveitados, com uma programação errática e pouco atraente", critica o colectivo.
Por fim, e para que não haja mal-entendidos, a associação sublinha que não é contra o turismo. "Queremos que Sintra e os sintrenses possam conviver com o turismo, mas um turismo que respeite e torne melhor a vida dos que aqui vivem e não, ao contrário, que os prejudique no seu dia-a-dia e os leve a fugir do que ainda resta de vida própria nos bairros, na serra e na zona envolvente até à linha do Atlântico".
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