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Herói local: Pedro Dias, o homem que levou o jazz ao café do bairro

Pode ser comum tornar um café o ponto de encontro do bairro, mas juntar a jogos de futebol amor ao jazz ou às artes visuais é outro patamar. Pedro Dias contou-nos como aconteceu.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Pedro Dias
Francisco Romão PereiraPedro Dias
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Cresceu no Alto de Santo Amaro e a primeira casa foi o Café Dias. A segunda era onde dormia, anos 70, no Bairro Alto. “Vinha para aqui na alcofa, fazer de bibelot”, brinca Pedro Dias, dono do café que o pai, António, comprou em 1969. Aos 7 ou 8 anos, vendeu a primeira bica, por 9 escudos. Não era exploração infantil, só a vida a acontecer. “Ajudar o meu pai a tirar cafés, varrer o chão, era intrínseco a estar ali.” Assim tem acontecido, de certa forma, com quem passa pelo Café Dias. Uns, como Paulo, ficaram atrás do balcão, outros, como Joaquim, ajudaram a levar a casa para a frente, logo a seguir à morte inesperada do pai de Pedro, “o pilar da família”, no último dia de 1999. 

Pedro Dias, que tinha concluído os estudos em Matemática, ficou com o espaço. Mas mais do que as coisas lhe nascerem das mãos, o que é hoje o Café Dias, com as suas quintas-feiras de jazz e o calor no trato, vem das dinâmicas e das pessoas em torno do maior centro social de sempre da vida portuguesa: o café. 

Em 2003, o espaço passou por uma segunda transformação, esta física, voltando mais luminoso e moderno, sob o desenho do amigo e arquitecto José Adrião. Também assim, pela força das ligações, se criaram as sessões Jazz às Quintas (começaram na inauguração do renovado Café Dias, em 2003, e tornaram-se semanais em 2012, sob a programação do baterista João Lopes Pereira e com a passagem de nomes incontornáveis do jazz nacional). Mais tarde alguém sugeriu que a palavra dita cairia bem ao lugar e veio a poesia, às terças, com os Dias Ditos (após o travão da pandemia, retornaram em Novembro, à segunda-feira). Também chegaram exposições, instalações e projecções de jogos de futebol, porque este, lembre-se,é um café de bairro” e é das ideias do bairro que vêm as coisas. Em tudo isto, a única “casmurrice” vinda de Pedro Dias, amante de cinema documental, foram os Docs às Segundas. Na cave, como provas dos crimes, mostram-se hoje os cartazes que compõem a história oficial café, marcado pelas sessões de música e de cinema, para lá do dia-a-dia.

Os clientes a bater com o pé

Foi o jazz, no entanto, que mais extrapolou as fronteiras do Alto de Santo Amaro, chegando o café a receber pessoas de outras pontas de Lisboa, de forma mais ou menos regular. Para Pedro, que cresceu tanto na rua em frente ao Café Dias como nas noites do Lux ou do Incógnito, o jazz só o tocou a sério, curiosamente, depois de os instrumentos tocarem no seu espaço. “Comecei a ir ao Hot Clube, ao Seixal Jazz…”, conta. “Não havia muita cultura a acontecer no bairro e a população não saía muito daqui. Então, achei que devia trazer o jazz para cá.” Ao fim de uns tempos, começava a ver os clientes de sempre, que apostavam em torradas ou cerveja, a bater com o pé ao som dos graves. “É isto que eu quero que aconteça”, pensou.

Após 55 anos de actividade, os Dias abriram recentemente, na porta ao lado, um espaço de take-away, com as mesmas refeições que se servem no café, mas prontas a aquecer e a comer em casa. Não há encomendas. A ideia é, e será sempre, ir lá, trocar dois dedos de conversa com a anfitriã (no caso, a esposa de Pedro Dias a título de curiosidade, também o irmão e o filho dão uma mão no café), e perceber por que é que, em 2024, as coisas ainda se fazem assim neste lugar. Se é fácil, não sabemos. Mas é raro.

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