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A diferença é gritante: de Junho de 2017 a Dezembro de 2023, a aplicação Na Minha Rua, lançada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), registou 795.449 ocorrências e a higiene urbana destaca-se como a área dominante, com 600.056 entradas. A seguir surgem os 42.262 registos sobre iluminação pública, em terceiro, o tema dos passeios e acessibilidades (41.317 ocorrências) e, a seguir, a área de árvores e espaços verdes (31.874), o saneamento (26.429), estradas e ciclovias (22.283), estradas e sinalização (21.423) e animais em ambiente urbano (9805). Os dados provêm de uma análise promovida pelo Movimento pela Democracia Participativa (MDP), que informa, citado pela agência Lusa, que a higiene urbana reúne “o maior número de ocorrências em todos os anos”. Portanto, não há surpresas.
Detalhando ainda mais os dados, é possível perceber que, no âmbito da higiene urbana, os sacos ou outros lixos abandonados, com 8829 referências, ocupam a maior fatia de pedidos realizados através da aplicação. Mas a limpeza da via pública (3598) e os resíduos em torno de ecoponto e vidrões (616) também são factores de grande mobilização dos cidadãos. Já no ponto da iluminação pública, o maior número de ocorrências relaciona-se com candeeiros apagados (3711) e, quanto aos espaços verdes, a grande preocupação é o corte de ervas em passeios (1716 registos).
Arroios, Lumiar e Alvalade à frente nas queixas
“A quantidade de pedidos de limpeza pública é significativa, demonstrando a necessidade de reforçar os serviços de limpeza. As freguesias mais populosas também são as que apresentam mais pedidos de limpeza pública”, sublinha o MDP, ao mesmo tempo que chama a atenção para o “aumento da quantidade de lixo nas ruas”.
De acordo com a análise divulgada esta segunda-feira, 15 de Julho, as freguesias que apresentaram mais pedidos relacionados com a higiene urbana foram Arroios, Lumiar e Alvalade. Apesar de estas não serem zonas de grande afluência turística, na opinião pública e na de Carlos Moedas, presidente da CML, há uma relação estabelecida entre recursos disponíveis para a recolha do lixo e limpeza urbana e a carga turística sobre a cidade, que tem levado o autarca a afirmar repetidas vezes que as verbas provenientes da taxa turística (que quer duplicar para quatro euros) devem servir também para a financiar a higiene urbana. "Temos tido problemas naquelas zonas com mais alojamentos locais, porque os estrangeiros que nos visitam não sabem onde devem colocar o saco do lixo e põem-no na rua", analisou o autarca no início do ano, acrescentando que a Câmara não quer "ver as pessoas irritadas" e "em fricção com os turistas".
As contas do município, onde a gestão da higiene urbana é partilhada entre a Câmara e as 24 juntas de freguesia, apontam para uma produção de cerca de 900 toneladas de lixo por dia em Lisboa. Caixotes a transbordar de lixo, ecopontos cuja capacidade (ou pouca frequência de recolha) não chega para acolher os sacos dos moradores e visitantes, e lixo avulso nas ruas da capital são cenários comuns (daí ser este o tema que mais registos motiva, todos os anos, na app da CML), mas a sensação geral é de saturação e até de consternação sobre o que a sujidade urbana pode representar em zonas históricas como o Bairro Alto, onde várias vezes se registam pragas de ratos, baratas ou outros animais.
Em declarações ao jornal Público, a presidente da freguesia de Arroios, Madalena Natividade, que encabeça a lista de queixas sobre higiene urbana, defende que se “o comportamento de muitas pessoas não ajuda, deixando os monos em sítios impróprios e sem ligar para o serviço de recolha”, as maiores dificuldades relacionam-se com o facto de Arroios ser uma freguesia “com uma densidade populacional que é o dobro do que seria suposto". Os seus 60 mil habitantes produzem cerca de 12 toneladas de lixo por dia, quantidade justificada pelo grande volume de espaços a operar nas áreas do comércio e da restauração.
Já Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, aponta ao mesmo jornal uma sobrecarga de eventos e de actividade comercial no território que agrega bairros como a Mouraria, Alfama, Baixa ou Chiado, a par de "uma profunda alteração dos hábitos, com os estabelecimentos a terem horários muito alargados". “Há estabelecimentos que funcionam até às tantas e assim é difícil”, nota o responsável, sugerindo que um reforço e uma adaptação dos horários na recolha de resíduos: “Em alguns sítios, é cedo de mais. Deveria haver uma segunda volta.”
Note-se que, em algumas freguesias da cidade, não há recolha de lixo ao fim-de-semana ou, pelo menos, ao domingo, gerando um cenário de caos à segunda-feira, problema que tem sido apontado por vários presidentes de junta. Sobre esta questão, a Câmara tem respondido sobretudo com números como a contratação de 280 pessoas desde 2021 ou o investimento de 19 milhões de euros em equipamentos, de acordo com o sublinhado por Carlos Moedas em Janeiro, na inauguração da Unidade de Higiene Urbana de Belém. A CML diz agora ao Público que está a reforçar os meios de recolha e a frequência de passagem de viaturas.
Uma aplicação que perdeu "eficiência"
Regressando ao estudo promovido pelo MDP, o movimento também realça que “a aplicação Na Minha Rua começou por ser uma boa (excelente) ideia que, com o tempo, se foi banalizando e perdendo credibilidade e eficiência”. A ferramenta “nunca foi capaz de lidar de forma decente com a repartição de competências entre juntas de freguesia e as da Câmara Municipal”, além de que “o sistema está cheio de falsos encerramentos” de ocorrências. "Se uma ocorrência pertence a um tipo cuja resolução compete a uma junta de freguesia, então deve ser esta quem lida com a resolução, de forma directa e activa e não ser apenas encerrada após encaminhamento para essa autarquia por parte dos serviços da CML", detalhou Rui Martins, do MDP, numa carta enviada à Time Out ainda antes da divulgação dos resultados deste estudo.
Por outro lado, a app "não devia substituir a normal intervenção das equipas municipais ou das juntas que, todos os dias, percorrem a pé ou de veículo as freguesias da cidade", aponta o habitual utilizador da ferramenta, onde introduziu mais de 3000 ocorrências e com a qual acabou por se desiludir. Acontece ainda que autarquias locais, juntas de freguesias, Polícia Municipal e EMEL abrem ocorrências directamente na aplicação, "gerando uma grande quantidade de pedidos duplicados e de falsos encerramentos". "O sistema foi pensado e é eficaz se for usado por e para os cidadãos, e não como uma aplicação para uso 'interno' dos serviços da CML ou das juntas de freguesia. É absolutamente inaceitável que uma parte da CML (EMEL ou Polícia Municipal) encerre uma ocorrência alegando que 'o assunto é com a CML', como já me sucedeu por diversas vezes", prossegue o responsável, apontando um último problema: o facto de a CML não conseguir gerir o número elevado de encerramentos de processos por entidades externas. Numa declaração enviada à Time Out por e-mail, porém, a EMEL esclarece que, não sendo proprietária ou administradora da ferramenta, "não lhe é permitido 'abrir', 'encerrar' ou fazer alterações a qualquer tipo de ocorrência registada nesta aplicação".
Diagnosticando a necessidade de "devolver credibilidade à Na Minha Rua", Rui Martins aponta a urgência de tornar a sua utilização "compatível com os prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo algo que, manifestamente, não está a acontecer de forma sistemática e generalizada".
Notícia actualizada às 16.25 de 19 de Julho de 2024, com a declaração prestada pela EMEL.
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