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‘Homens de Honra’ e a dificuldade de “construir em cima de memórias vivas”

Mário Soares e Álvaro Cunhal são as peças centrais de ‘Homens de Honra’, série biográfica que estreia na RTP em 2024. A produção será também adaptada ao cinema, dividida em dois filmes.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
Romeu Vala
©Pedro Pina - RTPRomeu Vala, em 'Homens de Honra'
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Homens de Honra é um dos títulos a caminho da grelha da RTP, uma série de oito episódios que acompanha as vidas de Mário Soares e Álvaro Cunhal, dois homens que marcaram uma era na política em Portugal, estivessem ou não do mesmo lado da barricada. A data de estreia ainda não foi avançada, mas é certo que acontece no próximo ano, à boleia das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos.

De um lado a série Homens de Honra, do outro os filmes Camarada Álvaro e Soares é Fixe. Pelo meio, a mesma história, a mesma realização, produção e elenco. O projecto será apresentado em dois formatos, tal como O Pai Tirano (SIC) e Salgueiro Maia – O Implicado (RTP), também produzidas pela SkyDreams para a televisão nacional, a produtora que fez nascer Homens de Honra. Fomos assistir a uma manhã de gravações no Estabelecimento Prisional de Caxias, um dos cenários da produção, que no ecrã servirá como o Forte de Peniche. Este é um dos mais destacados e famosos cenários, pelos piores motivos, da vida de Cunhal, que ali esteve encarcerado, acabando por fugir em 1960, com outros camaradas, após um total de 11 anos preso (oito no Estabelecimento Prisional de Lisboa).

Homens de Honra
©Pedro Pina - RTPRodagem de 'Homens de Honra'

José Fragoso, director da RTP1, também acompanhou a rodagem e à Time Out sublinhou que este é apenas um dos projectos de ficção que o canal irá exibir no próximo ano. "É importante dizer que do ponto de vista das comemorações dos 50 anos [do 25 de Abril], elas já estão em dinâmica há algum tempo. Por exemplo, quando estreámos as Três Mulheres em Abril do ano passado, já estávamos a dar o sinal para os 50 anos e com certeza que alguns dos projectos vão passar para 2025 e até, se calhar, para 2026", revela Fragoso, para quem o arco comemorativo não é exclusivo de 2024. "Sobre esta proposta em particular, que partiu da SkyDreams, o director da RTP1 considera-a "inovadora". "Porque pega em duas personalidades que são muito fortes da nossa vida política, estão muito ligados à resistência anti-fascista e também à situação política no pós-25 de Abril. Estiveram sempre envolvidos em grandes dinâmicas políticas e estão indelevelmente ligados à história de Portugal desses anos."

A série Homens de Honra terá assim duas linhas narrativas, mas que se entrecruzam numa história que será contada de forma cronológica, como explica o realizador Sérgio Graciano. “Imagina, em 1961 não há nada do Mário Soares, mas há do Álvaro Cunhal, depois passa para 63, que já é ao contrário. É uma linha cronológica, respeitando a história de cada um deles.” Já no cinema, cada filme estará mais dedicado a cada um dos políticos. Graciano explica melhor: “Os filmes não abordam a vida deles, cada um deles aborda um momento da vida deles. O momento do Álvaro Cunhal é a fuga do Forte de Peniche. O momento do Mário Soares são as eleições de 1986”. E sublinha a dificuldade de “construir em cima de memórias vivas”. “Temos menos margem para errar, embora possamos errar, até porque isto não é um documentário, é uma adaptação livre da história de vida de um político, neste caso dois. A grande característica é tentar atirar sempre para os sítios certos e rezar para que acertemos e que as pessoas gostem.”

Homens de Honra
©Pedro Pina - RTPRodagem de 'Homens de Honra'

Romeu Vala (Bem Bom) é um dos actores que veste a pele de Álvaro Cunhal, neste caso entre os 18 e os 55 anos. Com 35 anos de vida, Vala foi rejuvenescido e envelhecido pela equipa de caracterização e fez uma pausa numa das cenas que estava a ser rodada para falar aos jornalistas. “Um dos maiores desafios deste trabalho que estou a fazer é perceber qual é o ano em que estou”, confessou. Mas tem uma preciosa ajuda. “Temos uma equipa de caracterização fantástica, dirigida pela Natália Bugalho [...], indispensável no nosso trabalho. Podemos trabalhar uma personagem de dentro para fora, mas o que está de fora infelizmente não conseguimos [os actores] modificar muito”.

Outro grande desafio foi precisamente interpretar os anos menos mediáticos do dirigente do Partido Comunista Português. “É praticamente impossível. Não há registos nenhuns do Álvaro Cunhal com 18 anos e quase até aos 50. E o Estado Novo fazia questão de esconder e de bloquear todo o tipo de informação sobre o Álvaro Cunhal. Na altura ninguém sabia quem era o Álvaro Cunhal a não ser quem se movimentava dentro do círculo do Partido Comunista e dos momentos de luta pela liberdade e pela democracia”, explica. Mas encontrou uma solução. “A construção foi feita um bocadinho na base daquilo que li, do que fui sabendo e daquilo que imagino que seja viver na época em que ele viveu, passando pelas situações de tortura, prisão, isolamento… Foi esse o caminho que eu depois usei para construir a personagem”. Uma personagem real que passou por isolamento na prisão e tortura. “É uma violência diferente da que nós estamos habituados, não é uma violência convencional para quem vive numa sociedade democrática [...]. A partir do momento em que eles vinham para um sítio destes, estavam à mercê daquilo que lhes quisessem fazer. E nada poderiam fazer contra isso. Isso é de uma humilhação brutal”.

Vitor d'Andrade
©Pedro Pina - RTPVitor d'Andrade, em visita ao Estabelecimento Prisional de Caxias

Nessa manhã, os trabalhos receberam a visita do outro Álvaro, o mais velho, interpretado por Vitor d'Andrade (Terra Nova) a partir do ano de 1973. O actor não esconde o peso da responsabilidade que sentiu ao calçar estas botas. “É assustador, de certa maneira, representar uma pessoa que foi tão importante e tão activa na nossa história recente. E tão fundamental para o estado em que estamos agora, em liberdade. É de uma responsabilidade imensa”, confessa. Cunhal foi uma “figura presente” no seu crescimento, porque a família acompanhava de perto o percurso do político (“o meu pai adorava-o”), mas não deixou de mergulhar nos arquivos, audiovisuais, literários e também humanos, para encarnar o personagem. E continua embrenhado nesta história. “Li bastante e continuei a ler. Já acabei a minha participação há uma semana e ontem comprei num alfarrabista o relatório dele de 76 para o partido, um livro de 400 páginas e estive duas horas sentado a ler aquilo para ver o que ele estava a dizer das eleições de 1976. E é engraçado, ele fala lá de uma ideia de geringonça, que o Partido Socialista não quis”, conta o actor, para quem Cunhal era o “epítome do homem político sério”. “Não era sinuoso e acho que faz falta políticos do género à esquerda e à direita. Há uma seriedade aqui que é uma coisa assim antiga. Mas ao mesmo tempo é admirável.”

No papel de Mário Soares, o elenco conta com os actores Alexandre Carvalho (Da Mood) e ainda Tónan Quito (Glória) que também deu um saltinho à rodagem. “É sempre complexo quando se vai pegar numa figura histórica, ainda por cima recente. No início, li tudo o que consegui sobre o Mário Soares, as biografias, os vídeos que há na RTP Arquivo. É fantástico, há ali muito material para agarrar”, recorda. Por fora, meteram-lhe um capachinho, mas não acrescentaram as famosas bochechas. E os maneirismos também ficaram de lado: “A realização disse que não era por aí, mas seria interessante apanhar alguma cantiga, ele era mais agudo. E a maneira de ele se mexer era muito peculiar, mas não queríamos que fosse sobre isso, sobre ter um grande virtuosismo na composição e criação do Mário Soares como ele era”. À semelhança do que Vítor d’Andrade disse sobre Cunhal, Quito acredita que o histórico dirigente do Partido Socialista é “uma espécie de político que já não existe”. “Há uma coisa que várias pessoas diziam, que era o grande respeito que ele tinha pelos adversários políticos. [...] Eu não vivi a ditadura, não sei o que é passar o dia todo com medo à espera que um dia vá preso mais uma vez. Mas percebi que não deve ter sido fácil. Os sacrifícios que tens de fazer, porque acreditas num grande ideal, de tirar um país das trevas e o tentar iluminar.”

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