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Húngaros vêm a Lisboa mostrar que “o turismo pode ser bom”. O segredo é a mistura

Programa do segundo takeover da Trienal de Arquitectura de Lisboa inclui passeios, cinema e conversas, e ainda um jantar que junta locais e turistas. A entrada é livre.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Palácio Sinel de Cordes
Ana ViottiEvento no Palácio Sinel de Cordes
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Os desequilíbrios causados pela densidade do turismo estão na ordem do dia, mas nem sempre a conversa vai à procura de soluções. É essa a viragem de pensamento proposta pelo Centro Húngaro de Arquitectura Contemporânea (KÉK), a organização não-governamental (ONG) convidada pela Trienal de Arquitectura de Lisboa para programar o segundo takeover do evento. A partir desta quinta-feira e até sábado, 25 de Novembro, o colectivo pensa diferentes formas de tornar o turismo menos denso na cidade, dando a conhecer espaços que normalmente ficam fora do roteiro, promovendo momentos comunitários, como conversas ou um jantar em que turistas e locais trocam saberes e comidas na cozinha e à mesa.

O programa gira em torno do Palácio Sinel de Cordes (na zona onde se realiza a Feira da Ladra), sede da Trienal, mas estende-se até Arroios e à Mouraria. O arranque, às 10.00 desta quinta-feira, faz-se com um passeio a pé a partir de um mapa turístico criado em regime de colaboração por ateliers e profissionais de arquitectura locais. O mapa é gratuito, de edição limitada e pode ser levantado no Palácio, e partilha “uma perspectiva muito local, que inclui histórias pessoais e lendas urbanas”. No fundo, é uma “Lisboa genuína” e menos imediata, com “histórias que quase ninguém conhece”, explica à Time Out o arquitecto János Klaniczay, do KÉK. Alguns pontos interessantes desta cartografia são a história da subida em bicicleta da Rampa do Vale de Santo António, o mítico Tejo Bar, onde se terminam noites entre taças de vinho e guitarras, a “brigada de resistência cultural” do bar, restaurante e sala de espectáculos Damas ou a casa mais antiga de Lisboa, em Alfama.

Novo mapa turístico da Trienal
DR/Trienal de Arquitectura de LisboaNovo mapa turístico da Trienal

Ainda na quinta-feira, há cinema às 19.00. A sede da Trienal recebe Silêncio – Vozes de Lisboa (2020), filme em que Celine Carlisle e Judit Kalmar mostram como “o centro histórico de Lisboa se transforma num ponto turístico da moda” e “as canções de fado tornam-se mais relevantes que nunca para descrever a dor do povo pela perda da sua cultura”.

Na sexta-feira, às 15.00, acontece um workshop em que organizações e colectivos locais e internacionais são convidadas a expor práticas sustentáveis, em Lisboa e Budapeste, com o objectivo de criar "comunidades resilientes, desenvolvimento sustentável do património e um turismo 'amigo da cidadania'". Às 19.00, por sua vez, há uma apresentação de projectos que “abordam de forma inovadora e criativa a questão do turismo”, em formato Pechakucha. Já o sábado, 25, é dia de jantar comunitário. A partir das 18.00, locais e turistas juntam-se à volta da mesa (é necessária inscrição prévia), também no Palácio Sinel de Cordes, para uma noite de intercâmbio gastronómico em que cada um pode levar comida feita em casa ou prepará-la no local.

Os locais como guias e decisores

De que forma tudo isto abre possibilidades para um turismo mais sustentável em Lisboa? A tese do KÉK é de que “o turismo pode ser bom, em termos sociais e económicos, desde que não seja em excesso”. Nesse sentido, é preciso trabalhá-lo por dentro, com a ajuda dos locais, integrando-o de uma forma saudável na cidade e disseminando-o por diferentes zonas. O objectivo é diminuir a pressão nas áreas mais procuradas, ao mesmo tempo que se potencializam os benefícios, como a reabilitação de património, por exemplo, e se abrem portas à diversidade cultural. É por estas razões que o segundo takeover da Trienal não quer um programa especificamente direccionado para turistas ou locais, colocando todos nos mesmos espaços. 

Por outro lado, o KÉK sublinha a importância de trabalhar a forma como os moradores olham e cuidam do espaço que habitam. “Os turistas, em geral, querem ir aos sítios mais famosos. Só que há uma nova tendência, de procura por experiências autênticas. Vamos então pegar nessa tendência e trabalhar as zonas que os próprios locais não valorizam? Se os moradores conhecerem melhor, mais profundamente, os locais onde vivem vão aumentar o seu sentimento de pertença, vão querer proteger o espaço de um turismo agressivo”, explica János Klaniczay. Para concretizar a ideia, o arquitecto partilha o exemplo de um projecto em que o KÉK convidou os estudantes de um estabelecimento de ensino em Budapeste a elaborar um mapa da zona circundante e a serem os guias de cada visita. “Com isto, acreditámos que eles iriam perceber melhor onde viviam e valorizar o espaço. Depois, imprimimos centenas de mapas que foram parar a outras escolas. Esta é uma forma de envolver as pessoas e de fazer com que queiram cuidar do ambiente onde vivem”, considera. 

Mas tornar outras zonas da cidade mais apelativas ao turismo não é contribuir para a gentrificação? “É claro que isto é tudo muito mais complexo. Não podemos fazer tudo, apenas a nossa parte, enquanto ONG. São sempre necessárias medidas políticas, como a protecção do direito à habitação, regulamentar os alojamentos locais, etc.”, afirma János. “No fundo, o que viemos cá fazer foi exportar o nosso conhecimento, partilhar as nossas experiências e tentar inspirar a fazer algo pela cidade.” 

A par dos eventos abertos ao público, todos eles gratuitos, o KÉK está também em Lisboa para instigar diferentes associações e comunidades locais a discutir o problema do excesso de turismo a partir das suas experiências e áreas profissionais. A finalidade é, mais uma vez, fazer com que destes dias possam nascer pequenas acções locais que sejam gatilhos de uma melhoria necessária.

Palácio Sinel de Cordes. Campo de Santa Clara. Qui-Sáb, vários horários

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