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Na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, está uma porta que nos leva para uma caixa negra, onde o chão se confunde com as paredes, pretas, tal como o tecto. O olhar demora a habituar-se, e a passagem do tempo permite reconhecer mais definição e detalhes das peças de Hugo Canoilas. O artista visual português, 45 anos, apresenta Moldada na Escuridão, um projecto resultado de um convite “que levou o artista a pegar nas profundezas do oceano como terreno fértil para o desenvolvimento de novas possibilidades poéticas, artísticas e políticas”, lê-se na nota que apresenta a mostra. A relação do artista com o fundo do oceano não é de agora. O fascínio tem tempo e já o levou a expor em Serralves, em 2020, pinturas e peças de vidro alusivas a medusas.
"O fundo do mar começa a ser um campo especulativo que ainda não está territorializado pelo racional, e isso oferece campo para explorar um conjunto de questões, novos mundos, novos mundos que criam novas possibilidades de ser e de estar, sejam elas políticas, éticas, sexuais, etc. Novas poéticas, novas relações entre coisas”, sugere o autor da exposição. Hugo Canoilas diz ter encontrado no mundo aquático “um campo que [lhe] importa muito”, visto ter sempre sido “um bocadinho crítico à opressão do racional no nosso quotidiano”. “Esse mundo fascinou-me.”
Tal como no Porto, também aqui Canoilas abdica do lugar onde habitualmente a arte está exposta nos museus – as paredes – para a colocar no solo. “Quando chegamos ao espaço somos convidados a olhar para o chão, e o facto de olharmos para o chão é logo um primeiro convite a tomarmos consciência do nosso próprio corpo”, explica o artista à Time Out. “A ideia é fazer as pessoas aproximarem-se. Podem perder-se em inúmeros detalhes e criar as suas narrativas, os seus caminhos. A ideia é as pessoas tornarem-se activas. É uma exposição impossível de ver rodando sobre o seu eixo vertical.”
Deambular pela galeria implica descobrir peças construídas com materiais como vidro, água, feltro ou recortes “de uma carpete que em tempos forrou o chão do museu Mumok, em Viena”, revela Canoilas. Este “turbilhão” de obras nasceu nos últimos dois anos e meio. Algumas já passaram por outros museus, mas o conjunto principal foi feito especificamente para esta exposição, que não tem um percurso definido, “até porque não há uma hierarquia”. Com paredes pintadas “para inscrever esta vontade de desafiar a imposição arquitectónica sobre o universo", entre o negro e a luz, "talvez o visitante se torne um performer no espaço, porque aparece e desaparece”, lança o artista, que acredita que a mostra “reflecte o facto de nós hoje vermos tudo muito rápido, tudo no ecrã do nosso telefone. Isto vai obrigar o corpo a baixar-se, a mexer, a tocar. É uma forma de exigir outro tipo de leitura”.
As luzes estão estrategicamente colocadas de forma a iluminar as peças e revelando brilhos similares aos de corais que se encontram no fundo do oceano. Hugo Canoilas assume o desejo de “devolver [ao visitante] um certo encantamento e maravilhamento pela natureza”. A primeira vez que fez obras em vidro, o artista lisboeta levou-as até ao mar. Passou horas a manipulá-las e a fotografá-las, qual ritual de iniciação da relação do artista com a sua obra. Desta vez, dispôs as obras de Moldada na Escuridão no parque da Fundação Gulbenkian, fazendo-as dialogar com a natureza que envolve a galeria em que estarão até Maio. Para explorar esses diálogos (ou outros), está agendada uma conversa com a curadora, Rita Fabiana, e o artista no dia 18 de Fevereiro, sexta-feira, às 17.00.
Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa). 18 Fev - 30 Mai. Qua-Seg 10.00-18.00. Entrada livre
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