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“Há uma luz ao fundo do túnel, muito ténue, mas há.” A frase sai quase em uníssono de Margarida Vicente e Anabela Santos, moradoras de Campo de Ourique e membros do movimento cívico Salvar o Jardim da Parada, que, sentadas na esplanada de um café junto ao pulmão da freguesia, falam das pequenas esperanças nascidas do atraso na obra de expansão da Linha Vermelha do metro. Por esta altura, um estaleiro de obra já deveria estar montado junto ao jardim e as dúvidas no ar são estas: não se cumprindo o prazo estipulado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), de terminar a empreitada em 2026, perde-se o financiamento comunitário? E não havendo fundos, como avançará a obra?
A secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Pinto Dias, já veio dizer que, pesem embora os atrasos e derrapagens orçamentais, todos os projectos "são para executar". Isto depois de o secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, Hélder Reis, ter afirmado que, perante o sinal vermelho quanto a obras de grande envergadura dependentes do PRR, surge a necessidade de reapreciar projectos. “Reorganizar aquilo que houver para reorganizar”, nas suas palavras.
Formado em 2022 para dizer que quer o metro em Campo de Ourique, mas não no pulmão da freguesia, o movimento Salvar o Jardim da Parada vê em tudo isto, se não uma janela, uma pequena brecha de oportunidade. “Estamos à espera que o senhor ministro das Infraestruturas nos informe sobre o que vai, afinal, acontecer. Ainda temos uma pequena esperança de que esta estação não vá para a frente”, afirma Margarida Vicente.
“No início de 2025, o estaleiro de obra será montado junto ao jardim”, afirmava em Setembro o presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, Hugo Vieira da Silva, em entrevista à Time Out. Mas a afirmação soa “estranha” ao grupo de cidadãos. “Se não há RECAPE [Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução], como é que começam as obras?”, questiona Margarida Vicente. A empreitada de expansão do metro regista atrasos entre os 18 e os 30 meses e derrapagens financeiras na ordem dos 500 milhões de euros. A Linha Vermelha, especificamente, vai em 18 meses de atraso.
Olhemos para os planos da expansão da Linha Vermelha do metro: desde São Sebastião, o traçado prepara-se para avançar até à zona de Campolide/Amoreiras, prossegue para o coração de Campo de Ourique, vai até à Infante Santo e termina em Alcântara. Entre as duas primeiras estações, a distância é inferior a um quilómetro. A esperança do movimento é que a de Campo de Ourique desapareça do Jardim, podendo abrir-se (ou não) noutra zona da freguesia. "Não somos contra o metro em Campo de Ourique. Somos é contra uma estação aqui", sublinha Anabela Santos, já abrigada da chuva, sob a copa de uma das árvores da Parada.
Os lódãos, a sequóia, a gingko
Muitas vezes “sobrelotado”, pelo facto de ser o único espaço verde de estadia na freguesia, como reconhece o presidente da Junta, Hugo Vieira da Silva, o Jardim da Parada é habitat de uma flora robusta, que levou décadas a fazer-se. Entre lódãos e metrosideros, há também uma sequóia, uma palmeira-das-canárias, uma ameixeira-de-jardim, uma tília-prateada, uma grevília, um castanheiro-da-índia e várias ginkgo biloba, estando alguns dos espécimes classificados como de interesse público.
A empresa Metropolitano de Lisboa (ML) garante que, após as obras, o jardim “manterá todas as suas características”, estando fora da equação o abate de árvores protegidas ou centenárias. Ao mesmo tempo, refere que “a construção da estação no subsolo do jardim não terá qualquer interferência com o enraizamento das espécies arbóreas existentes”, uma vez que o túnel terá uma profundidade de 35 metros. A empresa assume, porém, a retirada de seis lódãos, que será compensada com a plantação de novos. Já os três “exemplares arbóreos classificados existentes terão garantida uma zona de protecção de 20 metros de raio”. Mas o movimento Salvar a Parada duvida, defendendo que a obra vai gerar “graves riscos de morte”.
“O poço de ataque vai ter um diâmetro de 14 metros, a profundidade será de 36 metros, portanto as árvores mais próximas vão ser atingidas nas suas raízes. A água existente no subsolo do jardim vai ser bombeada para a ETAR de Alcântara e, por fim, cereja no cimo do bolo, todo o solo será impermeabilizado. Diz o senso comum que isto é suficiente para a médio/longo prazo matar o arvoredo”, explica Margarida Vicente. Mais do que “um erro”, avançar com o plano da estação na Parada, declarava por escrito à Time Out, em Outubro de 2023, Susana Morais, do mesmo movimento, é “um atentado devastador e absolutamente indefensável ao património ambiental, histórico, social, económico e cultural”.
Ao mesmo tempo, o novo traçado “está cheio de curvas”. “O engenheiro Santos Silva, que esteve no metro muitos anos, diz que quanto mais e maiores forem as curvas, pior. Há desgaste de material, a velocidade diminui e o custo energético sobe. Não se poderia fazer a linha pela Rua Ferreira Borges, sempre a direito, para onde até há um projecto de requalificação?”, questiona Margarida Vicente. Talvez não seja viável, mas a falta de diálogo com a ML (e com a Câmara) não permite avaliar em conjunto outras opções.
Explicações: precisam-se
Na opinião de milhares de cidadãos (recorde-se que a petição para Salvar o Jardim da Parada conta com quase 9000 assinantes, quase metade da população registada na freguesia), a implantação de uma estação de metro tem “alternativas no bairro, que são apoiadas por engenheiros civis que se juntaram ao movimento, bem como engenheiros do ambiente, arquitectos paisagistas, geólogos, hidrólogos, historiadores,etc., que também tomaram uma posição divulgando contrapropostas”. Margarida Vicente e Anabela Santos reflectem, por exemplo, se não serviria melhor a população uma estação mais próxima da Avenida de Ceuta e Rua Maria Pia, uma zona da freguesia mais pobre no que toca à acessibilidade em transportes públicos e que ficará mais distante do que a Parada da futura estação das Amoreiras.
Estas são as ponderações do movimento cívico, mas quais foram as da ML? “Desde 2022, temos pedido ao Metropolitano de Lisboa que divulgue os estudos comprovativos desta escolha e até hoje nada. Não há transparência”, afirma Margarida Vicente. “E há coisas que nos parecem primárias, como os cidadãos serem informados.”
Ao longo dos meses, a empresa de transportes tem reiterado que esta é a “melhor solução da ligação de São Sebastião a Alcântara”, conforme frisou o seu presidente, Vítor Domingos dos Santos (para quem desistir da estação no Jardim da Parada é perder automaticamente os fundos do PRR), em Janeiro de 2023, citado pelo Jornal de Negócios. “Todos os estudos, todos os trabalhos que nós fizemos, a conclusão de todos os diversos passos que fizemos foram para aí." Mas ninguém sabe deles. “A Profico ou o Metro deveriam esclarecer por que razão a estação tem de ser aqui e não noutro local de Campo de Ourique”, sublinha Margarida Vicente.
Susana Morais, do mesmo movimento, vai mais longe: “Foi-nos retirado um direito que existe na Constituição. Só nos foi concedida uma sessão de esclarecimento, a 8 de Junho de 2022, já seis dias após o fecho da consulta pública. Nunca nos ouviram, nem quiseram ouvir. Afirmam que estamos perante factos consumados e nada podemos fazer, o que também não é verdade. Ainda tudo pode ser feito, desde que haja vontade e bom-senso”, declarou a responsável à Time Out em Outubro do ano passado, o mês em que a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou por unanimidade a recomendação de alterações ao projecto, na sequência da discussão de duas petições sobre o assunto (uma delas a do movimento Salvar o Jardim da Parada).
A aprovação foi um sinal de “validação e confirmação” das suas principais preocupações, sobretudo, no que toca à “falta de transparência” e a “total ausência de resposta do Metropolitano aos pedidos de informação estratégica e crucial para uma avaliação clara e objectiva da solução preconizada para o traçado da expansão da Linha Vermelha”. Mas não chegou.
A providência cautelar
Falta falar da providência cautelar, interposta em 2022 pelo Fórum Cidadania Lx, em conjunto com a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza e a Casa de Goa – Associação de Goa, Damão e Diu, e acompanhada pelo movimento Salvar o Jardim da Parada, sobre a qual o tribunal emitiu uma decisão desfavorável, visto que a obra ainda não começou a ser executada.
Em suma, o movimento foi ouvido na Assembleia Municipal, na Assembleia da República, em comissões do Ambiente, e vai “continuar a falar, até à última”. “Não por via judicial, porque não temos dinheiro – até os cartazes temos de imprimir do nosso bolso – mas vamos continuar a aparecer em todo o lado”, garantem Margarida Vicente e Anabela Santos.
A Time Out questionou o gabinete do ministro das Infraestruturas e Habitação sobre a possibilidade de existirem alterações ao plano de expansão da rede do metro em Lisboa, mas não obteve resposta.
Nota: O Recape foi entretanto publicado e está em consulta pública. No relatório, as principais alterações assumidas são a opção pela escavação de um poço de ataque em vez de dois, ao mesmo tempo que a nova gare deverá ser desviada da localização inicialmente pensada.
Artigo actualizado no dia 5 de Novembro de 2024, às 13.00, com a nota de publicação do Recape.
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