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Com 52 anos, Jo Koy é hoje um dos mais bem-sucedidos comediantes do planeta. Norte-americano, filho de uma mãe filipina, encontrou na família inspiração para se fazer à estrada e construir uma carreira de sucesso sustentada em várias décadas de muito trabalho. Os quatro especiais de comédia que podem ser vistos na Netflix acabaram por apresentar o talento de Jo Koy ao mundo e há pelo menos mais dois espectáculos a caminho do streaming. Um está a ser construído nesta tour que agora chega à Europa. A 15 de Maio, o comediante sobe ao palco do Sagres Campo Pequeno, um espaço criado para ser um praça de touros. Isto apesar de ser vegetariano e se recusar a comer tudo o que anda e respira. Foi uma das coisas que nos contou numa entrevista feita por videochamada, onde nos alongámos sobre o humor, temas universais e... Globos de Ouro.
Vamos começar por este espectáculo que te traz à Europa. O que nos podes contar sobre ele e do que se trata?
Estou a preparar-me para gravar o meu sexto especial para a Netflix, porque o quinto será lançado a 4 de Junho. E é disso que se trata toda esta digressão: sobre voltar à estrada e construirmos juntos uma nova hora de espectáculo. Tem sido divertido. Chegar à Europa foi a melhor parte desta digressão, porque é onde termino. Depois tiro umas férias durante alguns meses. Tenho sido abençoado com uma profissão em que posso trabalhar onde as pessoas gostam de ir de férias.
Já conheces o público europeu. Existem algumas diferenças entre os países da Europa, mas somos parecidos em muitas coisas. Sentes que este público reage de forma diferente comparado com, não sei, os EUA ou outros países onde tenhas actuado?
Não creio. Acho que é igual, sabes. Às vezes, tenho de abrandar um pouco o ritmo, articular melhor as palavras e não ser tão preguiçoso com as palavras, como quando estou na América. Acho que essa é a única adaptação que faço quando venho para a Europa. Mas, de resto, o tempo de reacção e o humor, é tudo é igual. Quando falas sobre família ou falas sobre a tua mãe ou o teu filho, todos entendem. Não importa onde estejas no mundo. Há mães em todo o lado, há crianças em todo o lado, todos entendem. Os pais têm as mesmas histórias. É divertido ver as pessoas relacionarem-se com as mesmas coisas sobre as quais falo.
Falas de temas universais como a família. Mas tens algumas referências no espectáculo que não usas aqui?
Uso as minhas piadas em todo o lado. Acho que são sempre compreensíveis, não importa onde estejas. Quer estejas a falar da tua idade, dos teus filhos ou dos teus pais. Todos entendem. Não acho que haja alguma diferença que tenha de ajustar. A única coisa que gosto de mencionar é o seguinte: eu saio para aprender o que os habitantes locais fazem em cada cidade e informo o público que visitei a cidade e vi isto e aquilo. Todos têm falhas e gosto de apontar isso. Assim sabem que é um espectáculo mais pessoal. Que eu realmente visitei e absorvi essa cultura.
Já estiveste em Portugal?
Nunca.
Sabes que em Lisboa o teu espectáculo vai ser no Campo Pequeno. É uma arena de touradas. Não é um assunto pacífico em Portugal. Muitas pessoas não gostam, outras pessoas gostam…
Acho que é assim em qualquer país. Há sempre uma tradição que algumas pessoas adoram e outras nem tanto. A boa notícia é que não vou tourear. Por isso acho que consigo manter uma posição neutra. Mas entendo. Eu não como carne. Portanto, podes imaginar de que lado estou. Não como carne vermelha, não como frango, não como porco. Não como nada que ande e respire.
Este é um debate antigo, é uma pergunta que muitos fazem e também quero fazer. Achas que há limites para o que um comediante pode dizer?
Não creio. Acho que ninguém deve ser censurado. Todos devem poder dizer o que quiserem. Chama-se liberdade, certo? No momento em que começamos a censurar o que as pessoas podem ou não dizer e a criticar as pessoas pelo que sentiram vontade de dizer, não sei, parece que já não se está a viver a vida. É lamentável. As pessoas vão dizer algumas coisas estúpidas? Deixa-as dizer. Têm o direito de o fazer. Mas pronto, no momento em que dizes a alguém que não pode dizer algo, então, caramba, já não estamos a viver.
Ainda é pior?
Sim e para mim é triste. Não concordo com o que as pessoas dizem o tempo todo, mas uma coisa com a qual concordo é com a possibilidade de dizeres o que quiseres dizer. Seja bom, seja mau.
Há muitas coisas más a acontecer por todo o mundo. Como sempre, é a história da humanidade. Mas o teu trabalho não é político, excepto algumas notas importantes sobre o racismo, por exemplo. Vês-te como uma forma de escapismo para tudo isso? É mais importante do que nunca rir agora?
Acho que sim. Voltemos a rir. Deixa-me triste quando as pessoas estão tão sérias. E estou um pouco cansado de desculpas do género: ‘Não entendes pelo que estou a passar’. Bem, tu também não entendes pelo que todos estamos a passar. Todos temos as nossas merdas para lidar. Só que algumas pessoas lidam com isso de forma diferente. E eu não gosto de falar sobre o que tenho de enfrentar, não quero contar às pessoas o tipo de emoções que sinto todos os dias e as dificuldades que enfrento. Tenho muitas responsabilidades, mas não vou sentar-me e despejar isso noutra pessoa. Vou lidar com isso sozinho e passar pela vida a rir como sempre faço. A vida não é assim tão séria.
Não te levas muito a sério.
Não, não acredito nisso. Não quero ficar sentado a lamentar-me e a afundar-me na tristeza e nas dificuldades. É uma escolha estar nesse estado ou estar num estado de espírito mais feliz e à procura de boas soluções. Gosto de ser feliz.
Falas muito sobre a tua família nos teus espectáculos. Quando decidiste ou pensaste que esse seria o caminho a seguir?
Foi algo natural. Costumo dizer às pessoas que a comédia está baseada em diferentes géneros. Não há um único estilo de comédia. Tal como não há um único estilo de música. Há rap, country, rock, música electrónica… Existem todos os tipos de formas diferentes de música. E sabes que mais? Nem todos gostam de todos os tipos de música e é assim com a comédia. Existem diferentes géneros. Há comédia política, há contadores de histórias, há marionetistas, há palhaços. E sempre me senti atraído pelos contadores de histórias, sempre adorei. Adorava quando o Eddie Murphy e o Richard Pryor falavam sobre a família, quando o Louis Anderson falava sobre o irmão mais novo e a mãe, ou quando Dennis Wolfberg falava sobre os seus alunos na sala de aula. Sempre me identifiquei com os contadores de histórias e não conseguia fartar. Foi algo natural. Por isso, quando comecei a fazer stand-up, a primeira coisa sobre a qual comecei a falar foi sobre mim.
Durante muitos anos, trabalhaste no circuito de comédia local e trabalhaste muito para chegar onde estás agora. Acreditas que isso te torna uma pessoa mais centrada, mais empática?
Sim. Em 1989, quando comecei, tinha 18 anos. Portanto, já se passaram 35 anos. 35 anos! A parte mais difícil foi rezar para que as coisas que sacrifiquei não se tornassem um fardo para o meu futuro, porque pensei que isso iria acontecer. Tipo: ‘Estou a sacrificar isto apenas para perseguir o meu sonho. O meu filho vai me amar?’. Só podes esperar e rezar para o fazer da maneira certa, mas também não queres desistir do teu sonho e não viver a tua vida. Posso ser um bom pai, mas também quero mostrar ao meu filho: ‘Seja qual for o teu sonho e o que quiseres perseguir nesta vida, quero que o faças’. E espero tê-lo feito como exemplo. E ele viu cada passo do caminho. Agora aqui está ele na estrada comigo e tem sido uma bênção.
Não sei se queres falar sobre isso mais uma vez. Muitas pessoas te perguntaram sobre os Globos de Ouro. Era uma audiência difícil?
Imagina conseguir um trabalho com dez dias de antecedência. A coisa de que mais gostei foi quando grandes [comediantes] como Steve Martin, Jimmy Kimmel, Seth Meyer e Kevin Hart disseram todos a mesma coisa. É como se apenas eles pudessem entender. Se nunca fizeste isso, não entendes o que significa ter dez dias para preparar um monólogo com dois argumentistas que nunca conheceste. Há tantas coisas que posso mencionar, mas quando falas sobre isso as pessoas dizem: ‘Ah, ele está a arranjar desculpas’. Bom, não é uma desculpa, é o que aconteceu. Aliás, os Globos de Ouro são o único evento de prémios em que as pessoas estão a comer.
Sim, há muito barulho.
Há pratos de comida e bebidas à frente de todos. Estão-se a borrifar. O que esperas fazer quando tens um monte de pessoas a comer num buffet?
Considerarias fazer uma coisa do género outra vez?
Estou sempre disposto a correr riscos. Uma coisa que nunca dizem a ninguém é que ofereceram esse trabalho a muitas pessoas e que todos o recusaram por causa dos dez dias. Todos sabiam que não era tempo suficiente. Só sei que em 81 anos de existência desse programa, fui o primeiro asiático a quem ofereceram isso. O primeiro asiático a solo. Portanto, em 81 anos num programa que já foi rotulado como um dos mais racistas [da televisão norte-americana]. Mas, infelizmente, só tiveram dez dias para se preparar, eu só conheci o meu argumentista no dia anterior. As pessoas não sabem disso.
Alguma vez sonhaste que terias fãs por todo o mundo? Acredito que a Netflix te tenha ajudado muito com os especiais em streaming.
O primeiro especial que gravei para a Netflix paguei do meu próprio bolso. Sabia que o streaming seria a melhor forma de divulgar o meu trabalho e levá-lo para o mundo. E agora estamos aqui. Poder conectar-me com o mundo é uma coisa bonita. Em vez de estar apenas num mercado específico, agora é o mundo.
É um mundo grande.
Estou sentado na Suécia a falar com alguém em Portugal.
Jo Koy – European Tour. Campo Pequeno. 15 de Maio (Qua) às 21.00. Bilhetes: 30€-65€
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