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Joana Botelho visitou por três vezes Coney Island, uma península nova-iorquina banhada pelo mar. Mas sempre que lá chegou foi como se fosse a primeira vez. Dessas experiências, nasceu no ano passado Coney Island – As Primeiras Vezes, uma pequena obra documental que valeu à actriz e realizadora um Prémio FNAC Novos Talentos e, neste último domingo, o seu primeiro Prémio Sophia, na categoria de Melhor Curta-Metragem de Documentário. Agora, está prestes a estrear numa sala comercial, mais exactamente o Cinema City Alvalade, no dia 6 de Junho, às 20.00.
Coney Island – As Primeiras Vezes é fruto da vontade de contar histórias e também de uma passagem por Nova Iorque, onde Joana Botelho fez um trimestre numa escola de formação de actores, o HB Studio. Aliás, as memórias transpostas para o filme foram registadas por uma câmara que levou emprestada de uma colega. Antes, Joana Botelho estudou cinema e vídeo na Escola Artística António Arroio, trabalhou em produção de cinema na Leopardo Filmes e viveu cinco anos em Londres, onde também estudou representação na Identity School of Acting. Mas foi um livro – Just Kids, de Patti Smith – que lhe deu vontade de chegar ao final da Linha F do metropolitano da Grande Maçã, antes bater os calcanhares três vezes como Dorothy, de Feiticeiro de Oz, e trazer-nos o mundo encantado de Coney Island. Falámos com a realizadora por telefone.
Após o prémio FNAC Novos Talentos, estiveste pela primeira vez nomeada ao prémio Sophia – e ganhaste. Estavas à espera que isto acontecesse?
Não, não estava à espera. Mas houve uma coisa muito bonita, porque eles passam as VTs [videotapes] dos nomeados. E quando passou o meu filme as pessoas manifestaram-se e senti que gostaram. Então aí achei que era possível. Foi um filme feito com amor e vontade de o fazer e de repente ganha proporções que não estávamos à espera mesmo.
Quando subiste ao palco agradeceste ao Frederico Batista [responsável de comunicação do Lu.Ca] por ter ajudado a organizar o que tinhas na gaveta, numa certa confusão. Como é que isso se processou?
Eu já tinha estas imagens de Coney Island e a ideia de que queria fazer uma pequena curta. Depois de já estar há algum tempo a tentar editar, tentei ver de fora e pensei: isto, se tivesse um narrador e uma história que organizasse aquilo que vai na minha cabeça, se calhar funcionava de uma maneira mais bonita. E foi aí que eu lembrei-me do Frederico, porque somos amigos e já trabalhámos juntos noutra vida, noutras profissões. E o Frederico escreve muito bem, sabe ver as coisas de uma maneira clara. O que eu fiz foi despejar um bocadinho do caos que ia na minha cabeça num grande e-mail e o Frederico pegou nisso tudo e fez a narrativa do filme. E assim que tive a narrativa foi muito mais fácil criar a história e editar.
O filme fala das memórias incompletas. Uma pessoa vai a um sítio uma, duas, três vezes e é sempre a primeira vez. Mas o que nos queres contar com esta história?
Às vezes as coisas não acontecem só de uma vez. Aqui foi: eu comecei por ler um capítulo de um livro que me levou lá, porque quando estamos a ler vemos imensas imagens. Acho que é um bocadinho juntar as memórias que nós queremos, que temos e que criamos. Eu fui lá sempre com o mesmo objectivo, tudo veio primeiro através do livro da Patty Smith [Just Kids] e desse capítulo. Então parece que são três vezes que estão mesmo misturadas e eu acho que, se não tivesse feito este filme, se calhar um dia eu era velhinha e ao lembrar-me eu ia misturar as três, de certeza. Por isso, acho que elas fazem sentido juntas. Eu estava em Nova Iorque quando li, e pensei: ‘Ah, vou fazer isto’. Mas, claro, depois nunca é só isso. Porque depois a nossa vivência é diferente e os tempos são diferentes e depois vais ao Chelsea Hotel onde ela estava e está tudo em obras… Nunca pode ser igual, não é?
Mas foste já com este objectivo de criar uma curta-metragem?
Sim, eu fui com o objectivo de captar imagens e de fazer uma curta-metragem, mas não sabia muito bem o que é que iria ser. Eu nessa altura estava em Nova Iorque a fazer um trimestre numa escola de actores e pedi uma câmara emprestada a uma colega. A ideia era filmar, só que eu não tinha tripé e estava caótico. Então no fundo aquilo são stills de imagens de vídeo. É mesmo um filme que foi feito na edição. Apesar de as sementes já lá estarem na minha cabeça. Mas foi criado depois, às vezes também como as memórias, lembramo-nos de coisas e se calhar não foi bem da mesma maneira.
E é engraçado, porque não há imagens em movimento, que é uma coisa que estamos à espera de ver num filme.
Há um bocadinho só. Mas é engraçado, porque já houve pessoas que me disseram: ‘Ah, eu já não sei se aquela estava a mexer, se aquela estava parada’. Dá um bocadinho essa ilusão.
Mas é um filme que se move, com imagens que compõem um carrossel de memória, vamos dizer assim, e de repente estamos mesmo a ver uma história a acontecer em movimento. Porque é que chegaste a essa opção então de pegar nos stills do vídeo para esta composição?
Foi mesmo um bocadinho para salvar a edição, porque eu não ia conseguir usar as imagens filmadas, tremiam muito e ia ficar feio. Mas apesar de tudo, para o filme que é, funciona muito melhor assim. Se calhar, se as imagens não tivessem ficado todas tremidas e eu não tivesse usado os stills, o filme não era tão bonito, porque eu acho que faz sentido a imagem parada.
E também tem um desenho de sons muito completo.
Exacto, que ajuda muito.
O design de som cria também uma espécie de ilusão, os sons dão o movimento. Por curiosidade, aqueles sons utilizados foram gravados em Coney Island, em Lisboa, noutro sítio?
Foi uma grande mistura de sons de lá, sons também que depois arranjou o Gil Amado, que foi quem fez o design de som… É uma grande mistura. No fundo é tudo uma grande mentira no cinema.
Há também alturas em que fazes uma ligação para o mundo do Feiticeiro de Oz, um mundo encantado. Queres desenvolver essa ideia?
Deve ter sido um dos primeiros filmes que vi. Eu era muito fascinada pelos sapatos vermelhos da Dorothy. E é um filme que sinto que me acompanha. Acabo sempre por ir dar a esse filme nas coisas que escrevo, ou nas ideias que tenho. É uma coisa de que tenho de me libertar um bocadinho, mais cedo ou mais tarde, mas por enquanto está tudo bem. E eu senti mesmo essa coisa de parecer que entrei numa nova realidade. A minha cabeça vai sempre um bocadinho para o Feiticeiro de Oz, acho que tem a ver com a infância e ter visto o filme muitas vezes.
E Coney Island também é um mundo encantado no final da linha de metro.
E de repente já estás em casa e passou tudo e pronto, e não foi tudo um sonho.
Há uma parte no filme em que ouvimos que o caminho de regresso é sempre mais rápido.
É, eu costumo sentir isso quando vou a algum sítio: parece que demora sempre muito mais tempo para lá chegar e depois o regresso a casa é super rápido. No Feiticeiro de Oz, para a Dorothy foi só bater os calcanhares três vezes; eu tive que apanhar o metro.
Outro elemento que também faz parte desta história é a obra da Matilde Campilho narrada pela Sara Carinhas.
O texto foi escrito pelo Frederico Batista, que também dá um bocadinho a sua experiência de Coney Island. O que ele diz na sua narração é que a primeira vez que ouviu falar sobre Coney Island foi através desse poema da Matilde Campilho. É uma memória do Frederico, não é minha. No fundo, a Sara lê textos que não são nossos. Porque lê o da Matilde Campilho e depois lê aquela frase de “ir de metropolitano até ao mar era autêntica magia”, e essa frase é mesmo tirada do livro da Patti Smith. Então tudo o que são narrações fora do que nós criamos tem a voz da Sara.
No filme também nos contam que uma das amigas que te acompanha numa das vezes eternizou a memória numa ilustração. É a mesma autora da ilustração do poster do filme, a Joana Avilez?
É. Eu conheci a Joana em Nova Iorque, porque era amiga de amigos. Depois descobri que o pai dela tinha namorado com a minha mãe nos anos 70, porque o pai dela é português. Pequenas coincidências da vida.
Estas várias vertentes do cinema que tens andado a experimentar tanto à frente como atrás da câmara é um balanço que esperas manter ou não pensas muito nisso?
Eu espero manter, porque sinto que me ajuda. Eu tive uma fase que queria só ser actriz e era o meu foco, mas a verdade é que eu adoro contar histórias. Em Londres comecei um projecto, era tipo um blogue que fazia pequenas histórias que eram Stories I Tell, e eu gosto muito de fazer isso, de contar as minhas histórias e realizar também. Por isso sinto que quero balançar as coisas.
Ponderas algo no cinema na área do argumento?
Na altura da pandemia fiz alguns cursos de escrita e percebi que gostava muito de escrever e que me ajudava, por isso sim. Sinto que se calhar cá em Portugal não é tão comum fazer várias coisas, que temos de ficar só numa. Mas acho também que a falta de oportunidades que eu tive numa coisa levaram-me a ter que procurar outra. E no fundo isso acaba por ser bastante enriquecedor.
Coney Island – As Primeiras Vezes vai agora fazer algum percurso, onde é que poderá ser visto novamente?
Então, nós vamos assim um bocadinho à maluca estreá-lo sozinho no Cinema City Alvalade no dia 6 de Junho. A sessão de dia 6 vai ser especial, porque vamos oferecer cachorros quentes [quem vir o filme irá perceber]. O filme vai estar sozinho, mas podes ir ver e depois podes pagar um bocadinho mais e tens direito a ver uma longa à tua escolha. Ou vais só ver o Coney Island ou podes juntar com outro à escolha mas que não será sempre o mesmo, o espectador pode escolher. Antes do circuito comercial, o filme esteve no ano passado em Nova Iorque, no Rockaway Beach, que é o pé do sítio onde eu filmei. Teve um percurso pequenino, mas bom.
E o que é que estás a preparar?
O ano passado eu estive a trabalhar com a Sara Carinhas, numa peça que ela estreou chamada A Última Memória. Eu estive a acompanhar, tenho muitas imagens de backstage e quero fazer um pequeno documentário sobre a peça, mas também assim de uma maneira um bocadinho mais performativa, assim uma coisa mais híbrida. Não tanto um making of clássico. Também tenho uma curta escrita, estou a tentar arranjar apoios, com a Cedro Plátano.
E como actriz?
Fiz há pouco tempo um filme do meu pai – podes dizer que é o João Botelho –, que é As Meninas Exemplares. E é isso. Agora não tenho mais nada em vista. Mas pode ser que apareça e, se não aparecer, uma pessoa inventa.
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