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"Hoje, no mundo em que vivemos, parece que tudo tem de ser grande, para muitas pessoas. Mas acho que existe valor no pequeno, no próximo, no mais íntimo. Quando alguém toca neste espaço, vêem-se as expressões, o movimento dos dedos, sente-se a energia do público. Podem fazer perguntas, aprender, contar histórias. São coisas que não acontecem noutro tipo de espaços." É assim que Pedro Morais, responsável pela área da Cultura da Junta de Freguesia de Santo António, apresenta o ciclo 123 - Concertos no WC, que organiza desde o ano passado, convicto de que "todos os espaços são programáveis", inclusive esta antiga casa de banho pública de dez metros quadrados, por baixo do Jardim Camilo Castelo Branco, nas barbas do Marquês de Pombal.
O próximo convidado a descer as escadas até este espaço marginal da cidade é Jorge Palma (piano incluso), às 22.00 do dia 25 de Maio, sábado. A entrada é livre e não há reservas, mas os bilhetes (apenas 12, dada a dimensão do espaço) devem ser levantados pessoalmente, num dos dois pólos da Junta (na Rua Alexandre Herculano e na Calçada do Moinho de Vento). Estarão disponíveis assim que o organismo divulgar o evento em cartazes espalhados pelas ruas e nas redes sociais (o que normalmente acontece 15 a 10 dias antes do concerto, sem aviso).
O dia 25 de Maio marca também a finissage de uma exposição dedicada à outra arte com pouso fixo nesta casa de banho, a banda desenhada. Falamos de "Outra Janela", a mostra da luso-chilena Amanda Baeza a integrar a Ilustraboom - WC/BD, que inaugura esta quinta-feira, 2 de Maio, às 18.00. Aqui, o convite leva a abrir as portas e janelas que a artista criou para que possamos aceder ao seu imaginário, desenhado a lápis de cor.
Entre a música e a BD, a antiga casa de banho do Jardim Camilo Castelo Branco continua a sua saga cultural, com o desejo de se tornar um "mini-local de culto em Lisboa". A história disto tudo? Contamos a seguir.
Local de encontros ilícitos
A primeira exposição no WC aconteceu durante a pandemia. "Behind the Green Door", de Carlos Barahona Possollo, focou-se em fetiches gay, um universo que "encaixava na perfeição" no espaço, considera o programador, Pedro Morais. "As casas de banho públicas estavam associadas a situações de sexo considerado ilícito, muitas vezes entre a comunidade gay", e das investigações de Possollo sobre este WC lisboeta consta, aliás, que um dos motivos principais para ter sido encerrada (acto que durou cerca de 40 anos) foi precisamente o seu uso regular para encontros sexuais. Este lado marginal, de subterfúgio para o amor e prazer bem no coração da cidade, acrescentou charme (ou pelo menos imaginário) a este espaço exíguo e visualmente pouco sexy, de tecto precário e grossas marcas de humidade. "No início, nem conseguíamos colar as etiquetas nas paredes. E tínhamos de tirar os quadros ao fim do dia e voltar a pô-los na manhã seguinte", conta Pedro Morais. Um simples desumidificador resolveu e a acção pôde continuar.
Antes desta primeira exposição, a casa de banho era o local de reuniões de um grupo de escuteiros e foi nessa fase que o responsável da Junta de Freguesia a conheceu. "Desci para ir lá falar com eles e foi logo uma pequena paixão, achei muita graça. Pensei: isto é um espaço programável. Ao início, imaginei trazer aqui artistas em início de carreira, que pudessem não ter outros espaços na cidade. Por outro lado, era um lugar desaproveitado e a freguesia não tem muitos espaços próprios." Pedro Morais falou com o presidente, Vasco Morgado, e ele "embarcou nesta ideia maluca". Em 2023, no aniversário dos dez anos da freguesia, surgiram então os ciclos de música e de exposições, sob a premissa "dez anos, dez artistas e dez pessoas" (a assistir). Este ano, o número saltou para 12 e vieram, entre outros, o contrabaixo de Carlos Bica, os tímpanos de Jean-François Lézé, o saxofone de Desidério Lázaro e a bateria de Luís Candeias. A ideia era começar por concertos de um só instrumento (se possível, pouco usual, como o cravo ou o toy piano, por exemplo) para que o público pudesse aproveitar a intimidade proporcionada pelo espaço para penetrar o seu universo.
Do punk ao DJing, há futuro no WC
Mas também há outros propósitos relacionados com a aposta neste micro-palco, como o jogo com o inesperado e a experimentação. Foi isso que se concretizou quando Mário Laginha fez descer (bom, não ele, mas uma empresa especializada) o piano pelas escadas de acesso ao WC ou quando Luís Candeias foi convidado a levar pratos e baquetas com ele. "Na altura disseram-me: 'Mas tu és doido?! Uma bateria num espaço minúsculo como aquele?'", relata o programador, cuja resposta terá sido um contundente "sim".
Embora haja limitações orçamentais e "seja difícil encontrar um patrocinador" para os eventos no WC, como aponta Pedro Morais, as ideias sobre o futuro do espaço continuam a fervilhar. Chamar bandas para tocar ou até organizar um festival de casa de banho são objectivos que o programador tem na cabeça. "Estou a pensar em ter cá uma banda punk e também gostava de trazer um DJ", avança. O futuro, no entanto, é sempre incerto, mas não há mal em deixar pistas. "Mesmo que um dia eu saia da Junta, gostaria que isto continuasse, que se tornasse um mini-local de culto, até porque a BD precisa de um espaço onde se mostrar em Lisboa", imagina Pedro Morais, que por pouco não cita Jorge Palma e a seu famosa "A Gente Vai Continuar".
Como afirma a artista Amanda Baeza, que encontramos entre paredes a montar a exposição com inauguração marcada para quinta-feira, esta casa de banho sustenta a ideia (e a necessidade) de dar "novos usos aos espaços". "Acho muita piada a lugares de que as pessoas se esquecem que existem. E gosto desta ideia de que não deixamos nada nem ninguém para trás", explica à Time Out.
Avenida Duque de Loulé, 119. Exposição: 2-25 Mai, Ter-Sáb 13.00-19.00 | Concerto: 25 Mai, 22.00. Entrada livre
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