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Júlio Resende deixa-se levar pelas melodias de Amália

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
Director-adjunto, Time Out Portugal
Música, Jazz, Pianista, Júlio Resende
©Duarte DragoJúlio Resende
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É um concerto de data única: nesta terça-feira, o Teatro da Trindade, assinala os 20 anos sobre a morte da fadista com “Júlio Resende para Amália Rodrigues”. O pianista diz-nos o que preparou para a ocasião.

Júlio Resende escreveu uma carta para Amália: “Querida Amália, espero e desejo que estejas bem. Ninguém sabe o que acontece quando morremos, mas é certo que tu vives ainda”. Vinte anos depois, a voz da fadista e as melodias das suas canções continuam vivíssimas na nossa memória. “Ainda ninguém te esqueceu, querida Amália.” Para o provar, o pianista sobe nesta terça-feira, dia 8, ao palco do Teatro da Trindade, para um concerto de homenagem à fadista. As duas décadas que passam sobre a sua morte são apenas uma desculpa.

“É mais fácil as salas programarem a partir dessas efemérides. As salas e os programadores têm uma relação grande com as efemérides. É o que é. As pessoas também. As pessoas às vezes vêm por causa dessa relação, porque estão mais próximas”, diz Júlio Resende. Na verdade, confessa, é um dois em um: esta é uma boa oportunidade para regressar a Amália e para actuar sob os tectos ornamentados do Trindade. “O que eu queria era fazer um concerto aqui dentro”, ri-se. O que significa que este espectáculo é de data única – não viajará por mais sala nenhuma nem sairá daqui para um novo disco.

Amália por Júlio Resende, editado em 2013, não terá sucessor. Nem será exactamente o que o pianista vai tocar agora. Na apresentação do espectáculo para a imprensa, tocou “A casa da Mariquinhas” e “Foi Deus”, temas incluídos naquele disco – mas não os tocou da mesma forma. Nunca toca. “Mudo a abordagem de cada vez. Os fadistas também mudam a abordagem às canções de cada vez... Sobretudo os cantores. Tentam novos caminhos. Mas o meu caminho não é só melódico: é harmónico, é rítmico”, explica. Para os jornalistas, por exemplo, Resende abriu “Mariquinhas” com o “Fado Cyborg” (do seu último disco, Cinderella Cyborg, que será editado internacionalmente pela Warner Music Spain em 2020).

Não tem de ser assim. Primeiro, porque o pianista toca estas melodias através da memória que delas tem, que se vai alterando; segundo, porque a improvisação é parte fundamental dos espectáculos de Júlio Resende. O concerto no Trindade não tem sequer alinhamento fechado. “Tenho várias possibilidades. No alinhamento tenho mais músicas do que aquelas que vou tocar, que hão de ter que ver com a Amália ou com o fado, ou com alguma coisa nesse âmbito”, revela. Prometida está uma oferenda à diva, embora não seja certo o quê: “Algo que seja sincero e que seja bonito, que seja significativo. Pode passar por dizer-lhe alguma canção dela, ou minha, ou contar alguma história que eu sei sobre ela”.

A indefinição no alinhamento manter-se-á até ao limite. “Não sei bem o quê que vai acontecer em cada música, qual é a música que vou escolher. Tenho alguma ideias.” Júlio Resende dá um exemplo: “O Medo” deve lá estar. “Normalmente toco sempre”, “é a música mais descansada do concerto”. É um “dueto” com a voz de Amália. “Está prevista porque não depende só de mim. Tudo o resto, dependendo de mim, pode acontecer nada do que estava previsto. Se achar que é esse o caminho”, adianta. “Tem de ser intuitivo”, sublinha ainda. “Todo o processo passa às vezes por não ter nada muito cristalizado.”

Mas o público pode ter a certeza de que vai reconhecer muitas das melodias que vão sair das teclas em palco. Este é um momento para celebrar um imaginário musical que temos em comum e que tem em Amália um elemento central. Na carta que redigiu para servir de mote ao concerto no Trindade, Júlio Resende escreve antes das despedidas: “Aqui as crianças ainda sabem o teu nome. Aqui, na tua terra, as crianças, ainda sabem o teu nome! Ninguém te esqueceu, Amália!”. Um final com óbvia ressonância nos versos de David Mourão-Ferreira que bem conhecemos na voz da fadista: “Eu sei, meu amor,/ Que nem chegaste a partir,/ Pois tudo, em meu redor,/ Me diz qu'estás sempre comigo”. Por isso, se “Barco Negro” não chegar ao alinhamento, talvez ninguém dê pela sua falta. Porque ele sempre lá esteve.

Teatro da Trindade. Ter 21.00. 12-72€.

+ Amália, Com que Voz: a reedição de um disco perfeito

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