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Brincar é um assunto sério, mas a verdade é que, no mundo onde vivemos, os pais e avós urbano-solitários nem sempre têm tempo para pensar nisso. É aqui que entra a Kudikis (em lituano, com trema no ‘u’ significa “bebé”). Fundada este ano por duas jovens mães, uma bioquímica e uma designer, trata-se de uma start-up focada em promover brincadeiras em família. A ideia é que, todos os meses, adultos e crianças se juntem à volta de um novo conjunto de actividades didácticas. As sugestões e os materiais, reciclados ou recicláveis, chegam sempre dentro de uma caixa de cartão (a partir de 29,90€ por mês) e incluem jogos, experiências científicas, projectos de artes plásticas, receitas de culinária, trava-línguas ou lenga-lengas e lições de língua gestual portuguesa.
“A génese deste projecto foram as brincadeiras que eu fazia com o meu filho mais velho. A certa altura, durante a pandemia, decidi partilhá-las no Instagram, e houve uma receptividade muito superior à que eu esperava. De repente, percebi que há muitos pais que querem brincar com os filhos e não sabem como. Recebia imensas mensagens a dizer ‘adorava fazer isso com o meu filho’ e eu pensava ‘mas eu expliquei tudo o que fiz, não é nada de transcendente’, até que um dia me surgiu a ideia. Se calhar, podíamos criar uma caixa de brincadeiras para enviar às pessoas”, diz-nos a bioquímica Daniela Mar, que fez um MBA em Operações e Tecnologia ao mesmo tempo que terminava o seu doutoramento na área da engenharia biomédica aplicada às neurociências, porque “tinha vontade de integrar também o mundo das empresas”.
Patrícia Sousa é a outra metade da Kudikis e a responsável por toda a identidade visual do projecto, que evoca a infância e o imaginário infantil com cores vivas e formas geométricas. “Conheci a Daniela em 2020, trabalhávamos juntas e demo-nos bem logo à partida”, revela a designer. “Achei sempre muita piada às experiências que ela fazia. Achava engraçado, porque tinha essa capacidade de criar coisas giras para fazer com o filho e admirava muito o tempo que dispunha para passar com ele. Os tempos são complicados para passar com os nossos filhos. Passamos a vida a trabalhar e parece que nunca temos como fazer nada com eles.” Não é por isso de estranhar que, quando Daniela decidiu mudar de vida profissional, Patrícia também tenha abraçado a aventura sem pestanejar.
O negócio começou a ser desenhado ainda no final de 2022, mas só em Maio é que foram lançadas as primeiras caixas – cinco ao todo, para diferentes faixas etárias: do 1 aos 2, dos 2 aos 4, dos 4 aos 6, dos 6 aos 8 e dos 8 aos 11 anos. Guiadas por uma temática, como uma estação do ano ou uma efeméride, cada uma contém instruções e os materiais necessários para realizar seis a sete brincadeiras. “A nível sensorial, tentamos usar materiais diferentes, com texturas diferentes, em cada caixa de actividades”, revela Patrícia. Mas, atenção, não são caixas de brinquedos, são caixas de brincadeiras para as famílias. Além de procurarem estimular a curiosidade e a criatividade das crianças, a ambição é promover, sobretudo, momentos únicos, de conexão intergeracional.
Com a caixa de Novembro, por exemplo, as famílias com crianças dos 4 aos 6 anos estão a ser desafiadas a descobrir como funciona o processo de oxidação da fruta através de uma experiência científica, a cozinhar queques de maçã, a montar e a pintar um ouriço para pôr à prova o jeitinho para as artes manuais, a aprender a dizer “árvore” em língua gestual portuguesa, ou a varrer as mesmas folhas que vão ter oportunidade de usar para construir uma coroa de Outono. Se parecem actividades simples, é porque são. Aliás, muitas estão relacionadas com tarefas do dia-a-dia, que Daniela e Patrícia acreditam poderem ser realizadas de uma maneira agradável e até divertida. Por outro lado, há também um grande foco na sustentabilidade e na inclusão.
“Era particularmente importante para nós sermos inclusivas, daí os cartões de língua gestual portuguesa. É uma das três línguas reconhecidas no nosso país [as outras duas são o mirandês e, claro, o português] e a maioria das pessoas não sabe falar, mesmo em serviços em que se calhar fazia muito sentido, como num hospital ou numa escola”, alerta Daniela. “Claro que não é connosco que vão aprender a falar fluentemente, mas pelo menos aprendem alguns gestos básicos, de palavras que podem eventualmente ser úteis, se tiverem de comunicar com uma pessoa surda. E, quem sabe, até possa suscitar curiosidade suficiente para quererem aprender mais, de uma forma mais formal.”
Além das caixas com subscrição, a Kudikis também vende caixas avulso (32,50€-55€), incluindo para bebés dos 0 aos 6 e dos 6 aos 12 meses. As propostas são, mais uma vez, pensadas tendo em conta a faixa etária em questão, uma vez que os interesses e as competências variam. “A caixa mais desafiante de criar é, se calhar, a de 1-2 anos, porque uma criança de um ano e uma de dois têm competências muito distintas, porque os primeiros anos de vida são anos em que as crianças crescem muito rápido, e as diferenças notam-se mais do que na faixa dos 6 aos 8 ou dos 8 aos 11, por exemplo.” Por isso é que é tão importante os adultos estarem dispostos a ter um papel fundamental no que diz respeito a identificar o que mais se adapta à criança e em que momentos ela poderá precisar de alguma ajuda.
“Mãe, podemos fazer aquela experiência de que estavas a falar?” ouvimos uma vozinha perguntar do outro lado do telefone. É o filho mais velho de Daniela, que é muitas vezes cobaia das ideias que a bioquímica com veia de empreendedora vai tendo. “É isto que queremos dizer com brincar em família. Pelo menos um elemento adulto também participa [na brincadeira], e isto é importante porque o ritmo da vida diária não ajuda, há uma conotação pejorativa associada ao verbo – mesmo as crianças, a partir dos sete ou oito anos, já não gostam de dizer que brincam; podem jogar, mas brincar não brincam, porque isso é para bebés – e há muitos adultos que não sabem ou desaprenderam a brincar, sobretudo crianças mais pequenas. Para mim, é tão intuitivo. Pensava que toda a gente sabia fazer, nem que seja um ‘cucu’ ou assim. Mas alguns pais perguntavam-me ‘mas eu sento-me no chão a brincar?’. Sim, sente-se.”