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A antiga Creche do Jardim da Estrela está a ser transformada na futura Biblioteca do Ambiente. E os lisboetas estão a ajudar, não só com ideias, mas também com as próprias mãos. Em Outubro, a Rede BLX lançou o Laboratório de Cidadãos Peças de Jardim, desafiando a comunidade a apresentar dois projectos no âmbito da sustentabilidade para os espaços da futura biblioteca no Jardim da Estrela. Uma iniciativa que quer dar aos cidadãos as ferramentas certas rumo à sustentabilidade e que começou, literalmente, por lhes pôr ferramentas nas mãos.
Os critérios para o envio de ideias eram simples. A actividade do laboratório teria de se focar num tema ligado à sustentabilidade ambiental, como a eficiência energética, a eficiência do uso da água, a produção sustentável, a funcionalidade de espaços e estruturas da biblioteca ou as condições para a biodiversidade, sempre com reutilização de materiais no horizonte. Receberam 17 candidaturas, das quais o júri seleccionou duas e cujos protótipos foram desenvolvidos entre 12 e 22 de Novembro por um conjunto de 20 pessoas que se voluntariaram para meter as mãos na massa, em horários alternados, no Espaço Ripas, instalado do Mercado da Ajuda, onde os monos recolhidos pela Câmara Municipal de Lisboa são recuperados. E há matéria-prima por todo o lado.
Uma das propostas chama-se Mandala Viva e foi pensada por Elsa Off. Consiste na construção de uma mandala orgânica que de um lado tem um hotel de insectos, na vertical, e do outro plantas, na horizontal. Uma estrutura que tem por objectivo criar não só um impacto visual, mas também sonoro, aromático, ao mesmo tempo que tem uma função social e ainda climática, já que permite que os insectos polinizem as plantas e estas, por sua vez, os alimentem. O protótipo foi elaborado numa escala mais pequena do que a que será implementada na Biblioteca do Ambiente e os cubos que a compõem podem tomar diferentes formas. Podem ser bancos, um compostor, uma caixa de areia ou um espelho de água e as flores podem, por exemplo, ser tintureiras.
Esta proposta de Elsa Off foi praticamente um regresso às origens. Formada em escultura, actualmente trabalha em frente a um computador, na área do vídeo, e confessa ter ficado muito feliz por ter sido seleccionada. “Dei por mim a lembrar-me de coisas que fazia", diz, sublinhando que foi também importante conhecer pessoas novas durante os trabalhos de execução da peça. “Esta mandala é mesmo viva, porque ainda se vai adaptar ao espaço da biblioteca”, diz – a “parte 2”, como lhe chama, e que aguarda com entusiasmo.
Do outro lado da oficina estão as Estações Literárias, a outra proposta que vai viver na futura biblioteca, por iniciativa da Associação Depois, que trabalha com desperdícios de obras, e da Prisma Oficina, que reutiliza materiais para criar objectos feitos para durar. Dois projectos sustentáveis que partilham um espaço de “cowork oficinal”, explica Raquel Bolina, formada em Arquitectura e uma das mãos da Prisma.
“Gostamos de trabalhar com a comunidade. As pessoas querem fazer um projecto e não sabem como, mas neste podem apropriar-se da ideia”, diz uma das mentes criativas da proposta: a construção de peças de mobiliário para o interior do espaço que contenham elementos alusivos às quatro estações do ano e peças de mobiliário exterior que de alguma forma remetam para os temas da literatura e da cultura. O protótipo construído para o exterior é uma mesa de cabeceira lúdica, com gavetas que podem esconder surpresas. Para o interior, transformaram a base de um roupeiro num espaço com quatro contentores que acolhem elementos da natureza, como folhas, pinhas ou água, elementos esses que no futuro poderão ser resgatados do próprio Jardim da Estrela.
Receita de cidadania
Este tipo de laboratórios de cidadãos existe um pouco por todo o mundo. Por cá, contou com a ajuda dos LabsBibliotecarios, uma iniciativa espanhola criada em colaboração entre a Direcção-Geral do Livro e Promoção da Leitura e o Medialab Prado, da Câmara Municipal de Madrid, com o objectivo de reforçar a ideia de bibliotecas como ponto de encontro dos cidadãos e desenvolvimento de projectos em comunidade.
A construção desta biblioteca com as pessoas começou em Maio, numa primeira sessão participativa com parceiros locais e utilizadores do jardim chamada World Café, de onde surgiram as mais variadas ideias para implementar na Biblioteca do Ambiente – dos serviços e actividades à colecção de livros – numa espécie de brainstorming que foi traduzido para um painel gráfico da autoria da ilustradora Madalena Matoso.
Uma prova de que a Rede BLX está cada vez mais atenta a questões como as alterações climáticas, oferecendo as ferramentas certas para que, através de uma linguagem simples, os cidadãos compreendam melhor o tema da sustentabilidade ambiental. Uma dessas ferramentas será, por exemplo, a disponibilização das receitas destes dois projectos, em acesso aberto, para que todos as possam replicar em casa. Como explica Filipa, “em vez de receita de um bolo é uma receita de um protótipo”.
A Biblioteca do Ambiente deverá abrir portas durante o próximo ano e não está fechada a porta aos restantes 15 projectos candidatos que não foram seleccionados para este laboratório em particular. Quem sabe, talvez ainda possam ver a luz do dia na Estrela.
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