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Pouco de sabe de William e Patricia Wycherley. Pessoas muito reservadas, ele com ar muito severo, ela com ar muito servil, parecendo mais velha do que era, sempre uns passos atrás do marido quando ocasionalmente deixavam a sua casa ajardinada, no número 2 de Blenheim Close, em Mansfield, nas Midlands inglesas. Evitavam os vizinhos a todo o custo – e conseguiam-no. Haviam casado em 1958, ele com 46 anos, ela com 23, e tinham uma única filha: Susan. Esta vivia em Londres com o marido, Christopher Edwards, que trabalhava numa grande empresa da City, e pouco visitava os pais. Estavam juntos desde 1983, alegadamente contra a vontade de William, e passavam dificuldades. Susan, que no início da vida adulta havia sido escriturária, passou a ficar em casa, absorta pelos clássicos de Hollywood e pela ideia de construir uma colecção de memorabilia ligada à Era Dourada do cinema e da cultura americana a preto e branco. Christopher, por seu lado, cobiçava edições de luxo de livros sobre história militar. Gastavam o que tinham e o que não tinham nesses objectos de desejo. Um dia, no primeiro fim-de-semana de Maio de 1998, foram a Mansfield visitar a família. A partir daí, William e Patricia nunca mais foram vistos. Mas ninguém deu pela falta deles durante 15 anos, até ao centésimo aniversário de William.
A história real é o ponto de partida para Landscapers, minissérie escrita por Ed Sinclair e realizada por Will Sharpe (estrela em ascensão com Giri/Haji no currículo, entre outros títulos), que se estreia esta quarta-feira, 8 de Dezembro, na HBO. Os papéis principais foram entregues a David Thewlis (Fargo) e Olivia Colman (The Crown), que encarnam respectivamente Christopher e Susan, embora fora do ecrã o casal seja Colman e Sinclair, desde 2001. O argumentista e criador desta produção com quatro episódios é quase um principiante nestas andanças. Antes de Landscapers só escreveu Look Around You, uma paródia para a BBC sobre programas educacionais que durou duas temporadas (emitidas em 2002 e 2005). Agora, face ao sucesso internacional da mulher – que, além da presença imperial em The Crown, da Netflix, venceu um Óscar por A Favorita e foi nomeada para outro, um ano depois, por O Pai –, ganhou coragem e escreveu um guião com Colman em mente. histórias de duplo homicídio das últimas décadas no Reino Unido. Porque, sim, William e Patricia foram mortos com dois tiros cada um, tudo indica que pelo genro, e enterrados no jardim da própria casa. Christopher e Susan, a personagem de Colman, apoderaram- se depois das pensões a que os dois reformados tinham direito, chegando mesmo a vender a moradia de Mansfield, numa fraude que ultrapassou as 285 mil libras (335 mil euros ao câmbio actual).
Christopher e Susan estão presos. Durante mais de uma década, conseguiram justificar a ausência de William e Patricia, inclusive em consultas médicas de rotina, com uma mudança de ares do casal, que teria encontrado uma renovada vida noutras paragens. Só quando William estava para completar 100 anos, e o departamento britânico equivalente à nossa Segurança Social requisitou uma visita presencial, é que a intrincada história do casal se desmoronou. Fugiram para Lille, mas passado um ano entregaram-se às autoridades com uma versão dos acontecimentos tão detalhada que, segundo uma reportagem do Guardian da altura, os investigadores rapidamente perceberam ser mentira. Em 2014, foram condenados a um mínimo de 25 anos de prisão. Quando regressaram de França, estavam sem dinheiro. Eram proprietários de uma única caixa, na qual guardavam os artefactos de uma vida de coleccionismo: documentos autografados pelo actor Gary Cooper (incluindo uma fotografia, claro) e pelo cantor Frank Sinatra, ou uma série de cartas actuais mas forjadas, endereçadas a Christopher e supostamente escritas pelo actor Gérard Depardieu. Tinha sido para isso que o dinheiro havia servido ao longo de todos aqueles anos – para alimentar o mundo de fantasia em que o casal vivia, sobretudo Susan. Mas a história não se fica por aqui. É que Susan diz ter sido vítima de abuso durante toda a infância por parte do pai. E se ressentimento faltasse, Susan considerava ainda ter sido enganada pelos pais a propósito de uma herança que lhes permitiu comprar a casa de Mansfield. São dados relevantes que, na opinião de Olivia Colman, não tiveram o impacto que deveriam ter tido durante o julgamento e a cobertura mediática do caso. Agora, não quer deixar essas partes de fora. É que, mesmo que não justifiquem as mortes, ajudam a compreendê-las.
HBO. Qua (estreia)
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