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Estávamos no Verão de 2023 quando Levi Martins começou a escrever canções para os filhos. Não tinha um disco em mente, mas sabia que, o que quer que resultasse dali, teria de ter uns tempos mais acelerados. “Daddy, põe rock”, lembrava-se de ouvir os miúdos pedir, o mais novo com dois, a mais velha com cinco anos. Eventualmente, o amor pela prole (e a experimentação) deu frutos. Com lançamento previsto para 31 de Maio, O roque nunca vai acabar é a sua estreia em português. Depois de o tocar em várias escolas do Montijo, o músico quer apresentá-lo a 1 de Junho, em jeito de celebração do Dia Internacional da Criança, num concerto no Jardim das Nascentes, nas traseiras da Casa da Música Jorge Peixinho. É precisamente aí que nos encontramos para conversar sobre o que “Roque Quer Dizer” – e os restantes temas que fez a pensar em gente de palmo e meio, mas que nos provam como o rock é para qualquer pessoa, de qualquer idade.
Primeiro, importa dizer: fazer música não é novidade para Levi e o espírito rock ‘n’ roll também não. Tinha 16 anos quando decidiu que era esse o seu caminho e abandonou o ensino secundário. Aos 21 lançou uma edição de autor do seu primeiro disco, Ocean of Time. Seguiram-se mais dois álbuns, uma licenciatura em Realização, um mestrado em Estudos de Teatro e a fundação da Companhia Mascarenhas-Martins, com Adelino Lourenço e Maria Mascarenhas. Maria é sua mulher e a companhia é, arriscamos dizer, fonte de tantas outras alegrias, como o trabalho de programador na Casa da Música Jorge Peixinho. “Ter saído da escola não me impediu de me licenciar nem de fazer um mestrado e acabei por perceber que, afinal, não havia aquelas consequências nefastas por não seguir tudo à risca. Não há uma receita nem um único caminho para a vida. Portanto, acho que podemos estar à vontade para esticar um bocadinho os limites do que pode ser.”
O seu novo disco é também, confessa, uma homenagem ao seu sonho de juventude, à possibilidade de ser músico e, ainda mais importante, de ser livre na sua expressão individual e na sua relação com o colectivo. A primeira música que escreveu foi “Roque Ene Role Animal”, a segunda do disco, e não é tão nonsense quanto possa parecer ao primeiro ouvido. Sim, põe-nos a ladrar como um leão, a cacarejar como uma vaca, a sibilar como um peixe e outros disparates que tais. Mas basta estarmos atentos para percebermos os sinais: Levi fala-nos de comunicação, de como às vezes falha e de como o tempo é essencial para aprendermos. E, no fundo, também tenta trocar as voltas aos ouvintes e fazer rir os mais novos, porque as regras podem ser reescritas e, afinal, os adultos não dizem coisas sem sentido, ou dizem? “Quando os meus filhos ouviram pela primeira vez, disseram ‘isto não faz sentido, isto está errado’”, conta Levi, entre risos, antes de chamarmos ao barulho outra canção ao contrário, o “Roque Rotina”, que é capaz de pôr os miúdos a vestir o pijama de pernas para o ar.
Levi queria captar aquilo que lhe parece ser uma espécie de padrão no rock e nos seus subgéneros, que é precisamente a ideia de uma expressão livre e individual, que nos permite ignorar as regras e, ainda assim, ser pertinentes. O “Roque Rotina”, por exemplo, é mais do que uma inversão cronológica do quotidiano de uma criança. É o que acontece na realidade: “Os miúdos muitas vezes fazem as coisas como lhes apetece, porque não têm o mesmo sentido de ordem que os adultos”, relembra o músico, que sabe bem o que a casa gasta. “Tentei colocar isso nas canções, como se fossem documentários, e acho que o disco tem esse lado documental, da minha constatação do que é a espontaneidade deles. Há uma canção em particular, o “Roque no Parque”, que me surgiu exactamente depois de termos ido ao parque juntos. Um frenesim tal, um a fugir para um lado, a outra para o outro. Tentei captar essa energia inesgotável e incontrolável das crianças.”
O roque é uma atitude
“Por mais que te digam/ que há sempre outro dia/ Não deixes para amanhã/ O que podes fazer hoje no parque”, ouve-se no refrão de “Roque no Parque”, e o formigueiro no corpo começa a aparecer, desde as palmas dos pés até ao cocuruto. É tiro e queda, não temos dúvidas, e Levi crê que tem a ver com o quão orgânico o processo foi. Nunca tinha feito música em português, mas também não sentiu a pressão de estar a trabalhar num disco. Estava, por um lado, só a criar para os filhos; e, por outro, a prestar uma homenagem a um género musical que influenciou muitíssimo o seu próprio crescimento, e a forma como vê o mundo. O resultado foram nove canções para gente inconformada, que espera serem capazes de agradar a diferentes idades. “Os meus filhos agora gostam mais das canções iniciais e depois é como se também aquilo fosse crescendo em termos de maturidade”, explica, nomeando, por exemplo, a música número 5, “Etimologia do Roque”, que nos fala da língua, da natureza e da origem daquilo que nos escapa à razão; e a número 9, “Quando o Roque Desperta”, que é uma canção de embalar a piscar o olho a todos os riscos fora do desenho.
“Não houve estratégia, só intuição. E claro que tentei falar sobre assuntos que me parecem importantes enquanto pilares educativos, uma espécie de ideologia da educação para os meus filhos, de valores que gostava de lhes incutir. Mas procurei não ser condescente nem didáctico e as canções foram surgindo e compondo um quadro onde há várias hipóteses de leitura”, partilha, já ansioso pelo concerto de apresentação. Não fez de propósito, mas admite que não podia ser mais simbólico cantar sobre liberdade, diversidade e amor no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril. “É uma afirmação daquilo que me parece ser uma postura cívica e um registo da minha experiência enquanto pai e de não conseguirmos, por mais que tentemos, condicioná-los. Os miúdos são o rock, não é?” E faz falta voltarmos a esse estado onde não há fronteiras, onde os limites do mundo e do que podemos fazer nele, com ele, são tão amplos quanto a nossa imaginação o permita.
Casa da Música Jorge Peixinho. 1 Jun, Sáb 17.30. Entrada livre
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