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Linda Martini: “A canção não fez a revolução, mas inspirou muita gente”

O quarteto acaba de lançar o disco ‘Passa-Montanhas’. Apresenta-o no LAV – Lisboa Ao Vivo, na sexta-feira, 31 de Janeiro.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Passa-Montanhas é o sétimo disco de Linda Martini
Paulo SegadãesPassa-Montanhas é o sétimo disco de Linda Martini
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Já não estão a viver uma “Juventude Sónica”, mas continuam a ser uns “Putos Bons”. Os Linda Martini preparam-se lançar o seu álbum mais recente, Passa-Montanhas — esta sexta-feira, 24 de Janeiro. Apesar de ser o sétimo disco da sua discografia, é também um trabalho de estreias.  

Depois da saída do guitarrista Pedro Geraldes, dias antes da edição de Errôr (2022), Rui Carvalho — mais conhecido pelo trabalho a solo com o nome artístico Filho da Mãe e como colaborador de Jibóia, Norberto Lobo, Tó Trips ou Ricardo Martins — passou a fazer parte a tempo inteiro do grupo oferecendo um som mais pesado e novas ferramentas de trabalho.  

Mesmo que tenham um som renovado, são os mesmos Linda Martini de sempre, garantem à Time Out, numa entrevista realizada no HAUS, sala de ensaios em Santa Apolónia. Mas são mesmo? 

Aproveitando a caixa de pandora que abriram em Errôr, o quarteto continuou a optar por canções mais directas, violentas e sem papas na língua, reflectindo sobre a realidade que nos rodeia, referenciando artistas como José Mário Branco e o GAC. 

Quando é que surgiu a vontade para começar a trabalhar em Passa-Montanhas?
Cláudia Guerreiro: A vontade surgiu logo que o Rui Carvalho começou a tocar connosco. Precisamente, nesta altura, do ano, em 2022, quando estava para sair o Errôr. Claro, nessa altura tínhamos era de ensaiar esse disco, mas assim que passaram os concertos de apresentação começámos logo a pensar em ideias novas.
Rui Carvalho: Foi quase como um striptease lento. Já estávamos a acumular alguma ansiedade para fazer qualquer coisa nova. Mas tivemos esta fase longa do Errôr e, em 2023, os espectáculos de celebração dos 20 anos. Portanto, estávamos sempre um bocadinho desesperados por começar a fazer músicas novas e indicar-nos só isso, mas foi um processo longo...
Hélio Morais: Foi também um processo de auto-castração. Era frequente em ensaios começarem a sair coisas novas, mas tínhamos de nos controlar. Ainda não era a altura certa, primeiro tínhamos de ensaiar as músicas antigas
CG: Acabámos por marcar uma residência, em Maio de 2023, para declarar que aquele era o momento para criar e não estarmos a agarrar as músicas antigas. A maior parte das músicas surgiram desse momento.

Essa residência foi em Leiria, no Espaço Cultural Serra. Como é que esse sítio ajudou na criação deste trabalho?
RC: É um sítio muito fixe para se falar com pessoas de várias áreas diferentes. Não trabalham lá apenas músicos. Existem videógrafos, artistas, pessoas a trabalhar no agenciamento de artistas. É um polo criativo muito simpático e que nos rendeu bastante.
HM: Este sítio permitiu-nos focar completamente na criação de músicas. Isto é um processo que usámos nos últimos três discos.
André Henriques: Entramos num regime quase militar. Tomamos o pequeno-almoço, ficamos a martelar nas músicas e só paramos para as refeições. São cinco dias onde não tiras a cabeça daquilo. No final parece que passou um mês (risos). Mas rende imenso. Podemos dizer que a espinha dorsal do disco foi criada lá.

E vão aproveitar as gravações destas sessões para lançar o SERRA.
CG: Sim, alguns dos primeiros momentos desses ensaios — as ideias em bruto — vão ser editados em cassete. Uma estreia para a banda.
AH: A pré-venda do álbum, comprado na Fnac, dá direito à oferta dessa cassete.

Foi no Espaço Serra que chegaram ao título Passa-Montanha?
(Cláudia discute com Hélio, ela diz que foi, precisamente, neste sítio, mas o baterista discorda.)
HM: Ou seja, gostámos muito da foto que acabou por ser a capa do disco. Aquilo é um passa-montanhas... uma balaclava. Aos poucos, tudo começou a fazer sentido. Uma montanha. É duro. Gostámos deste duplo significado. Claro... depois achámos ainda mais piada por causa do nome do Espaço Serra.
CG: Quando o disco está feito, começas a ver coincidências em todo o lado. Começas a ligar os pontos todos.
AH: Por exemplo, quando fomos gravar no estúdio Cal Pau, na Catalunha, com o Santi Garcia [produtor que tinha tido um papel fundamental na criação de Errôr], reparámos que ficava entre duas montanhas.
CG: Até na viagem de avião, quando passámos pelos Pirinéus (risos).

Estavam a falar do regime militar que adoptaram e de como ensaiaram tão intensamente. Foi importante adoptar este método de trabalho para se livrarem de velhos hábitos — nomeadamente, nesta fase de transição de membros — que tinham enquanto banda?
HM: Foi natural. O processo foi o mesmo. Havia uma pessoa diferente, é verdade, mas era alguém que já fazia parte da vida da banda de várias formas. Já tínhamos trabalhado com ele.
CG: Nós tínhamos um esquema e um modo de funcionar que é quase automático. A entrada de uma nova pessoa faz, naturalmente, com que as coisas mudem, mas existem coisas que são incontornáveis.
RC: No caso dos meus projectos a solo, quando faço residências na Zé Dos Bois, estou horas e horas a tocar sem parar. Por isso, senti que o processo foi semelhante. A parte mais exaustiva foi a parte anterior. Quando entras numa banda nova tens imensas músicas para aprender. Nesse momento ensaiávamos mais do que o habitual.

O Rui trouxe alguma coisa de diferente?
AH: A primeira vez em que fomos para uma residência sem termos o trabalho de casa feito. Ou seja, quando íamos ensaiar já tínhamos imensas ideias. Desta vez não havia quase nada. Foram momentos onde estivemos apenas a tocar. Só depois das sessões é que começámos a perceber como é que podíamos encaixar cada passagem. Foi uma experiência muito divertida, apesar de muito mais trabalhosa.

Deve ser bom, passado tanto tempo, ainda conseguir encontrar estas pequenas coisas que ajudam a refrescar o trabalho da banda.
AH: Estamos a trabalhar a nova disposição de palco durante os concertos. Nós costumávamos tocar todos em linha, agora — não sei se foi como um reflexo por estarmos a acolher o Rui na banda — mas começámos a fechar para dentro, como se fosse uma concha. Eu e o Rui estávamos nas pontas, mas não estávamos virados para o público, estávamos de lado.
RC: Foi importante para mim, estarmos a tocar tão juntos. Estávamos sempre a olhar uns para os outros, foi como se fosse só um prolongamento da sala de ensaios.

Sentem que, agora que têm um membro diferente, também são uma banda diferente?
CG: Não sei se podemos falar em termos de ganhar ou perder. As pessoas são diferentes, por isso, os resultados são diferentes, mas, na verdade, acho que não perdemos aquilo que é a base que nos caracteriza. As diferenças vêm-se na música. Entre nós não houve grandes alterações.
AH: Talvez no início o Rui tenha estado um bocado mais contido. É normal, nós os três já estávamos mais rotinados. Não há certos, nem errados. De certa forma, somos a mesma banda, não demos uma cambalhota no ar, mas existem sempre algumas diferenças.

Concordo com essa descrição. Ainda que o espírito de Linda Martini se mantenha, a guitarra do Rui traz um peso adicional às músicas.
CG: Sim, é sem dúvida um som mais pesado.
RC: Quando entrei na banda, na altura em que a banda celebrava os 20 anos, perguntavam-me como é que foi a adaptação. Associavam-me mais ao trabalho que fazia com a guitarra clássica. Mas eu também toquei em várias bandas de rock, inclusive com membros desta banda. Por exemplo, fiz parte de If Lucy Fell com o Hélio. Não foi uma adaptação assim tão drástica. Onde se calhar houve uma adaptação maior foi na parte da composição, porque tínhamos que nos conhecer melhor enquanto banda. Não fazia sentido entrar a pés juntos e começar a mudar tudo.

O Rui não chegou a participar na criação do disco anterior. Como é que foi participar a tempo inteiro na criação de um álbum com os Linda Martini?
RC: Houve uma ligação do Errôr para este disco a nível sónico. Era um trabalho mais pesado e directo que continuou para o Passa-Montanhas. Mantive este chip e tentei fazer algo que fizesse sentido com o que estávamos a trabalhar. Depois, a certa altura, já estávamos a mudar os riffs uns dos outros e já nem sabíamos quais eram as origens das ideias, que é o que se quer numa banda.
HM: Estes são os dois discos que estão mais próximos um do outro, comparado com o resto da discografia.
RC: Se calhar isso aconteceu porque nunca parámos de tocar entre os dois álbuns.
AH: É curioso porque foi uma direcção não discutida. Não houve um briefing. O Errôr foi gravado com o Pedro Geraldes, mas, assim que o Rui entrou, ele não aprendeu a tocar o disco. Ele começou a tocar o disco connosco e fez os arranjos à maneira dele. Eventualmente, a versão ao vivo tornou-se muito mais pesada do que em estúdio. Naturalmente, como estivemos tanto tempo a tocar estas canções com ele, seguimos este caminho.

Além de continuarem a explorar estes sons mais pesados, há também uma ligação em termos temáticos, onde voltam a abordar temas políticos. Neste disco, afirmam que pretendem iniciar um diálogo. De onde surgiu esta vontade?
AH: Da entrada do Rui e de termos de o integrar; da descoberta destes novos processos; da criação de novas canções. Tudo isto depende da comunicação. Fazer música é uma conversa, é sempre um diálogo. Para conseguirmos chegar a algum lado, temos de ouvir mais do que falar. Acho que surge dessa necessidade.
RC: E cola-se também aos tempos que estamos a viver. Estamos numa altura de afirmações onde tudo é sim ou sopas. Esta ideia de conversar melhor interessa-me porque é uma coisa que estamos todos a precisar. Quando olhamos para as redes sociais, é fácil inflamar um discurso sem se discutir nada com isso. Esta ideia de conversar melhor acaba por ser transversal ao disco todo. Isto era algo que acontecia muito quando estávamos na carrinha.
CG: Isto nem quer dizer que nós estejamos numa fase onde conseguimos falar melhor. Mas estamos mais atentos a isto. Há um esforço diário que temos de fazer nesse sentido. Para teres uma banda durante tanto tempo, tens de fazer este esforço. E, de facto, quando sai uma pessoa e entra outra, é inevitável que esse sentimento esteja em cima da mesa constantemente.

Foi importante puxar por estes temas mais políticos depois de termos vivido os 50 anos de 25 de Abril?
AH: Tem a ver com o facto de termos estado tanto tempo juntos. Seja pelos concertos de apresentação do Errôr, da celebração dos 20 anos ou a residência em Leiria. Não me lembro de termos tido um convívio tão intenso enquanto banda. Se não estivéssemos a ensaiar, estávamos a falar sobre as canções novas ou apenas a conversar. Claro que não vivemos numa bolha. Todos esses temas, sejam eles políticos, sociais, ou sobre as nossas vidas pessoais, vêm para cima da mesa e acabam por se infiltrar nas músicas.

Isso era algo que se sentia no Errôr, por exemplo, com músicas como "E Não Sobrou Ninguém".
AH: O Errôr surgiu num contexto diferente. Além de ter sido lançado durante a pandemia, foi quando estavam a acontecer, por exemplo, manifestações anti-racismo e anti-anti-racismo. Agora, não vivemos tempos melhores. As nossas conversas ficam ainda mais intensas. Por exemplo, "A Cantiga é", foi uma das que acabou por ser... das músicas que provocou discussão. Falámos muito sobre a letra e o seu significado. Se as canções têm algum impacto. Nunca fazemos músicas com o desejo ingénuo de mudar o mundo. Isto é um desabafo.

Essa música é uma referência à "A Cantiga É Uma Arma" do Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta (GAC). Era importante apelar ao espírito destes músicos de intervenção, como o José Mário Branco?
AH: Essa canção não surge necessariamente como um tributo. É um diálogo. É muito diferente fazer uma canção de intervenção quando as consequências são bastante reais. Quando podias ser preso, torturado ou tinhas de fugir do país se dissesses alguma coisa que não devias. O disco não ser lançado era o menor dos problemas. Actualmente, posso chamar filho da puta ao primeiro-ministro que não me vai acontecer nada. Até há quem capitalize neste tipo de discurso. No contexto do Zé Mário, dizer que a cantiga é uma arma é uma afirmação. A canção não fez a revolução, mas inspirou muita gente.

Qual é então o poder que a canção tem nos dias de hoje?
AH: Se pensares isto nos dias de hoje — numa altura em que as pessoas estão, constantemente, a mandar pedradas para o lado oposto das barricadas — será que as canções estão a fazer alguma coisa? "A Cantiga é", ela é uma pergunta. Não estamos a chegar a nenhuma conclusão. Estamos a perguntar: será que é?
CG: Isto é assim no nosso contexto. Se formos para a Rússia, já não podemos dizer este tipo de coisas.
RC: A letra tem dois lados. Aborda a sensibilidade e como as palavras podem, de facto, magoar como uma chapada. E isto é algo que se reflecte ao longo do disco. Nem tudo é política, existem muitas questões emocionais e letras sobre o amor e o desamor.
AH: E também sobre a passagem do tempo. Nomeadamente, sobre sermos uma banda com mais de 20 anos. Por isso, é que o tema central do disco é conseguirmos conversar melhor. Tudo o que surge nas letras são tópicos que estiveram presentes na nossa mesa de almoço. Desde o futuro da banda à ascensão da extrema direita.

Ainda nesta questão do poder da canção: sentem que o artista tem o dever de conversar e questionar todos estes problemas? Falávamos em dialogar, sentem que têm o poder de conseguir falar e aproximar os dois espectros políticos?
HM: Eu não acho que os artistas tenham dever algum. Pessoalmente, quando, além da música que nós gostamos de um determinado artista, ainda tem uma camada poética ou mais politizada, acho que isso acrescenta valor e acaba por nos dizer um bocadinho mais. A arte não tem de ser política, mas pode! Agora, se deve... Eu não gosto de moralizar sobre o que os outros devem fazer ou não. Cada qual faz aquilo que sente que deve ser a sua mensagem, o que deve passar e se sente também capacidade para o fazer ou não. Nós fazemos uma introspecção sobre as nossas conversas, sobre o que nos preocupa no dia a dia. Elas são variadas e algumas são políticas, sim. Não acredito nessa conversa da responsabilidade. Acho que há uma responsabilidade, talvez, na parte de saber que as tuas palavras têm um impacto. Agora, uma responsabilidade na perspectiva de doutrinar outras pessoas, aí já acho que não.

Vocês sentem que estão mais políticos agora?
AH: Pessoalmente, é óbvio que em tempos de marasmo e quando não acontece nada, toda a gente fica um bocadinho mais conformada ao seu lugar no sofá. Quando vês as coisas à tua volta irem em direcções que te preocupam a ti, os teus e o que te rodeiam, ficas mais aceso. Nas canções — fruto dos tempos que vivemos — é normal isso acontecer. Por isso é que as canções do Zé Mário reflectem isto. As pessoas estavam amordaçadas e tinham de encontrar formas de passar uma mensagem. Agora, o único dever de um músico é fazer as canções que quer fazer e da forma mais honesta que conseguir. O mesmo se aplica, por exemplo, ao humor. O único dever de um humorista é fazer rir as pessoas. Se ele depois quiser ter um posicionamento político, tudo bem. Deve fazê-lo, caso venha de um sítio do bem.
HM: Até porque, se formos a pensar, objectivamente, a coisa mais política que tu podes fazer é cuidar da pessoa que está ao teu lado.
AH: Sim, nesse sentido, uma canção sobre a minha avó pode ser mais política do que uma canção sobre o Che (risos).

Olhando para a vossa discografia, sempre tiveram um bocado esta postura política. Por exemplo, "O Amor é Não Haver Polícia" (2006), apesar de o título remeter para o sentimento de desfinanciar a polícia, a letra não reflecte esta questão. Sentem que agora estão mais directos?
AH: Este disco, a par do Errôr, são os mais explícitos que já fizemos. Mas não quer dizer que, de repente, tenhamos uma agenda política ou que nos tenhamos transformado em activistas da música. Acho que é fruto do tempo. Não é algo premeditado. Se é uma questão nas nossas vidas, elas acabam por aparecer nas músicas.

LAV – Lisboa ao Vivo (Chelas). 31 Jan (Sex). 22.00. 22€ 

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