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A alteração da licença de um loteamento em Belém “de habitação para turismo” e o projecto de arquitectura de alteração da obra de reabilitação do antigo Hospital de Nossa Senhora do Desterro, em Arroios, para os usos de habitação, comércio e turismo foram aprovados na sexta-feira, 5 de Julho, em reunião privada da Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Foi também viabilizada a proposta de construção, com demolição, de um conjunto de edificações na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na Avenida de Berna, com fins de habitação. Um passo que é visto pelo Bloco de Esquerda como uma forma de "valorizar o imóvel público para sua posterior alienação, contribuindo para a especulação imobiliária e perdendo-se mais uma oportunidade para habitação pública a preços controlados", de acordo com o citado pela agência Lusa.
Na mesma reunião, também houve chumbos. A vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, colocou sobre a mesa a proposta de um hotel de quatro estrelas em Arroios, também na Rua Nova do Desterro, que contou com os votos contra de toda a oposição. Também foi rejeitada a construção de um condomínio de luxo na Penha de França (junto à Graça), na antiga Fábrica de Chocolates A Favorita.
Desterro teve projecto cultural nos planos
Vendido em 2022 por 10,5 milhões de euros pela Estamo (que gere o património edificado do Estado) à empresa Mainside (que criou a Lx Factory), sem que a Câmara de Lisboa exercesse o direito de preferência, o antigo Hospital do Desterro (fechado desde 2006) chegou a ter nos planos espaços para usos culturais e artísticos. Agora, vendo-se o projecto de arquitectura (com a abstenção do PS e votos contra do PCP, do Livre e do BE), é certo que ali nascerá o Hotel da Olaria do Desterro, bem como habitação e comércio. Na visão do PCP, “este projecto apenas consolida a privatização de um valioso património, que era público, sem contrapartidas para a cidade”. O partido da oposição frisa, ainda, em comunicado, que o processo acontece “à revelia do protocolo estabelecido entre a Câmara e a empresa que o adquiriu, que inicialmente tinha previsto para o espaço outros usos, incluindo no âmbito cultural”.
Recorde-se que, antes da aquisição, a Mainside arrendava o espaço desde 2013, tendo assinado com a Estamo e a CML um protocolo que visava a reabilitação do edifício e a criação de áreas destinadas à cultura, bem como um “estabelecimento de ensino”, estando também previsto espaço para o alojamento turístico. As obras pararam durante a pandemia e, em 2022, o imóvel foi vendido, não se mencionando projectos ligados à cultura, mas, “talvez, um pólo de produção para empresas”, noticiava na altura o jornal Eco.
Quanto ao lote de Belém, junto à Avenida da Índia, para o qual chegou a estar destinada habitação, os proprietários já haviam pedido no passado a alteração de uso à CML, mas receberam um parecer negativo da direcção de Urbanismo da autarquia em 2019, conforme explica o jornal Público, situação que agora toma novos contornos.
Detalhando ainda o projecto para a Avenida de Berna, cujo plano passa por transferir a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas para Campolide, demolindo o que hoje lá está para dar lugar a um edifício de dez pisos (três dos quais subterrâneos), o projecto já tinha estado em discussão e foi chumbado a 20 de Março, numa reunião da CML. A proposta foi, no entanto, novamente apresentada e viabilizada, com os votos a favor de PS e PSD/CDS. Em causa está uma área de construção de quase 30 mil metros quadrados e uma superfície de pavimento de quase 19 mil metros quadrados, destinada a habitação (com estacionamento), comércio e/ou serviços. Em Março, todos os partidos da oposição votaram contra, criticando a falta de benefícios para a comunidade.
"Cidade para turistas"
As aprovações de sexta-feira suscitaram forte crítica do lado da oposição. A vereação do BE, em particular, apontou o dedo à liderança de Carlos Moedas, acusando-o de “continuar com o seu plano de uma cidade para turistas e ricos” e de ser “o motor da especulação na cidade”. Já o partido Cidadãos Por Lisboa frisou que o município precisa de “habitação acessível” e não de hotéis.
Na terça-feira anterior, a 2 de Julho, na Assembleia Municipal, Carlos Moedas explicava que a abertura de hotéis na cidade explica-se por “um direito adquirido” no Plano Director Municipal (PDM), sugerindo a sua revisão do documento. Em 2019, a CML aprovou a definição da Capacidade de Carga Turística (CCT) em Lisboa, mas "essa medida nunca foi cumprida" e hoje "existe um Plano Director Municipal que permite a total liberalização dos solos da cidade, e portanto a implantação de hotéis de forma descontrolada", critica o gabinete de vereadores do PCP, em comunicado.
Numa reportagem publicada também a 2 de Julho, a Rádio Renascença chamou a atenção para o facto de a CML ter criado zonas de contenção para o alojamento local em 2019 (durante o mandato de Fernando Medina), quando, naquelas freguesias, foram construídos 41 hotéis entre 2020 e 2023. Em todo o município, durante este período, “abriram 71 empreendimentos turísticos (52 hotéis, 16 apartamentos turísticos, dois empreendimentos de turismo de habitação e uma pousada)”, escreveu aquele meio, baseando-se em dados do Turismo de Portugal.
Recorde-se que, em Janeiro, a CBRE publicou um relatório estimando a criação de 40 novos hotéis em Lisboa até 2026, com foco no luxo e em marcas internacionais.
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