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Livro do fotojornalista Enric Vives-Rubio leva-nos aos CONFINS de Lisboa

Enric Vives-Rubio fotografou o seu primeiro livro. E lançou uma campanha de crowdfunding para publicar ‘CONFINS’, uma edição de autor sobre os limites da cidade de Lisboa, em dias de confinamento. Fizemos uma excursão à fronteira.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
CONFINS
Fotografia: Francisco Romão PereiraEnric Vives-Rubio
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Junto ao Bairro do Alto do Chapeleiro, na freguesia de Santa Clara, há um caminho em terra batida em direcção a um confim. É um dos muitos limites da cidade, registados em imagem pelo fotojornalista Enric Vives-Rubio, que entre Fevereiro e Março de 2021 fez, possivelmente, o maior passeio higiénico da era Covid-19. Foi nesta fronteira que, entre silvas, pedras, chuva e vertigens, conversámos sobre CONFINS, o seu primeiro livro de fotografia, que descreve como um “convite à reflexão sobre o território, as fronteiras e o confinamento pelo qual todos nós passamos”. Uma edição que, se tudo correr bem, será financiada através de um crowdfunding a decorrer até 31 de Outubro na plataforma PPL.

Há limites da cidade de Lisboa que são a razão da sua história. É o caso do rio Tejo, o limite mais a sul, que permitiu a Lisboa ser uma cidade global em vários momentos da sua história. Mas há outros menos conhecidos, embora tenham sido activados aquando da imposição do confinamento dentro dos concelhos, em era de pandemia. Foi durante um desses confinamentos que Enric foi tentar perceber até onde podia ir, registando a viagem ao limite que, num futuro próximo, poderá folhear. “É um voto de confiança muito grande das pessoas, que vão comprar um livro sem o ver. E uma responsabilidade muito grande da minha parte. Eu sei que este livro é muito diferente do trabalho e tipo de fotografias pelas quais sou conhecido, a minha fotografia é mais conhecida pelos grandes contrastes, pelas sombras bem escuras… E este livro não é assim, quase não há sombras. Também é novo para mim, não estou num terreno conhecido”, explica bem-disposto, enquanto trocamos impressões perto de uma muralha. Outro tipo de terreno desconhecido que o fotojornalista descobriu após ter começado o caminho para CONFINS. Um caminho que começou na fronteira junto ao rio e percorreu, sempre a pé – por turnos, ao longo de vários dias – ao longo dos limites da cidade de Lisboa.

CONFINS
Fotografia: Francisco Romão Pereira / Time OutEnric junto à muralha

Uma das descobertas que mais marcou Enric, foi precisamente a muralha no descampado a poucos minutos a pé do Bairro do Alto do Chapeleiro. “De repente, vou fazer os limites e eles realmente existem. Existe a fronteira natural e a fronteira física que é uma muralha. Foi construída em finais do século XIX para proteger a cidade de Lisboa, mas entretanto nunca serviu para nada. Ao andar aqui, de repente ver uma muralha para mim fez todo o sentido, não é?”, pergunta retoricamente. Mas como é que começa este caminho? “É a partir do momento em que nos confinam a todos dentro do concelho de residência aos fins-de-semana. Eu sou fotojornalista de profissão, mas não estava a trabalhar em nenhum jornal e não fazia sentido estar a fazer o que os colegas dos jornais estavam a fazer. Então, andava sempre a pensar em alguma coisa que pudesse fazer que não estivesse a ser feita. E pensei em ir ver até onde eu posso ir”, responde, ao mesmo tempo que pergunta. “Porque não posso passar para o outro lado? O que há do outro lado?”. Nas coordenadas onde nos encontrámos, a resposta mais objectiva seria Odivelas, mas CONFINS também desafia o óbvio, apresentando-se como “um trabalho meditativo sobre o território e confinamento, que nos leva a reflectir sobre fronteira, limites, restrições, solidão, vazio e também a revisitar espaços próximos e afastados geograficamente do centro da cidade no contexto de um confinamento”, lê-se na página do crowdfunding. Ou seja, é um trabalho exploratório, que dá também a conhecer territórios menos populares da cidade. “Lisboa não é só os eléctricos, os postais que temos na cabeça. Estas realidades também são Lisboa”, sublinha o fotojornalista que acaba por dar a “conhecer o território onde vivemos e que muita gente não conhece”.

Alto do Chapeleiro
Fotografia: Francisco Romão PereiraPerto da muralha, há outro sinal claro de fronteira

O pensamento do fotógrafo sobre o que é isto das fronteiras já vem de longe, mais concretamente da sua cidade natal. “Sou de Barcelona e lembro-me, quando era pequeno, de quando íamos a França, era tudo tão diferente. Era só duas horas. Aqui também acontece: pegas no carro, em duas horas e meia estás em Badajoz e é tudo diferente. O pão não vale nada, o presunto é melhor. E as pessoas falam diferente. Essa ideia de fronteira é uma coisa que sempre, se calhar por ser catalão, sempre está aqui na minha cabeça.” E expande um pouco a ideia além-Lisboa. “O que eu fiz aqui podia ter feito em Portugal durante o confinamento. De repente, não se pode sair. E houve fotógrafos a trabalhar na questão das fronteiras físicas durante o confinamento. É interessante, nomeadamente na União Europeia onde não há fronteiras… e de repente há. De repente, já não se pode sair do país. De repente, já não se pode sair da cidade. Ou seja, a fronteira, embora uma coisa muito diluída, é uma realidade que ainda existe. E acho que isso também é importante, sermos conscientes dessas fronteiras. Não desapareceram e dificilmente vão desaparecer.”

Mas o livro CONFINS, que foi também pensado como um objecto artístico, não se fará apenas de imagens. A reflexão será enriquecida com dois textos, um de cariz literário, da autoria de Rui Cardoso Martins, jornalista e autor de livros como Deixem passar o homem invisível (2009), premiado pela Associação Portuguesa de Autores; e outro da fotógrafa Lorena Travassos, doutora em Fotografia pela Universidade Nova de Lisboa, que contribuiu com um texto mais teórico. O grafismo e paginação estão nas mãos do portuense Studio WABA, numa edição trilingue – com textos em português, inglês e catalão – com 80 páginas. Os apoios arrancam nos 30€.

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