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Um mercado de peixe sem bordões, mas com boas rabanadas. Se nos pedissem para descrever em poucas palavras o Lota d’Ávila, que abriu recentemente no lugar do extinto Rabo d’Pêxe, nas Avenidas Novas, era assim que o faríamos. Ao leme da cozinha, o chef Vasco Lello aceita uma fórmula ainda mais sintética: marisqueira moderna. Mas hesita. O marisco e o peixe frescos são a aposta da casa; e a decoração salta à vista: as boias de barco nas paredes, as caixas usadas para transportar e leiloar a pesca distribuídas pelo espaço, a balança para pesar o produto em destaque na banca de peixe, a “barra” (balcão), a sala transformada em “bar de praia”, o terraço à laia de deck, tudo. Então por que hesita Vasco Lello? Se nos perguntassem, diríamos que era porque a expressão marisqueira moderna é omissa quanto a rabanadas. No entanto, na resposta do chef, ficamos a saber que é porque não vê mal algum em olhar para o Lota d’Ávila como uma marisqueira tradicional, desde que isso lhe permita ter uns “pratos de inspiração”.
As ostras, por exemplo. Há ao natural (3€/unidade) e à moda da casa, com puré de aipo, ovas de salmão, cebolinho e dashi (4€/unidade). Até o couvert: a proposta da carta é a versão “Lastro” (5,50€), com pão de fermentação lenta, manteiga dos Açores e paté – que no dia da visita da Time Out era de fígado de tamboril. No entanto, nada impede que se avance imediatamente para as torradinhas (3,50€), abrindo caminho à velha maneira para a Mariscada do Chef (65€). Nas entradas, há lingueirão grelhado (9,50€) e lírio fumado com amêndoa do Algarve e laranja (11,50€); camarão ao alhinho (12€) e peixe fumado na Lota, burrata e ikura – ou seja, novamente ovas de salmão – (13€); amêijoas à Bulhão Pato (18€) e tártaro de atum com tostas de pão alentejano (14€). É um equilíbrio propositado entre tradição e pratos de autor. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Podendo haver compromisso, como no croquete de sapateira com molho tártaro (3,50€), ou no choco frito com maionese de sésamo preto e lima (12,50€), melhor.
Embora a factura possa variar entre os 30€ e os 50€ por cabeça, Vasco Lello quer que o Lota d’Ávila seja um restaurante para quem vive em Lisboa, e que os pratos correspondam também às suas expectativas. Depois de três anos a trabalhar no Sea Me, um espaço muito procurado por turistas, o chef acredita que aqui será diferente. Já está a ser. “Temos servido muitos locais, o que não acontecia no Chiado. Residentes estrangeiros têm aparecido muito, também”, dizia em finais de Novembro, altura em que estavam em soft opening, a testar pratos, a fixar a carta e, como tem sido quase inevitável na restauração, ainda à procura de gente para completar o quadro de pessoal. O Lota d’Ávila está pensado para abrir todos os dias ao almoço e ao jantar. Contudo, nesta fase inicial, está a fechar às segundas-feiras. Mesmo o equipamento não está completo: logo à entrada, onde fica o balcão de inox e onde os tabuleiros de gelo servem de mostruário ao marisco (com o preço por quilograma, como no mercado), ainda falta o indispensável aquário para manter vivas e frescas as santolas, os lavagantes e as lagostas; por chegar está também uma balança de grande formato para a banca do peixe (igualmente em tabuleiros de gelo e com tabuletas com o preço), aonde os clientes podem e devem dirigir-se para escolher o peixe que vão comer e trocar impressões com quem o atender sobre o seu modo de confecção (cozido, grelhado ou ao sal, com batata assada e legumes grelhados a acompanhar). O bicho é pesado à frente do freguês.
A casa faz gala da frescura do produto, que vem sobretudo de Peniche e dos Açores, segundo Vasco Lello, embora haja peixes e mariscos do “mar de Portugal todo”. Para uma coisa ou outra, todavia, pode revelar-se necessário percorrer milhas extra – no dia da visita da Time Out, o lavagante tinha origem no Canadá e as gambas em Marrocos. Tudo o resto era português, do lingueirão – que “tem sido um sucesso”, um bestseller – às ostras aveirenses e ao carabineiro algarvio que vieram para a mesa antes dos pratos principais. Nesses, voltámos a encontrar o cefalópode das entradas, agora à valenciana e não à setubalense, na paella negra de choco, polvo e lula (55€/duas pessoas). É uma das três paellas na carta, juntamente com a de cabrito assado (60€) e a de lavagante (85€), todas com uma nota de rodapé a alertar para o tempo de preparação – “aproximadamente 30 minutos” – por serem feitas ao momento.
Fora da carta, chegou à mesa uma surpresa: caldeirada de salmonete e robalo. E a ideia é que esta e outras experiências da cozinha possam ir chegando aos clientes através dos “especiais do dia”, a serem escritos nos azulejos à entrada, para aproveitar a apanha diária. Sejam fritos, xeréns, arrozes, caldeiradas, ou sopas, “há liberdade de criatividade e de gestão”, sublinha o chef, que imagina ainda um bitoque de atum ou um “cachorro de alguma coisa”. Ou uns fumados a lenha (zimbro e sobro). Sushi, como acontecia no Rabo d'Pêxe, não: “Gosto de fazer e faço bem, mas à partida não vamos entrar por aí”. Os preços, acredita, são os adequados – para quem paga e para quem tem de se haver com a incerteza da inflação. “Temos um preço justo. E temos margem para manter a carta [com os preços que estão]”, garante Vasco Lello.
Carne, há. Mas pouca. Além da paella de cabrito, o bife grelhado com molho à Lota e batatas fritas (18€) e o prego do lombo com chips (10€), para o tradicional remate dos pratos de marisco. Mais os panadinhos de frango (7€), que também podem ser de peixe, para as crianças. Estas, aliás, têm um espaço só para elas, almofadado e ao ar livre, para poderem abandonar os pais nas refeições demoradas que uma marisqueira impõe, e irem fazer algo bem mais interessante do que comer – brincar. Do ponto de vista dos pais, elas estarão numa espécie de aquário envidraçado (o que é bastante adequado), visíveis de qualquer parte da sala. Esta é ampla e luminosa, sentando 44 pessoas. Cabem mais 12 no terraço, 16 na barra e oito no corredor. Quando o tempo permitir esplanada, são mais 28, num total de 108 lugares. Feitas as contas, são cerca de 500 metros quadrados, com uma equipa de 20 a 22 pessoas. Cada uma com o seu avental de borracha, para alimentar o imaginário de lota de peixe. Os clientes também podem ter “farda”: babetes de pano guardados nas prateleiras quadriculares no final do corredor, diante da cozinha, bordados com as palavras “capitão” e “capitã”.
Os mais assíduos poderão ter o próprio nome bordado num destes babetes. No dia em que a Time Out esteve no Lota d’Ávila já havia um: Pedro Teixeira. O actor é um dos sócios, com Diogo Figueiredo, do grupo Paradigma, proprietário deste restaurante e de um outro ao Chiado, o Ofício. André Figueirinha, director de operações do grupo, que aqui tem um papel de supervisão, é também o responsável pela concepção da carta de vinhos. Os cocktails, esses, saem do bar que está de frente para a sala com o seu enorme letreiro em néon laranja – “Lotado”. Mais propriamente das mãos de Bruna Ribeiro, que tem a seu cargo preparar bebidas com “muita cor”, em particular em variações de verde e cor-de-rosa, para contrastar com o branco das paredes, o azul marinho dos guardanapos, e as listras de cadeiras e sofás.
O que falta? As sobremesas. Vasco Lello quis ele próprio ocupar-se delas, mesmo que isso o esteja a obrigar a reaprender processos e a passar muito mais tempo na cozinha. São três: mousse de queijo, framboesas e cookie crumble (5€); folhado de amêndoa e fava tonka (6€); e, finalmente, com um topo caramelizado e crocante, a rabanada de brioche e gelado de tomilho (5€). Esta última é mais um exemplo do equilíbrio que aqui se procura entre tradição e inovação. Voltemos portanto ao início: uma marisqueira, sim; um restaurante de peixe, sim; mas também um sítio para ter os doces debaixo de olho. Resumir para quê?
Av. Duque de Ávila, 42B. 925 906 950. Ter-Qui e Dom 12.30-15.30, 18.30-23.00; Sex-Sáb 12.30-15.30, 18.30-01.00
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