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Nelson Mandela, Grada Kilomba, Naide Gomes, Basquiat. Apesar da invisibilidade sistémica e de muitas outras adversidades, a história está repleta de personalidades admiráveis que têm contrariado preconceitos antigos e contribuído, incansavelmente, para um futuro melhor. Foi por isso – não para dar voz, mas para confirmar que as vozes sempre estiveram lá – que Lúcia Vicente decidiu pôr a descoberto as Raízes Negras do mundo. “Ser anti-racista não é só ser contra o racismo”, alerta a autora, que procura, por um lado, despertar o espírito crítico dos mais novos e dos seus educadores e, por outro, disponibilizar ferramentas para a mudança.
Como escreveu a activista e deputada Beatriz Gomes Dias no prefácio do livro (16,90€), editado este Verão pela Nuvem de Tinta, é fulcral reconhecer o papel que gerações de pessoas negras “protagonizaram em várias geografias e tempos históricos”. Mas não só. Numa sociedade estruturalmente racista, é preciso também promover a sua representação visual. “Só fiz duas exigências à editora: ter uma ilustradora negra foi uma delas. As minhas escolhas foram, obviamente, feitas na perspectiva de uma mulher branca, por isso era mesmo muito importante”, explica Lúcia, que contou ainda com a revisão de especialistas em linguagem inclusiva.
Foi em 2018, recorda, que tomou consciência pela primeira vez de quão fortes são as ideias racistas “que procuram aprisionar as pessoas negras no lugar da não-existência”. Estava a preparar o seu primeiro livro feminista para crianças e fez uma lista de Portuguesas com M Grande. “Em 42, nenhuma era negra”, confessa a historiadora que, até então, acreditava ser anti-racista. “É preciso fazer uma desconstrução muito grande da linguagem, do comportamento, do pensamento.” Foi o que tentou fazer: pôr-se em xeque, pesquisar e prestar mais atenção ao que as pessoas negras têm para dizer. “Aprendi mais em duas horas ao telefone do que num semestre inteiro de Império Português.”
Pensado para crianças e jovens, Raízes Negras introduz os leitores na vida de personalidades muito distintas, desde a Australopithecus afarensis Lucy, que viveu na Etiópia há cerca de três milhões de anos, até à ginasta e campeã olímpica norte-americana Simone Biles, sem esquecer outros visionários e intrépidos, como a rainha guerreira Nzinga, a política Alda do Espírito Santo, a socióloga Marielle Franco, o futebolista Eusébio ou o diplomata Kofi Annan. Menosprezados por uma historiografia tradicionalmente branca e eurocêntrica, os seus rostos e ideais foram ilustrados pela muralista cabo-verdiana Gilda Barros. “Quando vi o trabalho da Gilda pela primeira vez, fiquei histérica. Adorava ir ao Mindelo só para apreciar os murais dela.”
Além dos cerca de 53 exemplos de coragem, perseverança e liderança, Lúcia incluiu ainda um glossário no final do livro. Foi a outra exigência, dirigida especialmente aos pais e educadores, com mais informação sobre conceitos importantes, alguns movimentos e acontecimentos históricos e outras figuras incontornáveis da história de África.
“As crianças negras começam a ser preparadas para estas questões desde muito cedo, até para saberem como reagir em determinadas situações, para que se possam manter seguras. Mas não acontece o mesmo com as crianças brancas. Os pais dizem ‘os meus filhos não distinguem’. Talvez não distingam com três anos, mas isso não é verdade para todos à medida que crescem. É preciso educar”, remata a autora.
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