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Em 2018 foi nomeado para o Óscar de Melhor Guarda-Roupa pelo seu trabalho no filme A Forma da Água, de Guillermo del Toro. Quatro anos depois, Luís Sequeira repete o feito, desta vez com Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas, a mais recente obra do mesmo realizador mexicano. O designer, filho de pais portugueses, falou com a Time Out sobre os desafios de construir um figurino de época, do eterno espírito de coleccionador em viagem e dos souvenirs que leva de Portugal – e que acabam no grande ecrã.
Mesmo antes de começar este filme tinha estado em Portugal de férias, na Feira da Vandoma, no Porto, a comprar botões.
Isso mesmo.
Esses botões foram para este filme?
Sim, foram usados neste filme. Não consigo dizer se foram usados no figurino da Rooney Mara, mas foram usados no filme.
O figurino nasce quando se lê o argumento?
Completamente. Quando lemos um bom argumento começamos a ver as personagens a sair das páginas, se lemos um argumento mau é mais difícil ter essa visão. Neste caso era um argumento óptimo e tendo visto o filme original tinha uma ideia do que estávamos a fazer, ainda que com outra abordagem. Enquanto lia o argumento do Guillermo [del Toro] comecei logo a ver quais seriam essas diferenças, até porque íamos filmar a cores e não a preto e branco. Havia uma sensibilidade para o que faríamos para criar esse aspecto de época e o que faríamos a nível de cores para os dois mundos.
Falando de cores, o vermelho é das cores mais presentes, em diferentes variações ao longo do filme.
Sim, era um desejo do Guillermo ter a personagem da Molly [Rooney Mara] a usar vermelho ao longo do filme. Ela usou quase exclusivamente vermelho ou uma forma de vermelho. No circo fui para um vermelho mais profundo, mais cor-de-vinho, para acompanhar a paleta cromática do próprio circo. Quando passamos para a cidade os vermelhos são muito mais puros e pronunciados. De certa forma a Molly é o compasso moral. Conforme o barómetro da verdade é mais definido, a cor também se torna mais e mais pura.
Essa ideia de usar a roupa enquanto metáfora aplica-a a todos os projectos?
Estamos sempre a tentar sobrepor coisas diferentes que se relacionam com a personagem, a nível de cores e tom. O Guillermo foi bastante específico com a questão da cor para a Rooney [Mara] e eu parti daí, criando essa variação. Porque se fôssemos ter a mesma cor nos dois ambientes, circo e cidade, não teria ficado ajustado a esse mundo. Porque toda a paleta do circo parece ter sido mergulhada em nicotina ou em café ou chá. Tem uma lavagem sobre tudo. Aliás, nós tivemos de envelhecer tudo, fizemos vários banhos de permanganato de potássio, que dá uma óptima patine a tudo. A todas as roupas que construímos fizemos esse tratamento.
Já n'A Forma da Água [2017] tinha feito grande parte do figurino de raiz. Aqui, passando-se o filme nos anos 40, recorreu a lojas vintage ou também desenhou a maior parte das peças?
Para os figurantes alugamos grande parte da roupa, de várias casas de aluguer de guarda-roupa, tanto na Europa como na América do Norte. Alugámos em Espanha, por exemplo, na Peris, que tem uma subsidiária em Lisboa. Alugámos muitas dessas roupas. Mas para os nossos circenses, os que trabalhavam no circo, acabámos por construir tudo de raiz para eles. Até porque havia muitas cenas com chuva e quando usas roupa vintage na chuva é garantido que elas se vão desintegrar. Portanto tivemos de construir todas essa peças, dando-lhe depois esse aspecto envelhecido. Para as personagens construímos cerca de 90%. Nunca vais encontrar a camisa perfeita no tamanho certo e precisávamos de múltiplos de tudo. Tinha um exército de pessoas só a envelhecer a roupa para criar guarda-roupa para todas as personagens no Carnaval. Depois na cidade já era tudo novo. Não vais encontrar roupa que é nova, linda e fresca que tem 80 anos em lugar nenhum. Tivemos de construir tudo a partir do zero.
Nas viagens que faz, ainda faz rondas pelas lojas vintage e feiras por onde passa?
Absolutamente. Ando a comprar catálogos antigos e botões e coisas há décadas. É isso que faço desde que comecei nesta indústria. Às vezes essas coisas ficam na minha equipa durante dez anos e, de repente, é a coisa perfeita. Literalmente esses botões do Porto, que um senhor estava a vender porque se estava a desfazer de uma loja de botões, comprei-os todos! E compraria ainda mais se estivesse lá mais tempo.
Eram assim tantos?
Era uma boa caixa. Enviei-os por correio porque não caberiam na minha mala de viagem.
Que outros objectos já levou de Portugal?
Já comprei chapéus no Porto, um dos meus primeiros livros comprei em Lisboa na livraria Bertrand, há uns 30 anos, e foi um dos livros mais importantes para este filme. Era um livro de moda masculina de 1939 e tem [informação sobre] todos os tecidos, todos os estilos, todas as combinações. Aí está um exemplo de como coleccionar vale a pena, muitos anos depois.