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A memória é importante, mas também nos pode tramar. Por isso, porque não imortalizar memoráveis e importantes momentos para nunca nos esquecermos deles? Foi isto que o fotojornalista Luís Vasconcelos quis fazer em Vinil, num livro de fotografias com retratos de algumas das mais importantes figuras do rock português e de importantes concertos que aconteceram em Portugal (e em Espanha) nos 80s. A Time Out falou com o fotógrafo sobre este registo e ouviu as histórias sobre colaborações com personalidades como Rui Veloso ou Amália. O lançamento acontece esta quinta-feira, 12 de Dezembro, às 18.00, no atelier da filha, Joana Vasconcelos.
Quando é que surgiu a ideia para criar este projecto?
Todo o trabalho que encontra no livro foi o que fui fazendo ao longo dos anos. A dada altura, por insistência da minha mulher, Teresa, que achava que eu devia mostrar este reportório, olhei para o arquivo. Queria perceber se fazia sentido fazer alguma coisa com ele e o que podia ou não entrar.
Como foi fazer esta viagem ao passado e rever todas estas fotografias
As viagens ao passado são sempre complicadas. Mas achei que era importante mostrar o início desta revolução musical em Portugal. As pessoas na altura eram todas muito novas, cheias de força e energia, queria transmitir essa ideia neste livro.
E também a imponência de alguns locais lendários, como o Dramático de Cascais. Tem saudades de tirar fotografias neste sítio?
Os concertos neste local eram fantásticos. As pessoas não iam apenas ver o concerto, elas também participavam. Havia uma comunhão muito grande nesta sala. Antigamente, não havia muitas regras, se quisesse, podia fotografar os concertos do princípio até ao fim. Onde quisesse e como quisesse, só não podia estar em cima do palco... e mesmo assim havia excepções. Por exemplo, no Cascais Jazz, como é possível ver pelas fotografias, tirei muitas fotografias desse sítio privilegiado.
O Cascais Jazz foi um momento muito importante para a música portuguesa. Quais são as recordações mais impactantes que tem nesse festival?
Consegui tirar e ouvir grandes músicos de jazz. Por exemplo, Charles Mingus, um músico fantástico.
Fiquei surpreendido por não ter fotografias do concerto do Miles Davis, em 1971.
Não estava em Portugal para fotografar o Miles Davis. Tenho pena, ele era um génio. Este livro não foi planeado, na altura nem imaginava. Gostava de ir aos concertos e de os fotografar, não ambicionava criar um livro.
Acha que os concertos de hoje em dia são muito diferentes?
Sim. A última vez que fui a um espectáculo foi o Rock in Rio para ver o Bruce Springsteen. Já não é a mesma coisa. As pessoas estão demasiado longe, funciona tudo através de ecrãs e não há uma participação das pessoas. Há uma massificação muito grande.
Estamos a falar de algumas instituições do passado, como o Cascais Jazz ou o Dramático de Cascais. Sentiu que era importante recordar as gerações mais novas destes espaços e eventos que foram tão importantes no passado?
Queria sobretudo recordar este período onde as pessoas se dedicavam à música. São pessoas que viviam para a música ou da música. Temos figuras que são intérpretes, outros funcionavam mais como criativos. É importante preservar estas memórias.
Além das fotografias de concertos, também existem muitas fotografias de sessão com músicos portugueses. Uma das artistas que aparece em maior destaque é a Lena d'Água. Como foi trabalhar com ela?
Foi maravilhoso. Era uma pessoa acessível, simpática e uma mulher muito bonita. Era muito fácil trabalhar com ela.
Outra fotografia que também me chamou a atenção e que se tornou muito emblemática foi uma do Rui Veloso, durante uma actuação dele e que, em 2000, se tornou capa do disco que celebrava os 20 anos de carreira.
Ele foi a primeira pessoa que fotografei para fazer uma capa. Na altura, eu fazia parte de um pequeno grupo que criou um jornal de música chamado Rock Week. Acabei por fotografar o Rui Veloso, e a Valentim de Carvalho gostou tanto da sessão que quis utilizar a fotografia em que ele está num carro com um miúdo para o primeiro álbum dele, o Ar de Roque. Depois ainda fiz mais três capas com ele. Era agradável trabalhar com ele. Não era uma pessoa que se punha em bicos de pés para tirar fotografias. Cheguei a ir ao Porto e a estar em casa dele. Existiam muitas mais que poderia ter incluído, mas não havia espaço para tudo.
Há algum artista que se arrependa de não ter conseguido inserir no livro?
Não. Havia era artistas dos quais não tinha fotografias suficientemente boas para pôr no livro. Tentei sempre, nestas fotografias que escolhi, que os artistas estivessem no seu melhor. Dou-lhe um exemplo: o Leonard Cohen. A imagem que faziam passar dele e que vi durante muito tempo, até em capas de discos, era que ele tinha um ar mole. E ele não era nada disso. Nem nas letras, nem enquanto pessoa. Quando descobri a foto do Leonard Cohen que incluí no livro, achei que era uma boa homenagem. Mostrava um lado mais afirmativo e forte.
Ainda nesta onda de homenagens, o livro começa e acaba com fotografias da Amália. Porque é que tomou esta decisão?
Tive o privilégio de fotografar a Amália várias vezes. Ela era uma personagem fantástica. A última fotografia do livro é de uma manifestação pela liberdade de expressão, que aconteceu no contexto do caso República [episódio da luta pelo controlo da comunicação social na República Portuguesa, correspondente à invasão e ocupação do jornal República]. Tudo isto que está no livro é resultado da possibilidade de haver liberdade de expressão. Fazia todo o sentido fechar o livro com esta imagem e com a Amália. Senti que englobava todas as ideias do livro. Ainda para mais num ano em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril.
Sente que ao captar estes momentos tão importantes da música portuguesa acaba por também ficar imortalizado ao lado destes artistas?
Não acho nada. Tudo foi resultado de acasos e de muita improvisação. Não acho que exista essa tentativa.
Vinil, de Luís Vasconcelos. Tinta da China. 156 pp. 43,92€
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