[title]
Música clássica é na Gulbenkian, no São Carlos e no CCB, no Lux é para dançar? O Ciclo Boca do Lobo promete baralhar estas certezas, entre Janeiro e Junho de 2020, na terceira quinta-feira de cada mês.
Quem frequente concertos de música clássica ou assista às transmissões televisivas a partir das grandes salas de concertos do mundo, ou os respectivos vídeos disponíveis no YouTube, não pode deixar de constatar que os cabelos grisalhos e as calvas luzidias são dominantes entre o público. A proliferação de orquestras juvenis – de que a Orquestra Sinfónica Juvenil Simón Bolívar ou a Orquestra Juvenil Gustav Mahler são expoentes – até veio trazer um rejuvenescimento do lado do palco, mas do lado do público a idade média parece continuar a aumentar. E não é só uma questão de idade – há também barreiras de status social, há a aura de solenidade que rodeia o evento, os códigos de vestuário de músicos e público, os pequenos rituais (“não se pode aplaudir entre andamentos!”), enfim uma conjugação de conspirações que fazem com que a música clássica pareça encerrada numa bolha.
Há quem combata essas bolhas através de programações que desafiam as convenções e actuando em lugares pouco usuais para a música clássica. Se há espaço em Lisboa que não se associa a música clássica é o Lux-Frágil, mas as coisas começaram a mudar: em Abril passado ouviu-se Stimmung (1968), de Karlheinz Stockhausen, pelo Coro Gulbenkian, e em 2020, o jovem maestro Martim Sousa Tavares, fundador da Orquestra Sem Fronteiras, delineou uma programação com potencial para desfazer preconceitos e hábitos e aumentar a porosidade entre a “música erudita” (uma infeliz designação, que logo à partida ergue barreiras e separa públicos) e o comum dos mortais.
O ciclo Boca do Lobo tem periodicidade mensal e não quer espectadores sentados. Os concertos programados são os seguintes.
20 de Janeiro
O ciclo de canções A Viagem de Inverno, de Franz Schubert, pela dupla de voz e piano formada pelo sul-africano Martin Mkhize e pela kosovar Mirka Sefa e com ilustração em tempo real pelo cabo-verdiano Fidel Évora promete aproximar o conceito romântico de Wanderer à problemática das migrações do século XXI.
20 de Fevereiro
Composições de John Cage e da obscura Johanna Magdalena Beyer (1888- 1944), uma alemã que se mudou para os EUA e foi seduzida pelos “ultra-modernistas” americanos, em interpretação do Drumming GP.
19 de Março
Obras de John Luther Adams (n.1953), um americano inspirado pelas majestosas e desoladas paisagens do Alaska e cuja peça Become Ocean (2013) foi distinguida com o Prémio Pulitzer e um Grammy Award.
16 de Abril
Música de Erik Satie pela sua incansável paladina em Portugal, Joana Gama.
21 de Maio
A ópera de câmara As One, com música de Laura Kaminsky (n. 1956) e libreto de Mark Campbell (outro duplo galardoado com um Pulitzer e um Grammy) e Kimberley Reed, que embora tenha só uma personagem, Hannah (além de um quarteto de cordas), requer dois cantores, um barítono e uma soprano, pois Hannah é uma mulher transgénero que reflecte sobre a sua identidade e a sua inserção no mundo.
18 de Junho
Musique de Scène pour les Chansons de Bilitis (1900), de Claude Debussy, uma remix para mini-orquestra de câmara, com declamação e componente cénica, a partir do ciclo de canções para voz e piano Chansons de Bilitis (1897), sobre poemas de Pierre Louys (amigo de Debussy). Os poemas, surgidos em 1894 e apresentados como se fossem obra de uma fictícia poetisa grega que terá vivido em Chipre nos séculos VII/VI, inspiram-se na poesia de Sappho e têm o amor lésbico no seu fulcro.