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Luxo, exotismo e estatuto. O poder dos leques em exposição no Museu do Oriente

Desde a sua introdução no Ocidente que o leque se tornou num objecto de fascínio. A partir de 14 de Abril, pode descobrir porquê e deslumbrar-se com exemplares raros no Museu do Oriente.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Na Senda dos Leques Orientais
© Francisco Romão PereiraPreça principal da exposição “Na Senda dos Leques Orientais", no Museu do Oriente
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Foi entre o século XVI e o XIX que os leques chineses conquistaram os mercados europeu e americano. Feitos de diferentes materiais, tornaram-se um adereço indispensável durante as dinastias Ming e Qing, com Cantão e Macau a destacar-se como importantes centros de comércio e fabrico. No Ocidente, revelaram-se como um objecto de fascínio – de luxo, exotismo, estatuto e poder. A partir desta sexta-feira, 14 de Abril, a nova exposição do Museu do Oriente, “Na Senda dos Leques Orientais”, convida-nos, por um lado, a descobrir mais sobre a sua história, características e usos, em particular na Europa; e, por outro, a apreciar raros exemplares, alguns dos quais nunca acessíveis ao público, e a sua representação em obras de pintura, escultura e artes decorativas, do acervo da Fundação Oriente e de mais 23 proveniências, desde museus e instituições culturais até coleccionadores privados.

“Esta exposição foi concebida de forma didáctica e começa por nos convidar a percorrer um túnel com cheiro de sândalo, que as mulheres gostavam, porque a maior parte dos leques eram fabricados com essa madeira [originária da Índia e do Sudeste Asiático] e, ao movimentar o leque, o aroma [dispersava e] acabava agradando”, revela o comissário científico, Paulo de Assunção, investigador na Universidade de Lisboa e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. “À entrada, temos esta representação da peça principal [na imagem de destaque deste artigo], que é da Fundação Oriente: um leque plissado, filigranado [em papel, guache, ouro, prata, esmaltes, marfim e seda, com caixa em madeira lacada e seda], com uma paisagem de Macau. Normalmente, há uma segunda face, que têm oportunidade de ver no desdobrável [sobre a exposição] e que vão ver também lá na frente [no exemplar original, que encerra a penúltima sala].”

Além de reunir informação sobre a origem e funções do leque em diferentes civilizações e contextos, do quotidiano chinês aos palácios e cortes europeias, aborda a diversidade de formas, materiais e técnicas de fabrico, as dinâmicas de circulação e a relevância económica do leque no comércio de exportação da China. “O que queremos deixar claro é que o leque é uma peça complexa, ainda que composta basicamente por três elementos: as varetas, [cujo número] pode variar consoante o período – temos dez, temos 22, então a gente pode ter leques masculinos e femininos com variação de tamanhos e varetas diferentes; as guardas são as partes externas, que vão acompanhar o leque e podem ter acabamentos diferenciados – normalmente são mais estruturadas para proteger o leque quando fechado; e as folhas, normalmente preparadas com papel: antes eram com pergaminho ou pele de diferentes animais de uma maneira geral.”

Na Senda dos Leques Orientais
© Francisco Romão Pereira“Na Senda dos Leques Orientais”, no Museu do Oriente

De onde vem o leque?

No contexto chinês, “shan” é utilizado para referir todos os leques – o caractere sínico (扇) deriva de uma imagem de penas sob um telhado –, mas há mais do que um tipo: os cerimoniais (“tuan shan”), os para cobrir a face (“pien mien”) e os desdobráveis (“zhe shan”). Estes últimos são também conhecidos como leques de encomenda, uma vez que o seu comércio era mais voltado para o mercado internacional. “Eram estes que chegavam à Europa e aos Estados Unidos.” O material utilizado para as suas varetas e guardas deveria ser rígido e leve, além de fáceis de modelar ou esculpir, como o marfim, a madrepérola, a carapaça de tartaruga, chifres de boi e madeira, por exemplo. Mas os primeiros leques não eram assim e foram feitos a partir de folhas de palmeiras Trachycarpus fortunei (popularmente conhecida como palmeira-moinho-de-vento), mas também de lótus, de bananeira e outras fibras vegetais, que eram trabalhadas e pintadas.

O consenso entre os estudiosos é que os primeiros leques terão surgido na China por volta de 2500 a. C. ou durante o tempo do soberano Hsien-Yuan, o Imperador Amarelo (2698-2598 a.C.). Mas o adereço é retratado desde a antiguidade, em pinturas murais do Egipto, Assíria e Pérsia, e foi difundido no Japão, onde os europeus descobriram a novidade. Há, claro, muitas lendas sobre a sua criação, como a que atribui a invenção à figura do sábio Zhongli Quan (também conhecido como Zhengyang Zushi), que teria vivido na dinastia Han ou na dinastia Zhou, não se sabe bem, e é representado com um leque mágico, que serviria para transformar pedras em moedas de prata e de ouro, o que teria ajudado muitas pessoas a saírem da pobreza. “Além disso, o poder do leque fazia ressuscitar”, acrescenta Paulo.

Utilizado progressivamente a partir do século XVI, como consequência das interacções comerciais e marítimas entre o império chinês e a Europa, o termo “lie-kie”, que daria origem à palavra portuguesa “leque”, teve origem nas ilhas Ryukyu, localizadas no mar da China e que actualmente pertencem ao arquipélago do Japão. Os primeiros portugueses que lá chegaram deixaram-nos registo sobre o uso do leque no dia-a-dia, nomeadamente como um elemento indispensável da indumentária quotidiana de grande parte da população, bem como em momentos cerimoniais. O Padre Luís de Froes (1532-1597), por exemplo, escreveu que os sacerdotes japoneses habitualmente pregavam, a partir dos seus púlpitos, segurando leques dourados. “A Europa tentou competir com [o mercado de] os leques orientais, ao imitar as cenas do contexto asiático”, diz Paulo de Assunção.

Na Senda dos Leques Orientais
© Francisco Romão Pereira“Na Senda dos Leques Orientais”, no Museu do Oriente

Símbolo do poder feminino, mas não só

Pensado em primeiro lugar como um objecto funcional, para aliviar o calor, a partir do século XVII estabeleceu-se como um instrumento de adorno, beleza artística e representação feminina, assumindo-se, ao longo dos séculos seguintes, como uma verdadeira “arma de sedução” e até de comunicação. Diz-se que a “linguagem do leque”, um complexo jogo social, foi inventada por um famoso fabricante de leques francês, que queria rapidamente aumentar as vendas do objecto através da distribuição de um pequeno libreto, que acompanhava os exemplares que as senhoras compravam e as ensinava a comunicar de forma velada com os seus pretendentes.

A exposição do Museu do Oriente não se debruça muito sobre a forma como se usava o leque para comunicar, mas é fácil perceber como cada exemplar é de tal maneira uma obra de arte que ninguém resistiria a usá-los também como uma espécie de jóia. Aliás, basta olhar para os retratos das senhoras do século XVIII, alguns presentes nesta exposição, como o de D. Emília Condeixa, para testemunhar o uso do leque na sociedade europeia e, claro, a variedade de modelos – os mais antigos eram feitos de materiais nobres como penas ou pedras preciosas, e as bases eram pintadas, bordadas com lantejoulas ou fios dourados ou prateados. “Era conhecido como o ceptro feminino, o símbolo do poder feminino, daí muitas mulheres fazerem-se representar com peças de leque. A gente sabe que a rainha de Inglaterra, Elizabeth I, tinha uma colecção enorme.”

Na Senda dos Leques Orientais
© Francisco Romão Pereira“Na Senda dos Leques Orientais”, no Museu do Oriente

Além de leques femininos, também existiam leques masculinos, e era comum fazerem uso de motivos caligráficos, geométricos ou de figuras de letrados, com as pinturas a incluírem poemas, que revelavam a forma de pensar do seu proprietário. Mas poderá ver diferentes exemplares na última sala da exposição, desde leques plissados a leques “hu shan”, mais conhecidos como “brisé”, termo francês utilizado por coleccionadores. Destacam-se, por exemplo, um leque brisé do Museu Nacional de Arte Antiga, feito de tartaruga loira pintada a ouro realçado a preto e botão em madrepérola; e o leque “Volong”, feito de papel, marfim, seda e madeira, emprestado pelo Museu Condes de Castro Guimarães – que, curiosamente, é também detentor do “Viagens do Amor”, um leque em papel e metal esmaltado, datado do primeiro quartel do século XIX (1816-1826), que foi alvo de restauro em Janeiro deste ano e conta com inscrições e legendas escritas em português, à pena com tinta da China.

Concebida em colaboração vários membros do Circuito Asiático, rede de museus e instituições culturais que integram as mais significativas colecções de arte asiática de Lisboa, “Na Senda dos Leques Orientais” ficará patente no Museu do Oriente até 10 de Setembro e pode ser visitada de terça-feira a quinta e domingo, das 10.00 às 18.00, e sexta-feira, das 10.00 às 20.00.

Museu do Oriente. Ter-Qui e Sáb-Dom 10.00-18.00, Sex 10.00-20.00. 6€ (grátis às Sex 18.00-20.00)

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