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Mais luz, melhor acessibilidade e terraço recuperado. É assim o renovado Teatro Camões

Fechado para obras de requalificação desde o ano passado, o Teatro Camões reabre em Outubro. De volta estão a Companhia Nacional de Bailado e Fernando Duarte, ex-bailarino, agora director artístico.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Teatro Camões
© Rita GazzoTeatro Camões
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Um espaço pode ser muita coisa até lá chegarmos. Ora vazio, ora mobilado, acarreta um infinito de possibilidades, uma multitude de funções a si associadas. Por sua vez, os objectos que o ocupam também podem ser aquilo que quisermos, independentemente de qual era a sua função original. Imaginemos um sofá. Em vez de servir para sentar, serve antes de prato para comida, ou de tapete para limpar as solas dos sapatos, ou de palco. Um espaço e, por consequente, tudo o que nele habita, só ganha forma quando nós lá estamos. Aqui, à beira-rio, falamos de um edifício que, fechado durante um ano, começa a ganhar forma novamente, a desempenhar a sua função principal. Após ser submetido a obras de requalificação, no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, o Teatro Camões abre em Outubro para voltar a ser casa da Companhia Nacional de Bailado (CNB). Com ela, retorna Fernando Duarte, desta vez como director artístico.

Teatro Camões
© Rita Gazzo

Inaugurado na Expo’98, no Passeio Neptuno, o Teatro Camões passou a ser sede da CNB em 2002. Não habilitado para acolher uma companhia de dança, nem com as condições necessárias para desenvolver o seu trabalho artístico, o edifício apresentava vários problemas. No Verão passado, saíram os bailarinos e as equipas técnica e administrativa (que ficaram temporariamente alojados no Teatro Nacional São Carlos e nos estúdios Victor Córdon). Em Janeiro, arrancaram as obras de recuperação. “A grande prioridade obviamente era a recuperação do edifício no seu acelerado estado de degradação, quer no exterior, quer no interior. Havia muitas fragilidades estruturais, ao nível das coberturas, chovia muito e houve dias em que tivemos alguns sobressaltos, a climatização tinha muitas deficiências, os equipamentos eram obsoletos, a rede de águas e de esgotos, todos os equipamentos técnicos eram ultrapassados”, explica-nos Conceição Amaral, presidente da OPART, entidade que gere o espaço.

Teatro Camões
© Rita Gazzo

O projecto, originalmente concebido por Manuel Salgado, foi agora reabilitado pelos arquitectos Cristina Picoto e Tomás Salgado, que dotaram o edifício de mais luz, de uma nova configuração que permite uma melhor acessibilidade e circulação das pessoas, e de uma área de terraço recuperada. Verificam-se também alterações nos camarins, nos estúdios, no foyer, no gabinete de guarda-roupa, no atelier, nas salas de reabilitação e fisioterapia e no novo ginásio. A sala de espectáculos também tem cadeiras e alcatifas requalificadas e uma nova iluminação.

Quando entramos, subimos directamente ao segundo andar, onde na sala-estúdio está a decorrer uma aula de ballet. Damos logo conta de uma das maiores diferenças que resultou das obras – a magnífica entrada de luz natural. A abertura de vãos para a implementação de grandes janelas foi um dos pontos essenciais desta requalificação. “Num espaço à beira-rio, em Lisboa, com uma luz natural excepcional, não fazia sentido que o Teatro Camões não tivesse qualquer vista. A vista que tinha era para o rio, mas no foyer, porque durante o dia as pessoas trabalhavam sem luz natural. Essa foi a grande revolução”, continua Conceição Amaral.

Teatro Camões
© Rita Gazzo

O grande objectivo da empreitada passou por tornar o teatro num espaço que proporcionasse aos membros da CNB, e em especial aos bailarinos, um ambiente de trabalho favorável. “Eu próprio, como bailarino que fui nesta casa durante anos, e ainda como professor, imagino que deva ser extraordinário, totalmente renovador e, de certa forma, inspirador. Sentimos que regressamos a um teatro que conhecemos tão bem e, no entanto, estamos todos agora a descobrir o que de novo nos traz”, diz Fernando Duarte, director artístico da CNB, enquanto nos dá a conhecer os cantos à companhia.  

Em 1996, Fernando ingressou na CNB, onde foi bailarino principal e onde, entre 2011 e 2017, se tornou mestre de bailado, depois de voltar do Ballet Nacional da Noruega. A sua experiência levou-o a vários sítios – inclusive, em 2018, fundou, ao lado de Solange Melo, a Dança em Diálogos. Mas este ano acabou por voltar à sua primeira casa, onde, a 2 de Setembro, iniciou funções como director artístico. “Significa uma nova oportunidade de sentir uma profunda gratidão por pertencer de novo a esta casa. Aliás, eu nunca deixei de pertencer. E a gratidão vem do facto de, humildemente, saber ou sentir que fiz parte da história desta casa, juntamente com grandes artistas, criadores, ensaiadores e coreógrafos”, partilha. Assim, “apesar de me ter ausentado, não estive distante. É impossível criar uma distância com uma casa tão especial e tão digna como a Companhia Nacional, aquilo que é de todos, pertence a todos e para todos cumpre a sua missão.

Fernando Duarte
© Rita GazzoFernando Duarte

A sala-estúdio está ligada ao terraço, agora recuperado e onde os bailarinos podem descansar entre aulas e renovar energias, já que o seu bem-estar é um dos alicerces das novas mudanças. No rés-do-chão, há uma outra sala-estúdio, mais pequena, que dá lugar a um ensaio dirigido por Daniel Norgren Jensen para The Look/Supernova, espectáculo que abrirá oficialmente, a 17 de Outubro, as portas do Teatro Camões. O bailado traz novos nomes para o repertório da CNB, que, a cargo de Fernando Duarte, espera dialogar com novos públicos, não esquecendo uma articulação com a sociedade. “Cumpre-me a mim levar cada vez mais longe aquilo que são os diálogos com os públicos, os novos modos de mostrar a dança e os novos modos do público que vê também a dança de forma diferente”, sublinha. 

Na multiculturalidade que se cruza em palco, gera-se ainda conteúdo que procura levar a CNB além-fronteiras, uma das missões do director artístico – “a internacionalização também passa por cativar quem está lá fora e queira ver aquilo que só aqui na companhia se pode ver. Esse exemplo temos da internacionalização de grandes companhias europeias ou mundiais que passa, não pelo facto de viajarem, porque viajam, mas mais pelo facto de as pessoas viajarem para ir vê-las.”

Teatro Camões
© Rita Gazzo

Ao percorrer os corredores do primeiro piso, pintados de branco, surgem várias portas de cada lado. Ao fundo de um corredor, chegamos à sala de descanso, apelidada de green room, que antes não existia. Ao lado, um novo ginásio com barra e uma área de reabilitação e fisioterapia. Não muito longe fica o gabinete de fisioterapia, fundamental para quando os bailarinos sofrem lesões. 

A nível dos departamentos administrativos e técnicos, também é por aqui que os encontramos, reorganizados de forma a permitir uma melhor circulação e comunicação entre eles. A sala de arquivo encontra-se desarrumada, visto que as obras ainda estão a ser finalizadas, não estivessem as portas revestidas de plástico, ou o foyer numa espécie de estaleiro.

Teatro Camões
© Rita Gazzo

Já o guarda-roupa sofreu uma fusão no que toca à confecção, manutenção e armazenamento. O sector de costura, composto por quatro pessoas, trabalha num atelier com grandes janelas, as mesmas que percorrem todo o edifício. A pensar nas pequenas e grandes produções, para as quais é necessário fazer tutus, mantos e vestidos, o tamanho da sala teve de aumentar. No charriot, junto a uma das janelas, vemos pendurados os fatos cinzentos que servirão de figurinos para Supernova. Em cima da mesa ao lado, prepara-se o tecido preto para vestir o The Look. Por outro lado, o gabinete de armazenamento guarda figurinos que fazem parte do repertório recente da companhia, ou então de bailados que estão para vir, como o Coppélia ou a Rapariga de Olhos de Esmalte. Dois manequins vestem ainda dois vestidos distintos, um deles usado numa produção de Natal, o outro em Dama das Camélias, confirma o director de cena Henrique Andrade.

Para tornar o Teatro Camões um espaço versátil a acolher outros eventos e de elevar a experiência do público, há uma nova loja, uma nova bilheteira, um novo bar e lugar para estar, bem como se procedeu à climatização da sala geral. Na sala de espectáculos, o barulho dos berbequins e das máquinas é música de fundo, o chão enche-se de pó e bocados de madeira, e no palco, ainda há muito para fazer. Porém, já se monta o cenário para o primeiro bailado – não há tempo a perder. Do lado da plateia, que conta com mais de 800 lugares, as cadeiras azul-petróleo, que condizem com as paredes exteriores do edifício, e as alcatifas foram requalificadas. A iluminação também foi renovada. São todos estes pormenores que, segundo Fernando Duarte, estão “a permitir desenvolver um teatro de altíssima qualidade, não só para os artistas, mas também para o público.”

Teatro Camões
© Rita Gazzo

Casa de uma companhia que não tarda está a celebrar 50 anos, o Teatro Camões volta a ser habitado por quem vive para lhe dar o que contar e reabre portas para ser epicentro de uma missão que Fernando realça manter-se inalterável – “de estar presente, de estar próxima em tudo o que envolve dança, em tudo o que envolve sociedade, em tudo o que envolve cultura, em tudo o que envolve este compromisso, também com a liberdade e a democracia cultural, uma vez que a nossa companhia foi um dos primeiros frutos dessa mesma democracia.”  

Passeio Neptuno (Parque das Nações). 21 892 3470

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