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“Escolhemos estas 120 para a exposição porque têm um fio condutor”, diz António Preto sobre as fotografias que integram Manoel de Oliveira Fotógrafo, a mostra que ocupa o hall da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian até Janeiro. Numa visita guiada aos jornalistas, o curador revela como descobriram no acervo pessoal do cineasta milhares de fotografias, que estão agora a ser tratadas, catalogadas e digitalizadas.
Para o público é uma nova faceta do realizador de obras como Aniki-Bobó (1942) ou Vale Abraão (1993). Com a sua câmara Leica - também em exposição - Manoel de Oliveira retratou a cidade do Porto, o Douro, a natureza morta, a mulher, e até os projectos fílmicos que ficaram pelo caminho. Na mostra revela-se o interesse do realizador pela arquitectura moderna, pela temática social ou pela aviação.
São mais de cem fotografias a preto e branco “tiradas entre os finais da década de 30 e o início dos anos 1950”, sendo que "parte delas corresponde a provas originais, outras a ampliações feitas a partir de negativos”, indica a fundação. O intervalo temporal coincide com o momento em que o realizador esteve mais afastado do grande ecrã. A má recepção da crítica e do público ao filme Aniki-Bobó, em 1942, lembra o curador, terá levado a que Manoel Oliveira só tenha voltado ao cinema em 1956, com O Pintor e a Cidade, já a sétima arte se movia a cores.
Da fotografia ao cinema
A relação entre a fotografia e a filmografia do cineasta portuense torna-se evidente nesta mostra. “Há uma série de fotografias que nos permitem fazer esse parelelismo”, admite António Preto. “As naturezas mortas depois reaparecem nos seus filmes de forma significativa, e nunca em planos de corte”, exemplifica. Em Vale Abraão, por exemplo, “temos uma série de planos que são simplesmente objectos em cima de uma mesa”. A própria duração dos planos da filmografia de Oliveira evoca a contemplação como se uma fotografia se tratasse. O curador acredita que “a passagem pela fotografia terá sido determinante para aquilo que Manoel de Oliveira veio a fazer no campo do cinema”, dando importância ao “rigor do enquadramento, a composição, a grande atenção ao pormenor, o rigor geométrico”. “Tudo isto está depois na sua produção fílmica”, remata.
Há exemplos mais literais da continuidade de uma arte para a outra, como as fotografias de uma jovem morta que o realizador fotografa em 1952 e que acabam por inspirar a história contada no filme O Estranho Caso de Angélica (2010), em que um fotógrafo se apaixona pela defunta após captar a sua imagem. Há também uma série de registos fotográficos em ambiente de repérage - ida a locais para futuramente filmar - para projectos fílmicos que nunca chegam a ver a luz do dia. É o caso das muitas fotografias no circo, em 1944, ano em que o cineasta escreveu o guião O Saltimbanco, ou as fotografias no AeroClub do Porto, para um futuro projecto documental nunca concretizado.
As imagens, quase todas inéditas e provenientes do acervo do realizador depositado na Casa do Cinema Manoel de Oliveira, no parque de Serralves, podem ser vistas na Gulbenkian até 17 de Janeiro.
Fundação Gulbenkian. Hall da biblioteca de Arte. Até 17 de Janeiro de 2022. Entrada livre.