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Christophe Honoré já dirigiu Chiara Mastroianni em vários filmes, mas nunca num como Marcello Mio, que esteve em competição no Festival de Cannes de 2024. Chiara interpreta uma versão de si mesma que vai fazer uma leitura para um filme de Nicole Garcia (que também faz dela mesma) ao lado de Fabrice Luchini (idem, idem). Quando Garcia lhe diz que não gosta lá muito do modo como ela está a ler o papel e que o devia fazer mais ao estilo da mãe (Catherine Deneuve, também como ela própria) do que do pai, Marcello Mastroianni, Chiara fica estranha, primeiro, e depois muito deprimida, indo fechar-se em casa com uma toalha pela cabeça.
E decide então pôr-se na pele do seu lendário pai – literalmente. Veste-se à homem, arranja uma cabeleira e um chapéu de homem e começa a comportar-se como o pai, pedindo a toda a gente que conhece que lhe chame não Chiara, mas sim Marcello. E é como Marcello Mastroianni que ela sobe ao palco de uma sala de espectáculos para cantar ao lado do estupefacto namorado, Benjamin Biolay (também ele mesmo). E para indignação do seu colega e amigo Melvil Poupaud (idem), que estava a assistir ao concerto, conheceu Marcello Mastroianni e contracenou com ele num filme, e não por não achar graça nenhuma à brincadeira, zanga-se valentemente com ela.
Chiara/Marcello insiste também em voltar a fazer uma leitura do filme de Nicole Garcia na pele do pai, para grande exasperação desta (mas não de Fabrice Luchini, que alinha gostosamente na sua história), deixa a mãe Catherine muito confusa com esta sua nova identidade, e acaba metida numa grande confusão em Roma, numa emissão da RAI de homenagem a Marcello Mastroianni que conta com a presença de outra ilustre actriz, e amiga e colega do pai, Stefania Sandrelli, e onde vai fazer de sósia deste (agora com bigode e tudo). Como se tudo isto não bastasse, e pelo meio, adopta um cãozinho perdido e conhece um militar inglês gay, Colin (Hugh Skinner) que se ia suicidar atirando-se de uma ponte sobre o Sena por causa de um desgosto de amor, o qual convence a não o fazer, deixando-o fascinado por ela – mesmo estando vestida como se fosse o pai.

Marcello Mio pode ser visto como um filme sobre o significado da identidade, ou sobre o peso de se ser filho de dois mitos do cinema, trabalhar no mesmo ramo e estar sempre a ser comparado com eles ou incentivado a imitá-los e emulá-los. Ou ainda como uma elaborada e arrevesada brincadeira entre amigos artistas, uma enorme e cúmplice boutade cinematográfica (e cinéfila, inevitavelmente). Falando numa entrevista à Variety, Christophe Honoré disse que concebeu a história profundamente auto-referencial de Marcello Mio sem ter dito nada a Chiara Mastroianni, tendo-lhe apenas pedido autorização para escrever um argumento em redor da figura dela. Depois, Honoré submeteu-o a ela e a Catherine Deneuve para ter autorização para o filmar. Elas deram ambas o seu consentimento e Marcello Mio viu a luz do dia.
Tal como explicou o realizador na mesma entrevista, “Esta história não revela absolutamente nada sobre a vida privada de Chiara ou de qualquer dos outros actores. É apenas o resultado da minha imaginação”. E a intenção de Christophe Honoré foi “tentar perceber como é que as coisas são para Chiara. O que significa para ela acumular a sua memória familiar e a narração desta história? (…) E ela interpretou a personagem com muita auto-ironia. Chiara é, de alguma forma, a personificação do seu falecido pai – está possuída pelo seu espírito. Até brincou com isso, dizendo que se ganhasse um prémio pela sua interpretação neste filme, ‘queria que fosse para melhor actor e não melhor actriz!”.
O que quer que se pense de Marcello Mio, e da prestação de Chiara Mastroianni, não se lhes pode negar uma coisa: sentido de humor.
Estreia quinta-feira, 17 Abr
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