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Mártir, de Marius von Mayenburg, é a próxima estreia da Companhia de Teatro de Almada, já esta sexta, com encenação de Rodrigo Francisco. Há um cristão radicalizado e há o perigo do politicamente correcto.
Benjamin recusa-se a frequentar as aulas de natação por motivos religiosos. Assim se justifica perante a mãe, isto enquanto joga consola, enquanto não olha mãe, aquele típico desdém, fala-para-aí, que sempre responde nada à pergunta o que é que se passa. Só que a conformação não vai durar muito.
Benjamin, que não tem feito outra coisa que não ler a Bíblia Sagrada (de tal forma que quase só fala através de citações da mesma), há de saltar para a piscina da aula de natação completamente vestido, há de se despir por completo quando a professora de biologia introduzir a questão da contracepção utilizando cenouras e preservativos. Tudo porque ninguém lê o livro. Tudo porque ninguém faz o que o Senhor diz. Mártir, texto que Marius von Mayenburg escreveu em 2012, estreia esta sexta-feira no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada. A encenação é de Rodrigo Francisco.
Provavelmente pela ausência de amor – dizemos provavelmente porque as indicações são ténues – o jovem cristão radicaliza-se, abalando o quotidiano da sua escola, substituindo Judas por Érica, a professora de biologia. Mártir foi escrito na ressaca dos ataques extremistas islâmicos na Europa e Mayenburg utiliza “para provar que o problema não é o Islão em si, qualquer uma das religiões abraâmicas, se formos ver o que algumas das passagens escritas no Antigo e no Novo Testamento, se forem lidas à letra, são coisas monstruosas, o problema é a leitura que se faz”, esclarece Rodrigo Francisco.
Mas o encenador e director da Companhia de Teatro de Almada confessa que o motivo que mais lhe interessa no texto nem é esse radicalismo inerente, mas antes a perspectiva daquela professora: “É um certo clima que estamos a viver hoje em dia, a coisa do politicamente correcto, os perigos que este discurso pode trazer. Esta professora começa por ter uma atitude politicamente correcta para depois se perceber que é impossível, ela própria depois se transforma numa mártir. O que ela diz no final, o monoteísmo é uma ditadura, que é uma coisa muito politicamente incorrecta, mas que se analisarmos os factos somos obrigados a reconhecer isso. Só que não se diz isso abertamente”.
Pois, pois, bem sabemos, que a conversa politicamente correcta nunca deu bom cozinhado. E Érica, enquanto profissional da educação que tenta aproximar-se de Benjamin para que a coisa não se entorne mais ainda para fora da panela, vira a verdadeira mártir da história. As idas ao gabinete do director da escola tornam-se cada vez mais constrangedoras, sobretudo quando o motivo é a Teoria da Evolução. Benjamin diz que Darwin estava errado e o director da escola diz a Érica que o miúdo lhe anda a fazer mal, que a sua arrogância científica lhe esbate a sensualidade. A obsessão do aluno, vira a obsessão da professora. Só que isso o que Senhor já não diz.
Encenação Rodrigo Francisco. Com André Albuquerque, Ana Cris, Inês de Castro, Ivo Marçal, João Cabral, Pedro Walter, Tânia Guerreiro, Vicente Wallenstein
Teatro Municipal Joaquim Benite. Qua e Dom 16.00. Qui-Sáb 21.00. 10€.