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Matinés dançantes: a febre de sábado à tarde está de volta

Atingiram o auge da popularidade nos anos 1980. Agora, as matinés voltam a levar jovens (e não tão jovens) a locais inusitados.

Teresa David
Escrito por
Teresa David
Jornalista
Fuse no CCB
DRFuse no CCB
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Saudosos anos 1980, efervescentes e libertadores. O país despertava para tudo o que lhe havia sido roubado durante a ditadura e era tempo de olhar para a música, para a arte, para a moda, para a sexualidade, e para o que de resto se andava a fazer nos Estados Unidos e na Europa. Foi nessa altura, logo no princípio da década, que as matinés dançantes se tornaram populares por estas bandas, impostas por quem estava a iniciar a vida adulta. Ora, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e a noite acabou por dominar, durante muitos anos, o panorama das festas. Até agora. 

As matinés estão de regresso e andam nas bocas de quem não dispensa um pezinho de dança ao fim-de-semana. Tendem a ocupar locais inusitados e atraem jovens (e não tão jovens) que não querem desperdiçar as tardes no sofá – um fenómeno visto com bons olhos por quem já cá anda há mais de uma década. “Tem havido mais concorrência”, admite Luís Baptista, mais conhecido por DJ Nox, um dos responsáveis pela Fuse. Ainda assim não é algo que o preocupe, muito pelo contrário. “Achamos até que é bastante positivo haver mais opções, obriga-nos sempre a inovar”, diz. 

A promotora nasceu em 2011, quando um grupo de amigos decidiu unir forças e organizar uma festa a bordo de um veleiro em Lisboa, durante a tarde. Apesar de fazerem eventos à noite, é com as suas matinés que fazem mais sucesso, tanto que foi com elas (e por causa delas) que receberam recentemente o galardão de Festa do Ano, atribuído pela Time Out, a Pernod Ricard e a The Sustainable Restaurant Association. “O primeiro evento correu super-bem e, depois, chegámos à conclusão que era mais difícil conseguir licenciamento para fazer eventos nocturnos. Então resolvemos apostar porque era mais fácil conseguir o licenciamento para eventos diurnos e, também, porque acreditávamos muito mais nesse conceito e no target que isso nos ia trazer”, explica o responsável. 

Hoje em dia, as Matinés da Fuse têm uma cadência mensal e acontecem um pouco por todo o país, sempre com música electrónica dos mais variados estilos, e em localizações inesperadas. “Aquilo que nos destaca dos demais é que tentamos sempre surpreender as pessoas com sítios novos. Existe um estigma contra a música electrónica, mas ao longo destes já quase 13 anos temos conseguido quebrar essas barreiras, o que nos tem dado acesso a sítios a que normalmente não teríamos acesso, como foi o caso do CCB, do Instituto Superior de Agronomia, ou do Teatro Luís de Camões”, afirma. Outra das razões para o êxito é o público fiel. “A maioria dos nossos clientes sai uma vez por mês, vai à nossa matiné e não sai mais”, garante. 

Luís Baptista da Fuse
DRLuís Baptista

Quem prefere as tardes às noites?

Segundo Luís Baptista, “são pessoas de uma faixa etária a começar nos 25/30”. “Nos nossos eventos, a maior fatia é entre os 35 e os 40 anos. Temos muita malta jovem também, mas acontece que quando atingimos uma certa idade e começamos a ter outro tipo de responsabilidades, com trabalho, filhos e etc., é muito mais fácil sair a um sábado à tarde, por exemplo, e acabar a saída às 23.00, do que estar a sair até às 06.00/07.00 de um domingo. A recuperação acaba por ser diferente”, justifica. 

Quem também não é nova nestas andanças é a Bloop que, como a Fuse, leva a música electrónica a vários pontos do país e a sítios menos óbvios. “Fomos os primeiros a reaparecer nesta nova fase. A editora foi fundada em 2007, só editando discos de vinil. A partir de 2010, lançámos os eventos de forma a promover os artistas envolvidos na editora e convidá-los para virem tocar a Portugal”, lembra João Cruz, um dos donos. A maior facilidade em conseguir licenças durante o dia foi um dos motivos para a editora e promotora apostarem nas matinés, mas não a única. “Foi precisamente por ser um movimento que estava parado, embora já existisse lá fora, em Barcelona e em Paris, por exemplo”, revela.

Iniciaram-se com eventos bimestrais, mas actualmente a periodicidade é trimestral. “Neste momento, o caminho das matinés está muito forte, e nós preferimos fazer menos festas e mais especiais. Gostamos que as pessoas fiquem naquele compasso de espera a aguardar pela próxima”, esclarece. De acordo com João Cruz, as suas festas atraem dois tipos de público. “Temos os pioneiros, como lhes gostamos de chamar, que são as pessoas que nos acompanham desde o primeiro dia. E depois temos um público novo, que inevitavelmente acaba por saber o que é a Bloop e tem curiosidade”, informa. 

Curiosidade essa que se deve, em parte, às venues. “Não sei se as pessoas preferem festas à tarde, acho que é que querem ir a uma festa num sítio que normalmente não está aberto. E à tarde têm essa capacidade”, justifica. E ainda acrescenta: “As matinés acabam por ser um escape ao circuito regular de clubes nocturnos de música electrónica.  Acabam por abrir portas a novos espaços e consegues montar uma festa de raiz: abres um armazém que não tem nada e montas desde o bar à cabine de som, à luz, à decoração. Esse é um dos pontos interessantes.” Além disso, para o responsável, é uma maneira de prolongar o divertimento. “Acabas por sair à noite. Se tu vens a uma festa à tarde que acaba às 22.00/23.00, segues para um afterparty e juntas o útil ao agradável. Começas num almoço e acabas num pequeno-almoço”, remata. 

Bloop
DRBloop

Quem partilha das mesmas ideias é António Boieiro, DJ e criador das Tardes de Vanguarda (em conjunto com Marta Baluga, o também DJ Paulo Lizardo e Hugo Osga, que já não faz parte do colectivo). Esta é uma das poucas matinés fixas da Grande Lisboa, que garante sábados roqueiros no Cine Incrível, em Almada, há uma década. “Eu queria que fosse à tarde. Uma noite seria mais uma noite. À tarde é um bocado ousado, digamos assim”, justifica.

As Tardes de Vanguarda acontecem uma vez por mês e, além de música, há projecção de imagens, sessões de poesia entre outras “brincadeiras” que o DJ gosta de fazer. Talvez a isso se deva o público ecléctico que frequenta estes eventos, que recebe à volta de 100 pessoas por tarde. “Há pessoas que vão lá religiosamente. É quase um ritual, digamos assim. Vêm de vários sítios, de Lisboa, do Barreiro, e até do Porto, não só de Almada”, assegura o responsável. 

Uma particularidade destas festas é que é possível levar a família toda. “É, muitas vezes, o início de uma noite. Outras vezes é porque estão com os miúdos e sabem que os podem levar e não há problema. O ambiente é muito mais calmo”, descreve. Mas também entende que “há algumas pessoas já de outra faixa etária que não têm tanta paciência para ir à noite, e aproveitam e vão à tarde e depois ou vão jantar, ou vão para outro bar, ou vão para casa”. Longa vida às matinés, que são para todos. 

Artigo originalmente publicado na edição de Inverno 2023-24 da Time Out Lisboa

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